Equipe: 13ª Doutora, Graham, Yaz, Ryan
Espaço: Londres, Suíça, Grécia
Tempo: 2028
Após entregar o divertido O Segredo Do Cofre 13, o autor David Solomons volta a escrever para a 13ª Doutora em mais um romance da linha BBC Children’s Books, braço da BBC Books voltada para um público mais jovem. Assim como em seu primeiro trabalho para Doctor Who, Solomons constrói em O Labirinto Da Perdição uma homenagem a um período muito específico da série. Mas se no livro anterior, o autor parecia pagar tributo ao Sci-Fi surrealista que marcou os trabalhos de Douglas Adams e Graham Williams na série, neste romance, Solomons se inclina para o pastiche das histórias de espionagem, que foram especialmente proeminentes na era do 3º Doutor, quando Barry Letts e Terrance Dicks estavam no comado do Show.
Na trama, situada entre Resolution e Spyfall, e passada após O Segredo Do Cofre 13, a Doutora descobre que o sinal de socorro que a TARDIS captou no fim da história anterior vem do interior da própria nave. Ao examinar um estranho aparelho encontrado nas roupas de sua quarta encarnação, a Time Lady causa um acidente que fere o seu companheiro Ryan, e conecta a TARDIS a um segundo sinal, que leva a tripulação para a Londres de 2028. Ao perceber que o ferimento de Ryan pode ser mais grave do que parece, a Doutora percebe que a única forma de salvar o rapaz é descobrir o segredo em torno do misterioso sinal, o que a coloca em rota de colisão com um poderoso bilionário que busca uma tecnologia alienígena que remonta a Grécia antiga e ao mito do Minotauro.
O Labirinto Da Perdição entrega um divertido pastiche de tramas de espionagem, fortemente orientado pela ação. O livro é cheio de elementos típicos do gênero, como o vilão bilionário excêntrico, a mulher fatal, ou as viagens internacionais. Era fácil a obra virar uma mera sucessão de clichês, mas felizmente, o autor é inteligente para brincar com esses tropos, não só articulando-os com elementos sci-fi e com a mitologia do show, mas usando esses elementos a favor dos personagens, como, por exemplo, colocar Graham, um motorista de ônibus aposentado, na direção do veículo durante uma perseguição em alta velocidade, ou colocar Ryan em conflito com a sedutora Penelope, usando o arquétipo da mulher fatal para desenvolver a persona mais tímida do jovem.
O livro tem uma narrativa ágil, com os acontecimentos se sucedendo em um ótimo ritmo. Em determinado momento, os personagens estão em uma festa de gala; no momento seguinte, estão correndo pelo subterrâneo de Londres tentando impedir que uma bomba ambulante exploda; e assim por diante. Solomons tem total controle sobre a narrativa, nunca passando a impressão de que a trama está apressada. Vale destacar ainda a forma com que O Labirinto Da Perdição lida com as suas apostas dramáticas, criando um deadline em torno da saúde de Ryan e ligando-o a uma ameaça global que cria tensões interessantes no time da TARDIS, especialmente entre Graham e a Doutora.
É preciso elogiar a unidade temática que o autor dá para a obra na maioria dos conjuntos que estabelece. Embora o livro seja uma homenagem às histórias de espionagem, representadas na série especialmente pela era do 3º Doutor, o autor tem claro amor pela era do 4º Doutor, ao não só colocar o aparelho que dá início a trama nas roupas da encarnação de Tom Baker, mas basear parte da história na mitologia apresentada no arco The Horns Of Nimon, protagonizado pelo Doutor de Baker. A ideia de labirintos surge diversas vezes ao longo da obra em diferentes contextos e perspectivas, desde o prólogo na Grécia antiga, que narra a origem do mito do labirinto do Minotauro, passando pela busca nos corredores da TARDIS pelo sinal de socorro, a batalha com um robô Minotauro nos túneis do metrô londrino, entre outras situações, sempre evocando de alguma forma a figura do labirinto. Felizmente, a recorrência do tema nunca soa maçante ou repetitiva.
O elenco principal está muito bem representado. A Doutora, por exemplo, tem toda a energia e o otimismo que Jodie Whitaker concedeu à personagem transposto com competência para as páginas ao mesmo tempo em que a faceta mais pragmática da Time Lady que podia ser percebida na TV, mas raramente era explorada a contento, ganha foco. Os Companions também tem uma participação interessante no romance, especialmente Ryan e Graham, com a relação entre neto e avô se tornando o coração dramático da obra. O livro também traz antagonistas carismáticos nas figuras dos irmãos Panos e Penelope Polichroniadis, que conseguem ir além dos arquétipos que representam, tendo boas motivações, e até alguns paralelos inteligentes com o time da TARDIS.
Com O Labirinto Da Perdição, David Solomons entrega um livro engajante, que mesmo possuindo um ritmo acelerado, devido a baixa contagem de palavras e as ótimas ilustrações de George Ermos, nunca soa apressado ou mal desenvolvido. Confesso que senti um pouco de falta do humor mais ácido que o autor apresentou em O Segredo Do Cofre 13, mas entendo que a proposta de ação mais intensa desse livro não deixava tanto espaço para esse tipo de humor. Em resumo, é uma boa leitura de fim de semana, que entrega o que promete com muita competência, me deixando curioso sobre quais outros aspectos da série o autor iria querer explorar caso resolva visitar esse universo uma terceira vez.
Doctor Who: O Labirinto Da Perdição (The Maze Of Doom) – 30 de Abril de 2020
Autor: David Solomons
Ilustrações: George Ermos
Publicação: BBC Children’s Books
288 Páginas