Philip Hinchcliffe Presents é uma minissérie da Big Finish, com roteiros do produtor da Era de Ouro de Doctor Who, Philip Hinchcliffe, e, nos três arcos aqui criticados, com readaptação de Marc Platt para os áudios. As duas primeiras sagas fizeram parte de um boxset lançado em 2014 e a terceira foi lançada solo, em 2016. Acompanhando os episódios, temos alguns contos retirados de diferentes livros das Short Trips.
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The Ghosts of Gralstead
Equipe: 4º Doutor, Leela
Espaço: Gralstead House, Londres / Congo, África
Tempo: Outubro de 1860 e abril de 1861 / abril de 1861
Philip Hinchcliffe foi produtor de Doctor Who entre 1975 e 1977, tendo sido responsável pela fase do 4º Doutor entre os arcos The Ark In Space e The Talons of Weng-Chiang. O projeto (ou minissérie) Philip Hinchcliffe Presents, foi uma ideia da Big Finish para que o autor produzisse mais algumas histórias que se encaixasse dentro do período em que esteve no comando da série. Assim surgiram os arcos The Ghosts of Gralstead e The Devil’s Armada, ambos escritor por Hinchcliffe, como enredo geral, e adaptado para o formato da BF por Marc Platt. Nesta primeira aventura, o grande erro dos escritores foi estender demasiadamente a história do fantasma (ou dos fantasmas) em Londres, entre 1860 e 1861.
A atmosfera das histórias em que estes episódios estão encerrados — The Talons of Weng-Chiang e Horror of Fang Rock — é bem utilizada e vai aos poucos criando um cenário de horror psicológico que, à medida que os episódios passam (são desnecessários 6 episódios!), se torna em horror físico, com direito a mutilação, canibalismo, zumbis e o Doutor e Leela morrendo e sendo trazidos de volta à vida por um determinado artefato. Talvez possamos culpar a extensão da aventura pela grande quantidade de coisas que acontecem, boa parte delas forçadas e redundantes. Mesmo com bons personagens e com motivações que o espectador entende e consegue se identificar, não sobra muita coisa para elogiar.
Ganhando espaço no horror, mas perdendo na verossimilhança, The Ghosts of Gralstead mostra um lado de Londres que não é nada bonito de se ver. Do trabalho infantil à escravidão/servidão, o arco desnuda a sociedade britânica, mostra seus pontos negativos e como a maldade presente na vilã da vez, Mordrega, também pode ser encontrada, sob outras máscaras, nas pessoas que tanto a criticavam. Esses conflitos de pontos muito bons, elementos críticos e outros forçosos no desenvolvimento da saga acabam por cansar o espectador. The Ghosts of Gralstead é uma boa aventura do período das “tramas medonhas” com o Doutor, mas se não tivesse a necessidade megalomaníaca de se estender por tanto tempo, talvez tivesse um resultado final bem melhor.
The Ghosts of Gralstead (Reino Unido, setembro de 2014)
Direção: Ken Bentley
Roteiro: Philip Hinchcliffe (adaptação de Marc Platt)
Elenco: Tom Baker, Louise Jameson, Carolyn Seymour, Gethin Anthony, Martin Hutson, Emerald O’Hanrahan, Alan Cox, Ivanno Jeremiah, Andy Secombe, Seán Carlsen, Mandi Symonds, Andrew French
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The Devil’s Armada
Equipe: 4º Doutor, Leela
Espaço: Sissenden Village, Inglaterra / Londres
Tempo: 1588
Pendendo mais para o período do 4º Doutor ao lado de Sarah Jane do que de Leela (não dá para evitar comparações com The Masque of Mandragora), The Devil’s Armada abraça todo o horror das perseguições na Inglaterra, no século XVI, tanto pelas divergências religiosas que tanto derramaram sangue quanto pelas acusações das mulheres como bruxas. O Doutor e Leela chegam a este ambiente e sem demora são “forçados” a agir contra um ato de covardia contra uma mulher que passava pelos “testes de salvação” para saber se estava possuída ou não. A partir desse momento, visados pela ajuda que deram, eles se verão em uma sequência de problemas com inúmeras motivações e desfechos.
