Equipe: 2º Doutor, Jamie, Victoria
Espaço: Planeta Darkheart
Tempo: 3375
Entre os grandes vilões de Doctor Who, o Mestre é com certeza o com o passado mais enigmático. Mesmo a origem da rivalidade entre o vilão e o Doutor é nebulosa, já que quando o Mestre faz a sua estreia, ele e o protagonista já são inimigos. Há versões contraditórias sobre quando a amizade deles se transformou em uma rivalidade mortal, e é uma dessas versões que David A. McIntee nos apresenta em O Caminho Sombrio, trazendo uma trama sobre a origem do Mestre, situada na era do 2º Doutor. Na trama, situada entre The Web Of Fear e Fury From The Deep, a TARDIS chega a Darkheart, um mundo-colônia do império da Terra, que há anos perdeu o contato com a Terra. Mas o 2º Doutor, Jamie, e Victoria não são os únicos visitantes. Uma nave da Terra, que deixou de ser um império para fazer parte de uma federação, chega para repatriar os colonos, e entre a equipe da federação há um Time Lord disfarçado chamado Koschei, que junto de sua companheira Ailla, investiga o sumiço de uma nave da raça Veltrochni, acreditando que os colonos escondem segredos perigosos. Enquanto as tensões entre colonos e confederados aumentam, as investigações do Doutor e de Koschei os levam a descobrir um grande perigo não só para a federação, mas para o próprio tempo.
Em O Caminho Sombrio, McIntee entrega um sci-fi com fortes tintas políticas, ao mesmo tempo em que conta a história de como Koschei se tornou o Mestre. Sendo uma trama de origem, ele opta pela encarnação original de Roger Delgado, para ser o Mestre do livro. A obra traduz bem a persona construída por Delgado nas telas, desde a ironia fina do vilão até a sua irritada condescendência com quem julga ser inferior. Levando em conta que Koschei ainda não é o Mestre, o autor mergulha fundo nos paralelismos entre o Doutor e o vilão, indicando que um poderia se tornar o outro. Quando encontramos Koschei, ele está vivendo uma vida parecida com a do Doutor, como um renegado que viaja com a sua companheira combatendo o mal pelos cantos do universo. O que o atrai para Darkheart não é desejo de poder, e sim o temor de que há algo perigoso naquele lugar. Koschei ainda possui métodos mais extremos e questionáveis que os do Doutor, mas no começo, está longe de ser a força do caos e da destruição que os fãs conhecem.
Mas nem tudo nessa origem é bem executado. A relação entre o Doutor e o Mestre é pouco explorada, pois os Time Lords dividem poucas cenas. De fato, o Doutor passa parte da obra fugindo de seu amigo, por achar que ele está a serviço de seu povo, para prendê-lo. A transformação de Koschei no Mestre, embora parta de boas bases, soa apressada, a partir de certo ponto. Aquilo que coloca Koschei num caminho sombrio é a tentativa de salvar a sua companheira (uma boa ideia, que até joga com os paralelismos com o Doutor). Os elementos para o arco de queda moral estão todos lá, desde a sensação de poder que o vilão sente ao causar a destruição de um planeta, até a traição que ele sofre ao descobrir que a sua motivação era baseada em uma mentira, mas esses elementos não são muito bem articulados. A verdade é que, por mais que o personagem passe por eventos que pavimentam o seu caminho para o mal, a obra não torna natural que o Koschei apresentado aqui se transforme no Mestre que vemos na era do 3º Doutor.
Nos afastando da origem do Mestre, O Caminho Sombrio ainda é uma ótima história Sci-Fi, envolta em um atual comentário sociopolítico. É revelado que, devido a circunstâncias especiais, os colonos não envelhecem e nem se reproduzem, sendo uma geração parada no tempo. Logo, os governantes da colônia não ficam contentes com mudanças como a Terra, deixando de ser um império que explora o espaço para se tornar parte de uma federação que faz parcerias com outras espécies e até confraterniza com antigos rivais. Um dos principais líderes da colônia vê essas mudanças como a decadência da Terra, e passa a traçar planos para restaurar o império à sua antiga glória. O autor sugere fortemente que muitos movimentos radicais usam de sentimentos de saudosismo e ideias de um passado idealizado para disseminar discursos racistas e xenófobos.
