Equipe: 10º Doutor, Rose, Mickey
Espaço: Londres
Tempo: 2007
O luto é um sentimento necessário quando perdemos alguém importante, e não se permitir senti-lo é destrutivo. Por outro lado, o luto é um sentimento tão complexo que permanecer travado nele, ou vivê-lo de maneira não saudável pode também ser prejudicial. É um tema rico, e que já foi abordado nos livros de Doctor Who antes no ótimo Império Da Morte de David Bishop. Embora não trate essa discussão com a profundidade de Bishop, Stephen Cole consegue trabalhá-la de forma muito interessante em uma atmosférica história de ação e terror com seu romance O Banquete Dos Afogados. Na trama, situada entre Tooth And Claw e School Reunion, o 10º Doutor leva Rose de volta a Londres para que ela visite a amiga Keisha, que recentemente perdeu o irmão Jay em um naufrágio da Marinha. Mas logo, Keisha e Rose passam a ser assombradas pelo que parece ser o fantasma de Jay, implorando que elas o salvem antes do Banquete Dos Afogados. Quando outros entes queridos das vítimas do naufrágio também começam a ver aparições dos naufragados, o Doutor resolve investigar os restos da embarcação, mantidos sob forte vigilância pelo governo em um porto da cidade, acreditando que lá está a chave do mistério. A situação logo ganha contornos catastróficos, enquanto a influência dos fantasmas sobre os seus entes queridos cresce, e a hora do banquete se aproxima.
O Banquete Dos Afogados parte de uma situação triste, mas mundana, que é a visita de pêsames de Rose a Keisha. Excetuando o prólogo com o naufrágio, o início da história se esforça para estabelecer um tom de melancólica normalidade para a trama. Rose consola a amiga em lágrimas, enquanto relembram o irmão da moça, em uma conversa que logo coloca o passado e o presente da amizade das duas em perspectiva. Essa passagem inicial expande o mundo mundano de Rose, explorando as suas relações além da mãe e do namorado, ao mesmo tempo em que expõe o impacto que a súbita ausência da companion teve na vida de seus amigos a partir do momento em que ela começou a viajar na TARDIS. Podemos dizer que o romance se divide em três tons distintos. O livro flerta com o thriller de conspiração, explorando o envolvimento da marinha, mas também se afilia ao terror através das aparições fantasmagóricas, com descrições arrepiantes de fantasmas ensopados, enquanto a própria água desempenha um papel nesse clima horrorífico, antecipando elementos que seriam vistos na série em episódios como The Waters Of Mars. Por fim, há elementos de drama mais íntimo centrados principalmente em Keisha, e em sua relação com a família, com Rose, e com Mickey, que é recrutado pelo time da TARDIS para ajudar. Nesses trechos, o livro abraça uma aura novelesca, que pode desagradar quem quer um sci-fi de ação mais direto, mas que combina com o arco de Rose. Brincar com todos esses gêneros poderia render um livro desconexo, mas Cole constrói a narrativa de forma coesa, tornando todos esses tons complementares.
O Banquete Dos Afogados se esforça para criar uma narrativa que embora seja frenética, constrói uma atmosfera sufocante e claustrofóbica que se mantém até o fim da leitura. E é particularmente efetivo como o escritor usa o ambiente da história, descrevendo Londres como uma cidade cinzenta, onde uma tempestade pode desabar a qualquer momento, o que tem tudo a ver com o clima lúgubre que o livro persegue. Há também um bom controle do crescendo dramático da obra, iniciando o livro de uma perspectiva mais íntima, para então ampliá-la para uma ameaça maior, com cada vez mais pessoas caindo sob a influência das aparições e pulando no Rio Tâmisa, o que não apenas gera passagens bem impactantes, mas torna os vilões da obra mais poderosos e ameaçadores. O Banquete Dos Afogados faz um comentário sobre a natureza do luto, e em como ele pode ser paralisante e destrutivo se não for vívido de forma saudável. O autor, de fato, retrata esse luto destrutivo de forma quase infecciosa, já que a medida em que mais pessoas se entregam a influência das aparições e pulam no rio para salvá-las do banquete, outros mais se juntam, atraídos pelo primeiro grupo que pulou, e assim sucessivamente. Devido ao tom frenético, Cole nunca se aprofunda muito nas discussões que propõe na dinâmica da ação, ainda que trabalhe com ideias interessantes, vide a forma como Keisha reagiu ao desaparecimento de Rose, sendo uma das responsáveis por Mickey ser acusado pelo sumiço da namorada, sinalizando a forma errática como a jovem lida com o luto.
Cole capta bem os regulares da série, vide a forma como descreve a aura jovial e charmosa do 10º Doutor, mas sem se esquecer do lado mais perigoso do personagem, vide a reação do Time Lord ao descobrir como os vilões da obra tem manipulado o luto alheio para o seu benefício. Rose é igualmente bem escrita, tendo um arco dramático que explora como as suas viagens a mudaram para melhor em certo aspecto, mas por outro, a alienaram um pouco das pessoas que eram próximas a ela, o que é uma escolha interessante do autor, pois embora esse processo fosse evidente na série, nunca foi reconhecido tão frontalmente quanto aqui. Mickey também possui uma participação interessante, estando no centro dos aspectos mais novelescos da obra, mas também sendo o grande alívio cômico do romance. Entre os personagens originais, podemos destacar Vida Swan, a cética cientista da marinha, que desenvolve uma amizade muito divertida com o Doutor, cheia de provocações e trocas cínicas, além é claro, de Keisha, que em muitos sentidos é a grande figura dramática do romance. Keisha, de fato, é aquele tipo de personagem que pode até irritar o leitor em muitos momentos devido a algumas de suas atitudes, mas que ainda assim acaba sendo bastante complexa e bem escrita justamente devido a algumas de suas contradições e aspectos mais humanos, para o bem ou para o mal.
O Banquete Dos Afogados é um livro competente naquilo que se propõe, entregando uma aventura de ficção científica de horror e ação, que ainda consegue articular em sua mistura elementos de melodrama e thriller conspiratório. O romance de Stephen Cole se destaca principalmente por seu excelente ritmo e compreensão de seus personagens, mantendo o leitor preso em sua narrativa até o desfecho. Talvez a obra poderia ter se beneficiado de um aprofundamento um pouco maior em seus temas de luto e de inevitabilidade da mudança, mas ainda assim, é uma leitura envolvente e atmosférica, que traz as melhores características das aventuras do 10º Doutor e Rose da TV para as páginas.
Doctor Who: O Banquete Dos Afogados (The Feast Of The Drowned) – Reino Unido. 13 de Abril de 2006
Autora: Stephen Cole
BBC New Series Adventures #8
Publicação: BBC Books
251 páginas