Equipe: 12º Doutor e Clara
Espaço: Reino de Varuz
Tempo: Futuro Distante
Quem conhece o trabalho de Una McCormack em Doctor Who sabe do gosto da autora por histórias que evoquem obras de fantasia mais tradicional. Sangue Real, livro que abre a série Crônicas do Glamour, da linha New Series Adventures não é diferente, ao apresentar uma história que bebe direto na fonte dos mitos arturianos. Na trama, o 12º Doutor e Clara chegam à cidade de Varuz, em um mundo desconhecido. Varuz já foi a potência dominante do planeta, mas agora é um reino decadente, prestes a ser conquistado pelo Duque Conrad. Quando o Doutor é confundido com um homem santo, o governante de Varuz pede a sua benção para ir à guerra, mas o Time Lord não acredita que Varuz tenha chance contra Conrad. Pra complicar a situação, cavaleiros supostamente liderados por Lancelot, chegam à cidade em busca do Santo Graal.
Sangue Real é um melodrama medieval articulado com elementos Sci-fi; uma mistura que não é estranha à serie. Assim, o romance mostra o time da TARDIS lidando com as intrigas palacianas típicas deste tipo de história, cheias de jogos duplos e velhos rancores entre a nobreza. O livro traz um trabalho de construção de mundo eficiente, descrevendo Varuz como esta sociedade medieval futurista, com suas tochas holográficas e espadas lasers, de forma bastante imagética; ao mesmo tempo em que cria um senso de decadência quase tangível para o local, sem tornar-se prolixo. Porém, a escolha por inserir trechos narrados em flashback pelo personagem Bernhardt, onde desde o começo, ele revela ao leitor que Varuz irá cair, acaba não funcionando muito bem, ainda que se entenda a intenção da romancista de emular a narração fabular dos mitos arturianos, como se a história que estamos lendo fosse uma história de fogueira.
Há um clima de incerteza e desconfiança bem construído no 1º ato do romance, pois logo fica claro que Aureliano, o governante de Varuz, não tem o total apoio de seus súditos. Mesmo a Duquesa Guena, esposa de Aureliano, vê o fracasso eminente do marido, e passa a articular pelas costas dele formas de alcançar a paz com o inimigo. Ao mesmo tempo em que essas conspirações palacianas são tratadas com certa carga dramática, a forma como a dupla protagonista acaba atraída para este jogo de intriga fornece os alívios cômicos necessários para dar mais leveza à narrativa.
A chegada de Lancelot e seus cavaleiros a Varuz concede um grau extra de fantasia para a história, pois segundo o Doutor, Lancelot não deveria existir. Entretanto, o plot é colocado de forma atravessada na trama central que estava sendo desenvolvida, gerando um desequilíbrio narrativo que se agrava até o desfecho. A inserção da busca pelo Graal não é completamente incoerente; por se comunicar com temas que guiam os arcos de alguns personagens, mas infelizmente, a autora não consegue articular estes elementos sem perder o foco narrativo. Este é um problema que se torna ainda mais evidente na segunda metade do romance, quando a trama é dividida em duas linhas principais; uma que acompanha o Doutor ao lado de Bernhardt e Lancelot em sua busca pelo Graal; e outra com Clara agindo em nome de Guena para tentar selar a paz com Conrad.
O desfecho da obra também é excessivamente corrido e anticlimático, sensação aumentada por algumas escolhas narrativas de McCormack. Desde o inicio do livro, somos informados que Varuz será devastada em uma grande batalha, gerando expectativa no leitor. Mas quando a história atinge o seu clímax, a tal batalha dura apenas algumas poucas páginas, com personagens até então importantes, sendo mortos em uma frase, torna-se impossível não se decepcionar. É como se a autora se esquecesse de que, na literatura, ela não precisa se preocupar com questões de orçamento, pois o livro não consegue conferir à batalha a grandiosidade que ela precisava ter. O fim do mistério envolvendo Lancelot e o Graal traz uma reviravolta criativa, porém abrupta demais, que mais prepara o terreno para o arco maior que guia os livros da série Crônicas do Glamour do que serve a este romance.
Mas é preciso dar o braço a torcer para a romancista no que diz respeito à construção dos coadjuvantes. Mesmo que não concordemos com algumas ações de personagens como Guena ou Aureliano, a autora constrói as suas motivações de forma orgânica, criando indivíduos tridimensionais que gostamos de acompanhar. Conrad também se revela muito mais um antagonista do que um vilão, já que o seu desejo de derrotar e conquistar Varuz é fruto de uma divida histórica que o reino teria com o resto do planeta depois de séculos de exploração, o que cria um adversário bastante simpático, ainda que como qualquer governante, ele também tenha as suas segundas intenções.
Quanto ao time da TARDIS, confesso que fiquei um pouco decepcionado com o retrato que a autora faz da dupla protagonista. É preciso dizer que a romancista transpõe Clara para as páginas de forma acertada, captando o ar atrevido da personagem, que nesta altura de sua trajetória tentava cada vez mais emular o Doutor. Mas infelizmente a obra não parece entender tão bem o 12º Doutor quanto a companion, entregando uma leitura bastante genérica do personagem, que embora cite características da encarnação de Peter Capaldi, como a sua sinceridade brutal, nunca realmente consegue nos fazer visualizar completamente o Time Lord de Capaldi no livro.
A obra de Una McCormack cria um universo interessante, que em sua mistura de Sci-fi e melodrama medieval arturiano, traz uma curiosa alegoria antimonarquista. Entretanto, apesar de possuir um bom elenco de personagens para desenvolver essa alegoria, a autora perde o foco narrativo com um Plot bem menos interessante, optando assim por encerrar a obra com uma resolução frustrantemente apressada. Sangue Real termina sendo um daqueles livros onde sentimos que os personagens mereciam uma história melhor, e o mais frustrante, o 12º Doutor escrito aqui nem é um desses personagens.
Doctor Who: Sangue Real (Royal Blood) – Reino Unido, 10 De Setembro de 2015.
Autora: Una McCormack
BBC New Series Adventures # 57
Publicação: BBC Books
194 Páginas