Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – Série Clássica: The Caves of Androzani (Arco #135)

Crítica | Doctor Who – Série Clássica: The Caves of Androzani (Arco #135)

por Luiz Santiago
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Equipe: 5º Doutor, Peri
Espaço: Planetas gêmeos Androzani Minor e Androzani Major
Tempo: c. 5300

E tudo começou assim…

I… Oh. Ah. You’ve come to help me find the Zero Room. Welcome aboard. I’m the Doctor. Or will be if this regeneration works out.

Peter Davison havia originalmente assinado um contrato de 3 anos com a BBC para interpretar o Doutor. No segundo ano de contrato, o produtor John Nathan-Turner tinha esperança de que o ator aceitasse a renovação para pelo menos mais um ano no papel, todavia, Davison não estava muito contente com a qualidade dos roteiros e pouco antes dos preparativos para The Five Doctors (período onde teve com Patrick Troughton a conversa sobre o que ficaria conhecida como a “regra das três temporadas”), comunicou que não tinha nenhum interesse em adicionar mais tempo ao seu contrato original — decisão da qual ele se arrependeria na 21ª Temporada, especialmente a partir de Frontios, dada a qualidade dos roteiros nessa fase final de sua era. No mesmo período, Janet Fielding (Tegan) e Mark Strickson (Turlough) também anunciaram suas intenções em deixar a série, colocando para o produtor o “problema” do renovo quase completo de pessoal, tendo como única permanência a personagem de Nicola Bryant (Peri), que embarcara na TARDIS em Planet of Fire e ficaria “de herança” para o 6º Doutor.

Flertando um pouco com o passado do show (notadamente com The Talons Of Weng-Chiang) e elencando motivos de O Fantasma da Ópera e A Bela e a Fera, esta ágil história de regeneração é também um dos melhores seriais da era Davison, não ganhando nota máxima apenas pela forma mais relaxada com que o roteiro trata Morgus e seus comparsas no final, sentimento fortalecido pelo fato de o personagem ter enorme força e participação em diversos setores da sociedade de Androzani, fazendo valer sua grande riqueza para controlar postos de trabalho, produção, exploração de minérios e o próprio governo.

Robert Holmes, que tinha bastante experiência como roteirista da série, tendo começado a escrever para Doctor Who em The Krotons (2º Doutor), empregou o máximo de esforços para colocar em Androzani um drama que é tanto uma crítica social densa (e ele já havia feito isso com extrema qualidade na série, em The Sun Makers), quanto uma forma inteligente de colocar o Doutor e Peri em uma situação de perigo sem forçar aliens bizarros goela abaixo do espectador e um cenário que só funciona pelo absurdo do vilão. Ao contrário. As relações entre Androzani Minor e Androzani Major são bem erguidas e funcionam de forma independente, servindo de plano de fundo para a chegada dos tripulantes da TARDIS, inicialmente movidos por curiosidade (ou melhor, pela curiosidade do Doutor) e enfim envoltos em uma pequena guerra civil com direito a “guerrilhas”, terror e sacrifícios.

Criar ambientações políticas, sociais e econômicas para um enredo de Doctor Who requer o cuidado de não se perder em problemas unicamente importantes para estes conceitos ou por eles dominados, deixando de lado ou diminuindo a ação do Time Lord ou da ligação desse tipo de enredo com o Universo da série, armadilha que Holmes chegou a cair duas vezes no passado, em The Space Pirates e The Power of Kroll. Em The Caves of Androzani, no entanto, sua estratégia foi criar o impasse e separar em diferentes segmentos os responsáveis por ele, cada um com diferentes motivações, vide Morgus, Sharaz Jek (com sua máscara inspirada em pinturas africanas) e a adição das “frentes menores”, como os androides, o Exército e os bandidos.

Peter Davison e Nicola Bryant estão ótimos em seus papéis, e interpretam muito bem a urgência dos eventos a que são submetidos, os sintomas da toxemia pelo contato com Spectrox em estado bruto (que quase mata Peri e acaba levando o Doutor a se regenerar) e as reações para as fases de fuga e captura por lados diferentes da moeda na sociedade de Androzani.

O maior destaque do desenho de produção aqui está nas cenas internas e na caverna onde ficava a base de Sharaz Jek. O foco da direção era explorar tomadas externas e menos cenas em estúdios, o que tornou o arco mais dependente da direção do que da equipe de arte. O único momento, em conceito e representação que me parece meio bobo é quando vemos o Doutor indo até o fundo da caverna para pegar o leite de uma morcega-rainha e curar Peri da toxemia. Embora aconteça no clímax da história, é impossível não estranharmos o cenário. Sem contar que esse negócio de leite de morcega-rainha é bastante ridículo.

É muito bom chegarmos a um bom final de Era de um Doutor e ver como ele passou por mudanças e o que o impulsionou a se regenerar. Junto com The War Games, esta com certeza está entre as mais ágeis e intensas histórias de regeneração da Série Clássica. Até o momento, temos o seguinte quadro:

  • 1º Doutor, em The Tenth Planet: idade avançada + esgotamento do corpo após contato com os Cybermen;
  • 2º Doutor, em The War Games: forçado pelos Time Lords, após julgamento, por quebrar as leis de não-intervenção. Regeneração forçada + exílio na Terra;
  • 3º Doutor, em Planet of the Spiders: exposição à radiação do cristal de Metebelis III na caverna da aranha Great One;
  • 4º Doutor, em Logopolis: queda de grande altura da torre de transmissão do Pharos Project, após embate com o Mestre. Aparece o Vigia, que se mescla ao corpo do 4º Doutor para criar o corpo do 5º Doutor.
  • 5º Doutor, em The Caves of Androzani, toxemia pelo contato com Spectrox em estado bruto.

