Equipe: 12º Doutor e Clara
Espaço: Nave Alexandria, Planeta Desconhecido
Tempo: Futuro Distante
Em 2015, a BBC fez um experimento em sua linha New Series Adventures, ao criar um arco de histórias envolvendo um artefato energético conhecido como glamour, que atravessou os três livros da série publicados naquele ano. Infelizmente, Sangue Real e Geração Big Bang não só se mostraram histórias fracas, mas também pintaram retratos pálidos do 12º Doutor. Quando vi que Trevor Baxendale, escritor de Medo Do Escuro seria o responsável pelo fim da trilogia, me permiti ficar otimista e, felizmente, o meu otimismo foi recompensado, pois Tempo Profundo não só traz uma aventura divertida e atmosférica, mas encerra As Crônicas Do Glamour com dignidade, amarrando as pontas soltas da saga. Na trama, em um futuro distante, o bilionário Raymond Balfour financia uma expedição para explorar a última estrada de Phaeron, um buraco de minhoca que a antiga raça dos Phaeron usava para se locomover pelo universo. O 12º Doutor e Clara Oswald se infiltram na expedição, esperando descobrir a ligação dos Phaeron com o artefato Glamour, que tem causado problemas em diferentes pontos do tempo e espaço. Mas a expedição da Nave Alexandria se torna mais perigosa do que qualquer um dos envolvidos havia previsto, enquanto a verdadeira origem e natureza do glamour é revelada.
Com Tempo Profundo, Baxendale se propõe a escrever uma aventura de ficção científica mais direta, construindo de forma competente o seu universo através da apresentação da equipe de exploração e suas interações, mas sem se tornar excessivamente dependente de diálogos. O autor evita os aspectos mais cartunescos do universo de Doctor Who, mas ainda permite que o contexto criado aqui dê alguns acenos para a mitologia da série, como, por exemplo, as ligações de Raymond Balfour com o Banco de Karabraxos, cenário do episódio Time Heist. O autor constrói bem a sua narrativa, criando personagens ricos, com conflitos interessantes e diversos. Em termos de estrutura, a história é muito familiar para qualquer um que já viu uma boa aventura de exploração. Assim, somos apresentados à equipe e seus membros com diferentes aptidões, acompanhamos o início da expedição, as coisas dão errado, e logo os exploradores estão lutando para sobreviver em um planeta desconhecido e hostil. Ainda que essa premissa esteja longe de ser original, a obra se vale de maneira competente dos clichês desse tipo de história, para fazer com que o leitor se importe com os personagens, e se envolva com as passagens de ação, suspense e horror que são apresentadas.
Gosto de como o autor usa a viagem no tempo para construir a trama, vide as tempestades temporais que assolam o planeta onde a expedição fica presa, separando a equipe em diferentes pontos do tempo e forçando-os a lidar com as mudanças climáticas e de ecossistema que ocorrem ao longo de milhões de anos. É uma ideia inteligente para uma trama com toques de survival horror, e Baxendale amarra de forma perspicaz o conceito de um mundo onde o fluxo do tempo é instável, com a mitologia que cria para os Phaeron e para o Glamour. Falando no Glamour, a obra fecha de maneira competente a trilogia, podendo ser lido de forma independente, mas fazendo sentido como conclusão do arco maior. Sente-se a urgência em torno do mistério central através da preocupação do Doutor em relação aos efeitos do glamour nos exploradores, além do envolvimento do Time Lord agora ser deliberado, ao invés de obra do acaso. As pontas soltas em torno do que é o glamour são amarradas de forma satisfatória, justificando as inconsistências da natureza dessa energia nos outros dois livros, de modo que a obra fica livre para lançar a sua própria visão sobre o que é o Glamour, sem soar incoerente com o que já havia sido apresentado.
O autor capta muito bem a dupla da TARDIS da 9ª temporada da Nova Série, e a dinâmica entre eles. Depois dos retratos genéricos que Una McCormack e Gary Russell fizeram do 12º Doutor nas Crônicas Do Glamour, é bom ler um livro que consiga transmitir para as páginas as nuances que Peter Capaldi deu ao Time Lord na TV. Baxendale entrega um 12º Doutor cheio de humor ácido, que pode ser assustadoramente frio quando tem que ser, mas que ainda assim nunca deixa que o leitor duvide do quanto ele se importa com aqueles à sua volta. Clara também é muito bem servida pela história, com o livro usando de forma eficiente as diferentes facetas da Companion vistas na TV para construir o seu arco dramático. Um exemplo é como Baxendale constrói uma ligação emocional entre a Companheira e Jem, uma androide que integra a tripulação da nave Alexandria e que, assim como Clara na 8ª temporada da série, perdeu o homem que amava. O autor também põe a jovem professora adotando certos aspectos do Modus Operandi do Doutor quando precisa assumir a liderança de parte do grupo de exploradores, o que também se comunica com o seu desenvolvimento na série.
A história de uma equipe de pesquisa que parte para investigar os segredos de uma civilização antiga e acaba encontrando consequências mortais já foi feita algumas vezes, mas em Tempo Profundo, Trevor Baxendale consegue pegar esse conhecido cenário, e dar algum tempero a ele, especialmente pela forma como articula os elementos de viagem no tempo com a aventura de sobrevivência. O autor também merece pontos não só pela compreensão que tem dos personagens regulares da série, mas por criar um elenco coadjuvante plural que desperta a preocupação e a afeição do leitor. Está longe de ficar entre os melhores livros de Doctor Who, e, na verdade, sequer é o melhor trabalho de Baxendale na série, mas ainda é um thriller de ficção científica muito competente, que finalmente dá algum sentido para o arco das Crônicas Do Glamour.
Doctor Who: Tempo Profundo (Deep Time) – Reino Unido. 10 de Setembro de 2015
Autor: Trevor Baxendale
BBC New Series Adventures #59
Publicação: BBC Books
256 Páginas