O time da TARDIS está bem retratado, mas, embora o Doutor e Jamie tenham os seus momentos, quem se destaca é Victoria. O autor prepara a saída da Companion em Fury From The Deep, ao mostrar a moça cada vez mais cansada dos perigos que enfrenta em suas viagens e aflita sobre como esses perigos a estão mudando. Em certo ponto, ela cai sob o poder hipnótico do Mestre, quando ele a tenta com a possibilidade de exterminar os Daleks e salvar o seu pai. O que assusta a jovem é perceber que nunca viveu o luto de forma apropriada, já que a morte se tornou uma constante em sua vida, nunca dando o tempo que ela precisava para lamentar as perdas que testemunhou. O triste é que, embora seja claro que o Doutor e Jamie amem muito Victoria, eles estão completamente adaptados à vida que levam, portanto, mal percebem a angústia da companheira.
Em termos de construção de mundo, McIntee faz um trabalho competente, mas que também não se destaca. A escrita do autor realmente brilha quando ele se dedica ao trabalho com os personagens, como já citado em seu trabalho com Koschei e Victoria. Mas vale destacar alguns dos personagens originais do romance, como Vernon Terrell, um dos líderes da colônia, que surge como um antagonista odioso, mas com camadas, já que o seu ódio xenofóbico e paranoico profundo só é comparável à dedicação e amor genuíno que ele tem por sua colônia. Terrell está longe de ser um vilão simpático, mas também não é uma mera caricatura de maldade, o que funciona para os objetivos da obra. Outra personagem que merece destaque é Ailla, a companheira de Koschei, que em primeira instância é construída sob o arquétipo da Companion, mas com algumas subversões interessantes. Afinal, se Koschei é apresentado por boa parte da história como uma versão mais cínica do Doutor, Ailla também surge como uma versão mais cínica do que se espera de um Companion. Sua relação com Koschei é curiosa não só pelo respeito que eles têm um pelo outro, mas por sugerir que Ailla está apaixonada pelo futuro Mestre, embora talvez não do jeito convencional. Esse sentimento é o que torna a revelação no meio da obra um pouco mais coerente. Mesmo assim, há um problema frequente nos trabalhos de McIntee. O autor costuma acelerar o ritmo nas conclusões de suas tramas, não deixando tempo para os personagens e conflitos respirarem e chegarem a desfechos satisfatórios. Isso ocorre novamente nesse trabalho, afetando personagens como Ailla, por exemplo, que precisava de uma conclusão mais elaborada e menos jogada.
O Caminho Sombrio é uma ficção científica engajante, com conceitos inteligentes e trabalho sólido de personagem. Por outro lado, ao se desafiar a escrever uma história de origem para um vilão que se beneficia de ter um passado nebuloso, o autor parece ficar no meio do caminho nessa ousadia. Se, por um lado, dá insights interessantes da mente do Mestre, por outro, parece fugir de alguns dos pontos mais interessantes que uma trama como essa poderia proporcionar, como uma exploração maior da amizade entre o Mestre e o Doutor. Se alguém quiser um livro mais forte de David A. McIntee sobre o Mestre, eu recomendaria A Face Do Inimigo, da linha Past Doctor Adventures. Apesar de tropeçar em seu principal ponto de interesse, que é a tal história de origem do Mestre, O Caminho Sombrio ainda é uma leitura divertida, com algumas coisas a dizer sobre os seus personagens e os perigos da idealização do passado.
Doctor Who: O Caminho Sombrio (The Dark Path) – Reino Unido, 20 de Marco de 1997
Virgin Missing Adventures #32
Publicação Original: Virgin Books
Autor: David A. McIntee
295 Páginas