Pelo menos no fator “evitar perder tempo” The Devil’s Armada sai na frente de The Ghosts of Gralstead. A construção do cenário inglês do século XVI é muito boa e não está encerrada em apenas um lugar. Várias classes sociais e provas de lealdade à rainha são mostradas, bem como vem à tona as muitas faces do oficiais do reino, a corrupção, alguns agindo por paixões ou interesses próprios em nome do trono e não se importando em condenar inocentes à morte. Algo que notamos é a tendência à crueldade, ao realismo, mesmo dentro do gênero horror, que as histórias de Philip Hinchcliffe transmitem.
A grande diferença de qualidade entre a primeira e a segunda parte do arco está na introdução do vilão, o ser “diabólico” — algo como um Baphomet, o Vituperon — que aparece e vai dominando algumas pessoas, até chegar ao Doutor. O link mental e toda essa esfera bastante pessoal ligada ao diabo até poderiam dar certo, mas se misturam com os detalhes e as batalhas da Inglaterra contra a Espanha, o que torna a reta final da trama uma salada de coisas às quais não sabemos ao certo para onde olhar e no que mais prestar atenção. Uma coisa é certa: a representação dos perseguidores das liberdades pessoais aqui é inteligente e funciona bem o tempo todo. Muito bom ver algo nesta linha funcionar a contanto em um arco histórico como este.
The Devil’s Armada (Reino Unido, setembro de 2014)
Direção: Ken Bentley
Roteiro: Philip Hinchcliffe (adaptação de Marc Platt)
Elenco: Tom Baker, Louise Jameson, Jamie Newall, Nigel Carrington, Alix Dunmore, Joe Jameson, Beth Chalmers, Philip Bretherton, Ben Porter, Tim Bentinck
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The Genesis Chamber
Equipe: 4º Doutor, Leela
Espaço: Colônia humana
Tempo: Indeterminado
Para qualquer fã de ficção científica que tenha visto, lido ou ouvido histórias sobre colônias terráqueas em outros lugares, em um futuro distante (ou qualquer outro tempo histórico que a ficção puder fornecer) sempre espera pelo pior quando se depara, inicialmente com esse tipo de história, seja por conflitos internos, por monstros que invadem o local ou por chegadas oficiais nada bem-vindas que ameaçam a tudo e a todos. De certa forma, todas essas coisas acontecem em The Genesis Chamber, mas com uma sequência de eventos bem mais longe do que deveria e cheia de nuances alienígenas.
O Doutor e Leela chegam a um lugar onde existe uma grande divisão social. De um lado, o “povo da cidade”, com grande tecnologia e sem o processo sexuado de reprodução, tendo sido substituído por bebês sintéticos, criados pela câmara geradora, como sugere o título da aventura. Do outro lado, afastados, os selvagens mal vestidos, que possuem grande ódio da tecnologia (chegando a abolir qualquer tipo de máquina do acampamento) e reproduzindo-se de forma sexuada. Por um breve momento o espectador se lembra da divisão social sugerida em Snakedance (5º Doutor), e é sob essa divisão, com direito a perseguição, sistemas automáticos à la HAL 9000 e um homem muito bonito, mas com uma cara muito feia “por dentro” que toda a história se desenvolverá.
A “maldição da finalização” que parece assombrar periodicamente a Big Finish aparece aqui. O início e boa parte do desenvolvimento são bons, possuem um bom motor que ativa o grande problema a ser resolvido — os dois irmãos, filhos do presidente da cidade, que resolvem visitar as terras selvagens — e é marcado por interessantes relações humanas, com Leela novamente sendo cortejada e quase pedida em casamento (ela já fora pedida pelo rei congolês em The Ghosts of Gralstead) e o Doutor tentando equilibrar as muitas forças e frentes de luta da história. Mas o final não é tão interessante quanto se esperava. Pelo menos consegue fechar a maioria das janelas narrativas que abre no decorrer dos episódios.
The Genesis Chamber (Reino Unido, setembro de 2016)
Direção: Ken Bentley
Roteiro: Philip Hinchcliffe (adaptação de Marc Platt)
Elenco: Tom Baker, Louise Jameson, Jon Culshaw, Hannah Genesius, Jemma Churchill, Dan Li, Vernon Dobtcheff, Arthur Hughes, Gyuri Sarossy, Elliot Chapman