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Crítica | Doctor Who: Reunião Mortal, de Barry Letts e Terrance Dicks

por Rafael Lima
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Equipe: 3º Doutor, Jo (+UNIT, Brigadeiro Lethbridge Stewart, Sargento Benton, Capitão Yates)
Era: UNIT- Ano 3
Espaço: Grécia, Hob’s Haven (Reino Unido)
Tempo: Anos 1950, Anos 1970

Nos quarenta anos de Doctor Who, a Past Doctor Adventures reuniu para a edição de aniversário, dois nomes extremamente importantes da série: Barry Letts; um dos mais longevos showrunners do programa, e Terrance Dicks, que trabalhou com Letts como editor de roteiro. Como não poderia deixar de ser, a parceria resultou em um romance situado na era do Terceiro Doutor, que foi o período em que os dois trabalharam juntos no Show. O resultado dessa reunião (com o perdão do trocadilho) foi o livro Reunião Mortal, que apesar de ter boas ideias, fica longe dos melhores trabalhos da dupla.

Na trama, no início da década de 1950, o jovem Tenente Alistair Lethbridge Stewart está em uma missão na Grécia, quando conhece uma jovem chamada Perséfone, por quem se apaixona. Anos depois, o agora Brigadeiro Lethbridge Stewart é o líder da UNIT, e investiga uma série de surtos de violência que têm ocorrido por todo o país. Ao mesmo tempo, o 3º Doutor e Jo tiram o dia de folga na pequena cidade de Hob’s Haven, onde a garota pretende comprar ingressos para um festival de musica que irá ocorrer ali. Mas a estranhamente alta taxa de mortalidade da cidade logo chama a atenção do Doutor, o que o leva ao coração dos surtos de violência que tem ocorrido no país e a descobrir a esquecida ligação do Brigadeiro com os deuses gregos.

Enquanto em muitos livros escritos a quatro mãos os autores se esforçam para fundir os seus estilos em uma voz única, Letts e Dicks dividem de forma muito clara os trechos por quais cada um é responsável. Letts escreve a primeira parte que acompanha a aventura do jovem Lethbridge Stewart na Grécia, que ocupa cerca de um terço da narrativa, enquanto Dicks escreve o restante da trama situada no “presente”, que no universo da série se passa entre os arcos The Mind Of Evil e The Claws Of Axos. A ideia era interessante, inclusive comportando os estilos de escrita radicalmente diferentes dos dois autores, mas não só a qualidade das duas fases do livro é muito diferente, como também a coesão e justificativa para essa divisão deixa a desejar.

O terço inicial escrito por Letts com o jovem Lethbridge Stewart introduz o conceito principal dos deuses gregos como alienígenas que após séculos sendo adorados pelos humanos, resolveram viver no anonimato. É nesse cenário que o futuro Brigadeiro conhece e se apaixona por Perséfone, sem saber que a garota é a Perséfone mitológica. O livro bebe direto da fonte do mito de Orfeu e Eurídice, ao colocar Lethbridge Stewart em uma jornada pelo submundo ao lado de Hermes (aqui na forma de um adolescente que faz às vezes de irmão caçula de Perséfone) para resgatar a amada das garras de Hades, que a sequestrou como parte de seu plano para assumir o controle do planeta.

Há boas ideias aqui, como a apresentação dessa família de “deuses” formada pelos irmãos Perséfone e Hermes e pela matriarca Deméter; e a própria apresentação do Submundo mitológico articulado com conceitos de ficção científica familiares á série. Mas a verdade é que embora tenha sido um Showrunner brilhante, Letts não me parece ser um escritor muito bom. Suas descrições de cenários e ambientes são monótonas e arrastadas, enquanto os seus personagens são pouco aprofundados e até um pouco mecânicos. Esses elementos se tornam um problema maior ainda quando lembramos que todo esse terço inicial da obra gira em torno de uma história de amor, que infelizmente nunca ganha credibilidade, enfraquecendo assim todo o conjunto.

O livro melhora quando Terrance Dicks assume a escrita, com a ação passando a ocorrer na Era UNIT. Aqui, o aspecto comemorativo da obra se faz mais presente, já que o autor traz todos os elementos familiares desse período, como Jo, Bessie, as tropas da UNIT lideradas por Benton e Yates e até mesmo o Mestre. Dicks conhece muito bem esses personagens, portanto consegue não só transpô-los para á página com perfeição, mas também capturar de forma impecável o espírito dessa era da série. O microverso da cidade de Hob’s Haven onde se passa boa parte da trama é muito bem construído, de modo que o leitor quase pode visualizar o mapa da cidade. O clima absurdo onde o Doutor investiga uma série de crimes macabros sempre defendidos pelo xerife da cidade como sendo suicídios ou acidentes é também bem posto pelo livro, dando à história um humor sombrio muito bem-vindo. A família de deuses também ganha mais personalidade aqui, com destaque para a relação de respeito que se desenvolve entre o 3º Doutor e Deméter.

Mas ainda que seja muito fácil se gostar desta segunda fase de Reunião Mortal, é impossível não perceber o quão derivativa ela soa. A aliança entre o Mestre e a UNIT lembra situação semelhante em The Claws of Axos, enquanto o Mestre liderando um culto satânico em uma pequena cidade nos remete diretamente ao arco The Daemons.  Eu entendo que o livro tinha a intenção de celebrar o aniversário da série ao homenagear a Era UNIT trazendo os seus dois principais escritores para criar uma nova aventura, mas Dicks demonstra certa preguiça ao não só reutilizar situações dramáticas comuns da série, mas que foram vividas por esse mesmo elenco. Não ajuda também que o conflito central se encerre em um anticlimático e literal Deus Ex Machina na problemática envolvendo o novo plano de conquista de Hades, desfecho que inclusive está entregue na capa do romance.

Mas talvez o maior problema da obra seja como as passagens escritas por Letts e Dicks soam quase independentes uma da outra, apesar de dividirem muitos personagens. O romance entre Perséfone e o Brigadeiro, que move toda a primeira parte da obra, não é muito mais do que uma nota de rodapé na segunda parte, servindo apenas para fragilizar o Brigadeiro por algumas páginas (o que não deixa de ser interessante), mas ainda muito pouco para justificar o terço inicial do livro. Fica-se com a nítida impressão de que se Lethbridge Stewart nunca houvesse conhecido o trio de deuses no passado, a situação no presente se desenvolveria praticamente da mesma forma, o que depõe fortemente contra a coesão do romance.

Ao terminar de ler Reunião Mortal, não pude deixar de me sentir um pouco decepcionado por esta nova colaboração de dois nomes tão importantes para Doctor Who ter gerado um resultado tão irregular. O livro ainda tem seus bons momentos, principalmente nas passagens escritas por Dicks, com até alguns lampejos de brilhantismo nas cenas com o Mestre. Entretanto, a falta de uma ligação dramática maior entre os dois núcleos; com o primeiro soando arrastado e o segundo soando derivativo empalidecem esta edição de aniversário. 

Doctor Who: Reunião Mortal (Deadly Reunion) – Reino Unido, 03 de Novembro de 2003
Autores: Barry Letts e Terrance Dicks
BBC Past Doctor Adventures # 63
Publicação: BBC Books
291 Páginas

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