Equipe: 4º Doutor, 10º Doutor
Espaço: Catedral da Contemplação
Tempo: Fora do Tempo
O 4º Doutor, interpretado por Tom Baker na Série Clássica, e o 10º, vivido por David Tennant na Nova série, podem não ser o seu Doutor favorito, mas é inegável que essas versões do personagem são as duas mais emblemáticas e reconhecidas da história do programa. Baker, afinal, foi o protagonista mais longevo da Série Clássica, permanecendo por sete anos no papel; enquanto a Nova Série foi apenas uma aposta quando o 9º Doutor de Christopher Eccleston estrelava o Show, tornou-se um fenômeno mundial só após Tennant assumir a TARDIS. Assim, não é surpresa que uma história que reúna essas versões do Doutor tenha sido escolhida pela Big Finish para iniciar a trilogia Out of Time, que traz encontros do 10º Doutor com Doutores da Série Clássica, com esse primeiro áudio sendo batizado justamente de Out of Time.
Na trama, o 10º Doutor (para quem os eventos se situam entre The Waters of Mars e The End of Time Part 1), chega à Catedral da Contemplação, um santuário e retiro espiritual que existe fora do tempo, e que o Time Lord visita sempre que precisa de um lugar calmo para refletir e meditar. Entretanto, quando as barreiras dimensionais que protegem o local enfraquecem, o Doutor encontra a sua 4ª Encarnação (para o 4º Doutor, a trama se passa entre The Deadly Assassin e The Face Of Evil), que também buscava perspectiva na catedral, após algum tempo viajando sozinho. Logo, a dupla descobre que o enfraquecimento das barreiras foi causado por Daleks lutando na II Guerra Dalek (iniciada em Frontier In Space), que pretendem usar os acessos da Catedral da Contemplação para todo o tempo e espaço não apenas para vencerem a guerra , mas para ganharem vantagem em todas as guerras que já lutaram ou que ainda vão lutar.
Escrita por Matt Fitton, Out Of Time é uma história que aposta na simplicidade, deixando que a dinâmica entre o 4º e o 10º Doutor guie a história. Com isso, não quero dizer que o roteiro de Fitton não traga conceitos interessantes, pois a própria ideia de um santuário fora do tempo feito para abrigar aqueles que precisam de tempo para solucionar um conflito interno é ótima; com uma dessas pessoas sendo uma jovem soldado filha de um militar, traumatizada com os horrores da Guerra Dalek, que forma uma bonita parceria com os Time Lords, o 4º Doutor, em especial. Mas no fim do dia, apesar de uma ou duas reviravoltas bem colocadas, o áudio pode ser resumido dentro do velho formato da base sob cerco tão familiar para a série.
Essa simplicidade , entretanto, é muito bem vinda para que o áudio foque no que mais lhe interessa, que é a relação entre as duas encarnações do protagonista. Ainda que o Doutor de Tennant exerça certo protagonismo, esse é um Multi-Doctor que dá um conflito significativo para cada Doutor, fazendo com que o contato com o outro eu os ajude a colocar suas problemáticas em perspectiva. O roteiro traz um 4º Doutor que já estando viajando sozinho há algum tempo, passa a se questionar se precisa mesmo de Companions se ele vai eventualmente perdê-los; lógica que como o 10º descobriu em aventuras recentes, pode levá-lo muito perto de cometer erros terríveis.
Mas mais interessante ainda é como o Time Lord de Baker percebe o medo quase narcísico de sua versão futura diante de sua morte/regeneração iminente, mesmo que paradoxalmente o 10º Doutor prefira arriscar a própria vida a arriscar a linha do tempo com a morte de sua versão do passado. Boa parte desse bom desenvolvimento e interação se deve aos ótimos diálogos que Fitton escreve para os dois Doutores, evitando ainda o lugar comum de estabelecer uma dinâmica conflituosa ou provocativa para a dupla ou ao menos de uma das partes, ao invés disso estabelecendo uma rápida relação de companheirismo, afinidade e respeito mútuo.
Claro, o bom texto de nada adiantaria se não tivéssemos o ótimo trabalho de voz de Tom Baker e David Tennant, que não só conhecem os seus personagens de cima á baixo, como constroem uma química deliciosa de se ouvir. E é impressionante constatar que Baker e Tennant de fato não gravaram suas linhas juntos como é de praxe na Big Finish, (este áudio foi gravado remotamente em 2020, no auge da pandemia) devido a qualidade do entrosamento que os atores constroem, mérito também da sempre confiável direção de Nicholas Briggs.
Tal como fez no especial Time-Crash, com o 5º Doutor de Peter Davison, David Tennant dá voz a um 10º Doutor inicialmente melancólico, mas que fica exultante em rever o seu antigo eu, agindo como um fã vibrante diante das táticas e maneirismos de sua quarta encarnação, e realmente podemos sentir o carinho do ator através do personagem quando ele exalta a contribuição do colega para o legado do programa. Já Tom Baker parece se divertir pra caramba, especialmente na metade inicial do áudio, onde ele inicialmente desconhece a identidade de seu novo amigo, apenas para deduzir rapidamente e continuar fingindo ignorância por mais um tempo. Fechando o elenco principal, Kathryn Drysdale confere o grau certo de vulnerabilidade e insegurança para a jovem Jora, funcionando bem como uma Companion de ocasião.
Out Of Time, no fim das contas é uma história simples, eficiente e muito divertida, que explora com competência as principais características do 4º e do 10º Doutor, sabendo combiná-las de modo a criar uma dinâmica que não só entretém, mas é significativa para os personagens. O trabalho de trilha sonora e sonoplastia da história também são dignos de nota, em um trabalho de direção inspirado de Nicholas Briggs. Em resumo, um áudio que faz jus ao encontro daquelas que são provavelmente as duas versões mais populares e reconhecidas do Doutor.
Doctor Who: Out Of Time – Reino Unido. 26 de Agosto de 2020
Direção: Nicholas Briggs
Roteiro: Matt Fitton
Elenco: David Tennant, Tom Baker, Nicholas Asbury, Kathryn Drysdale, Claire Rushbrook, Nicholas Briggs
Duração: 58 Minutos.