Equipe: 4º Doutor, Leela
Espaço: Planeta Desconhecido
Tempo: Desconhecido
Embora tenha escrito pouco para Doctor Who, a contribuição de Chris Boucher rendeu alguns dos arcos mais populares da era do 4º Doutor. Logo, eu estava interessado em ver o trabalho do autor para o universo expandido. Mas O Último Homem Correndo acaba expondo uma série de problemas que indicam que Chris Boucher é muito melhor como roteirista do que como romancista. Na trama, a TARDIS chega a um planeta aparentemente tranquilo e deserto, onde o 4º Doutor pretende descansar um pouco. Mas quase tudo nesse mundo aparentemente calmo parece ter evoluído para se tornar predatório, o que torna as habilidades de sobrevivência da companheira do Doutor, Leela, a melhor chance de a dupla sair viva desse lugar. Quando um esquadrão de cientistas militares chega ao planeta, o Time Lord passa a acreditar que não há nada de natural na situação daquele lugar e que alguém fez daquele mundo uma armadilha mortal.
Boucher traz um thriller de sobrevivência, tendo como fundo uma selva com segredos sombrios, que lembra a de The Face Of Evil, mas sem o mesmo cuidado na construção de sua mitologia. Boucher quer desenvolver sua narrativa na ação, o que funciona bem nas sequências de luta e perseguição, mas não tão bem no desenvolvimento da trama e de seus personagens, com exceção de Leela, mas já chegaremos a isso. Um problema do romance é não haver um elenco de personagens distinto para que o leitor crie conexões com eles sem ter que fazer força para lembrar quem é quem. Os membros do esquadrão militar até possuem os seus dramas, mas são tão genéricos, que não há como o leitor investir em seus conflitos. A construção fraca dos coadjuvantes respinga na formação da mitologia que o autor apresenta, de modo que toda a preocupação dos personagens sobre o regime tirânico em que vivem e as próprias motivações dos vilões, que se conectam com essa mitologia, soam fracas. Dito isso, o livro tem trechos criativos na construção do ambiente da mata e de como parte da fauna e flora do lugar se tornou predatória. O romancista lida bem com as passagens de ação da obra, entregando uma prosa imagética que nunca permite que o leitor se perca em meio aos combates e perseguições descritos.
Mas apesar dos problemas, em uma coisa, Boucher acerta, que é no arco dramático de Leela, e em como desenvolve a relação dela com o Doutor. Ao situar a trama entre os arcos The Robots Of Death e The Talons of Weng Chiang, Boucher explora o começo da relação da dupla, apontando fatos pouco explorados na TV, como Leela não ter sido exatamente escolhida pelo Doutor para se tornar uma companheira, além de ela estar longe do perfil comum de Companion, principalmente por não ver grandes problemas em apunhalar os seus inimigos até a morte. Há uma crítica interessante que o autor tenta fazer na relação entre o Time Lord e a guerreira, afinal, parte da jornada dos dois girou em torno do processo de educação da jovem, onde ela descobrir o valor da ciência, aprendeu a ler e escrever, e descobriu que nem todos os problemas são resolvidos em uma briga de faca. Aqui, Leela lembra ao seu tutor que, embora ele seja um sábio que tem muito a ensinar a ela, a cultura dela também tem o seu valor e utilidade, e que, por isso, ela não deveria ser tratada com a condescendência com que ele muitas vezes a trata. É um ponto interessante, embora eu ache que, em nome desse comentário, o livro acaba perdendo um pouco a mão em sua caracterização do 4º Doutor. Não que a encarnação de Tom Baker não fosse um pouco ácida em muitos momentos, mas há pontos aqui que fazem parecer que ele não gosta muito da companhia de sua companheira, soando fora do personagem.
Mas se a caracterização do Doutor tropeça aqui e ali, a de Leela é simplesmente perfeita. O Último Homem Correndo é mais centrado em Leela do que no Doutor, afinal, a jovem está em seu elemento, onde suas habilidades de caça são valiosas. Embora a perícia de Leela em sobrevivência seja um elemento importante da identidade dela, Boucher defende que ela não se limita a isso, possuindo uma esperteza e senso de honra que a torna mais do que uma selvagem que pode ser usada como arma, como o vilão da trama planeja. Ao fim de O Último Homem Correndo, fica-se com a impressão de que Chris Boucher criou uma boa história, mas que a maior parte dos personagens não se sustenta no formato literário, como se precisassem de atores para se sentirem definidos, o que indica alguém que é um roteirista melhor do que romancista. Mas apesar das várias fraquezas da obra, deve-se dizer que o autor lida bem com as sequências de ação que praticamente guiam a narrativa, e o trabalho de desenvolvimento de Leela é excelente, ainda que para isso, precise tirar o 4º Doutor do personagem em alguns momentos. Não é uma leitura descartável, mas soa decepcionante vindo de um nome que entregou ótimos arcos na TV.
Doctor Who: O Último Homem Correndo (The Last Man Running). Reino Unido. 7 de Setembro de 1998
Autor: Chris Boucher
BBC Past Doctor Adventures #15
Publicação: BBC Books
288 Páginas