A Era do 5º Doutor foi marcada por diferentes padrões de organização narrativa. Como marcos, tivemos, na 19ª Temporada, o retorno dos Cybermen e a morte de um companion (Adric, em Earthshock); a primeira aventura fora do gênero ficção científica desde a era do 2º Doutor (Black Orchid); e a destruição da chave de fenda sônica (The Visitation). Na 20ª Temporada, notou-se um número maior de mudanças internas, com uma estrutura de “trilogia + retornos” pensada para comemorar o aniversário de 20 anos da série. Em Arc of Infinity temos o retorno de Ômega, a volta de Tegan e a primeira aparição de Colin Baker na série. Em Snakedance, o retorno e final aparição de Mara na Série Clássica. Em Mawdryn Undead o retorno do Brigadeiro Lethbridge-Stewart, a primeira parte da Black Guardian Trilogy e a chegada de Turlough. Em Terminus, a partida de Nyssa. Em Enlightenment, o fim da trilogia do Black Guardian, a “libertação” de Turlough e o retorno e final aparição na Série Clássica dos Guardiões Negro e Branco. The King’s Demons traz o retorno do Mestre, a primeira aparição de Kamelion e o cliffhanger para o Especial The Five Doctors.

A 21ª Temporada é a mais madura dessa era do 5º Doutor, com direito ao retorno de vilões de sua terceira encarnação (Warriors of the Deep), destruição e reparação da TARDIS (Frontios), despedida de Tegan (Resurrection of the Daleks), retorno do Mestre, chegada de Peri, morte de Kamelion e despedida de Turlough (Planet of Fire) e enfim, a regeneração.

Se na primeira fase de sua linha do tempo, tivemos algo mais “acidental” em relação às ações do 5º Doutor, com o passar do tempo, ele foi tomando as rédeas da situação (principalmente depois da morte de Adric), até chegar à maturidade de sua encarnação nesta última temporada, que ainda continuaria com The Twin Dilemma, a primeira história do 6º Doutor.

Também é importante destacar que nesse momento final, há uma batalha intensa para que o Doutor não se regenere. É doloroso ver que o Doutor mais pacífico de todos tenha enfrentado o Mestre, através de Kamelion, em um dos momentos mais frágeis de sua vida, que é o momento da regeneração. No áudio Circular Time: Winter (2007), o roteirista Paul Cornell nos apresenta uma ação que se passa quase exclusivamente na cabeça do Doutor, gerando todas aquelas faces que vemos na série e a intervenção final do Mestre forçando-o a morrer. A trama explora de maneira inteligente a “paisagem mental” do Doutor (um refiguração disso nós veríamos na obra-prima Heaven Sent), e para barrar a força do Mestre, ele é diretamente ajudado por Nyssa e seu esposo Lasarti. A conexão com os outros companheiros acabam se sobrepondo ao Mestre e o novo corpo do Time Lord termina de ser ‘cozinhado’.

Percebam que toda vez que ele é envenenado, a encarnação seguinte vai ter um quê a mais de loucura, cujo nível vai depender das experiências vividas na encarnação anterior. O 3º Doutor foi envenenado e em seguida veio o insano 4º Doutor. O 5º Doutor foi envenenado/intoxicado e em seguida veio o insano, arrogante e marcado por um intenso humor negro 6º Doutor. O 10º Doutor foi envenenado e em seguida veio o “mad man in a blue box“. Levando em conta esse fator e a problemática das experiências de massacre vividos pelo 5º Doutor na reta final de sua vida, mais o fato de ele ter tido um processo de regeneração interrompido, tendo que batalhar mentalmente com o Mestre para conseguir se regenerar, não é à toa que sua versão seguinte fosse aquele poço de ternura e delicadeza. E tudo terminou assim:

I might regenerate. I don’t know. Feels different this time… […] Adric?

Assim como Turlough, eu aprendi a gostar de verdade do 5º na fase final de suas aventuras, especialmente depois de Frontios. Parece um carma whovian. Quando estamos gostando e nos acostumando com algo, isso logo chega ao fim. Mas como tudo em Doctor Who, nunca é o fim. A jornada do 6º Doutor acaba de começar, já com os dois pés no peito do público:

You were expecting someone else?

The Caves of Androzani (Arco #135) — 21ª Temporada
Direção: Graeme Harper
Roteiro: Robert Holmes
Elenco: Peter Davison, Colin Baker, Nicola Bryant, Christopher Gable, John Normington, Robert Glenister, Maurice Roëves, Anthony Ainley, Matthew Waterhouse, Sarah Sutton, Janet Fielding, Mark Strickson, Gerald Flood
Audiência média: 7,28 milhões
4 episódios (exibidos entre 8 e 16 de março de 1984)

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