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Crítica | Doctor Who: Os Arautos Da Destruição (2016)

O Doutor volta a buscar a cidadania universal.

por Rafael Lima
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Equipe: 3º Doutor, Jo (+UNIT, Brigadeiro Lethbride Stewart, Capitão Yates, Sargento Benton)
Era UNIT: Ano 6
Espaço: Londres
Tempo: Anos 1970, 1868.

Desde que assumiu o licenciamento para publicar os quadrinhos de Doctor Who, a Titan Comics naturalmente se concentrou nos Doutores da Nova Série, com os cinco Doutores protagonistas tendo sido agraciados com séries mensais, inclusive com uma mensal do 15º Doutor de Ncuti Gatwa já a caminho. Ainda que não tenham ganho a mesma atenção, alguns dos Doutores da Série Clássica tiveram as suas próprias minisséries, como o 4º Doutor, com O Olhar Da Medusa; e o 3º Doutor com Os Arautos da Destruição, que é o objeto desta resenha. Na trama, situada entre os arcos The Three Doctors e Carnival of Monsters, a UNIT precisa enfrentar o que parece ser uma invasão de robôs alienígenas, enquanto são observados de longe pelo Mestre. A invasão ganha contornos dramáticos quando Jo Grant é infectada por um vírus nanotecnológico, e o 3º Doutor precisa correr contra o tempo para salvar a sua assistente. A situação fica ainda mais estranha quando um rosto que o Doutor conhece bem aparece na sede da UNIT.

Escrita por Paul Cornell, com desenhos de Christopher Jones, Os Arautos Da Destruição capta com perfeição o espírito da Era do 3º Doutor, ao trazer uma aventura Sci-Fi com fortes tintas de espionagem, ação frenética, e a dinâmica leve que caracterizou os anos da família UNIT. Cornell conhece bem os personagens da TV, reproduzindo as suas personalidades de forma competente, desde a doçura de Jo, passando pelo companheirismo ácido entre o Doutor e o Brigadeiro Lethbridge Stewart, até o sarcasmo aristocrático e condescendente do Mestre de Roger Delgado. Partindo do conhecido cenário da invasão de robôs alienígenas, o autor vai inserindo novas camadas narrativas, como o papel do Mestre na trama, e o súbito surgimento do 2º Doutor na sede da UNIT ao fim da primeira edição, que tornam a leitura instigante, nos fazendo querer virar as páginas para saber o que vai acontecer a seguir.

É divertido observar como o roteiro faz algumas escolhas criativas que aproximam a história de tramas espionagens, vide o Mestre transformando uma máscara que havia usado para se disfarçar em um paraquedas, no melhor estilo Gadget. Como em toda boa história de espionagem, inimigos e aliados nem sempre são o que parecem. Desde que surge na revista, o 2º Doutor parece deslocado na trama, e age de forma estranha. Isso, porque esse não é o 2º Doutor, e sim Salamander, o sósia maligno do Time Lord de Patrick Troughton visto em The Enemy of the World. Neste arco da TV, foi a primeira vez que a série flertou com a espionagem, algo que guiaria parte da Era UNIT, então é apropriado trazer Salamander de volta como adversário do 3º Doutor. Cornell propõe uma avaliação sobre como o Doutor vê Jo e os seus amigos da UNIT, agora que está livre do seu exílio. Quando o Doutor viaja para a mente de sua amiga para tentar curá-la do vírus, vemos Jo expor os seus temores de ele descartar a amizade deles ao voltar a viajar na TARDIS. Ao mesmo tempo, Cornell usa esse cenário para explorar o pertencimento que o 3º Doutor passou a sentir em relação a Terra e a UNIT, já que meses após o fim do exílio, ele ainda continua aqui.

A história sugere que o 3º Doutor se acomodou, uma das críticas que esta era da série muitas vezes recebeu. Ao longo da trama, o Doutor é constantemente referido como um britânico, e a verdade é que de todas as encarnações do personagem, poucas foram tão britânicas quanto a vivida por Jon Pertwee, dirigindo o seu carro por paisagens inglesas, bebendo chá, frequentando clubes de cavalheiros, e por aí vai. Pertwee e o Showrunner Barry Letts eram membros do partido conservador, e muitos apontam que nesse período, o programa transformou o Time Lord em um agente do Status Quo, tornando-o um agente institucionalizado, por mais que o personagem bradasse ser um agente livre. Pessoalmente, embora reconheça um viés conservador (mas não acrítico) nos anos em que Letts comandou a série, não compactuo totalmente com essa interpretação da Era UNIT, mas Cornell, em algum grau, parece concordar com tal visão, e encerra a história com o Doutor afirmando que é um cidadão do universo, e que é hora de voltar a agir como tal. O texto, entretanto, reconhece que o tempo de exílio do Doutor o mudou, com o protagonista vendo o nosso planeta não mais como uma prisão, mas como um lugar para voltar, o que acaba sendo formalizado com o Time Lord convidando Jo para se juntar a ele em suas viagens.

Embora eu tenha falado muito do texto de Paul Cornell, a arte de Christopher Jones é um fator bem importante para dar ao leitor a sensação de estar assistindo a um arco do 3º Doutor. O desenhista consegue retratar o rosto de atores como Jon Pertwee, Katy Manning, Nicholas Courtney, entre outros, com grande fidelidade, ao mesmo tempo em que entrega uma arte cinética que faz jus as sequências de ação propostas pelo roteiro. Também é digno de nota a forma como Jones tenta respeitar os efeitos especiais da época, vide os quadros que abrem a última edição mostrando a viagem no tempo feita pela máquina de Salamander, que reproduzem os efeitos de distorção de tela muito usado na série nos anos 70. O trabalho de coloração da revista também merece elogios, por manter um padrão de cores mais simples, que dá um ar retrô para a arte, mas que se permite adotar uma coloração mais chamativa nas passagens mais oníricas, como as cenas situadas dentro da mente de Jo, que surge como uma verdadeira Woodstock.

Os Arautos Da Destruição é uma divertida homenagem da Titan Comics para a era do 3º Doutor. Ainda que em sua edição final, a história de Paul Cornell perca um pouco da força quando move a trama para o século XIX tornando o plano de Salamander mais bobo do que precisava. Mas isso é um pecadilho em uma minissérie que consegue celebrar a era da família UNIT, ao mesmo tempo que parece refletir sobre a singularidade de seu formato dentro da história da série, ao apontar o principal arco dramático do Time Lord de Jon Pertwee. Por fim, a competente arte de Christopher Jones, que dá personalidade a cada trecho da revista, completam o pacote, que se revela uma ótima investida da Titan Comics na Era Clássica de Doctor Who.

Doctor Who: Os Arautos Da Destruição (The Heralds of Destruction) — Estados Unidos, Reino Unido, 2016
Roteiro: Paul Cornell
Arte: Christopher Jones
Editora: Titan Comics
112 Páginas.

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