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Crítica | Doctor Who: Nightshade, de Mark Gatiss

por Luiz Santiago
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Equipe: 7º Doutor, Ace
Espaço: Vila Crook Marsham, Inglaterra
Tempo: 1968

Escrito por Mark Gatiss, muito antes de sua participação em alguns roteiros da New Who, Nightshade (1992) representa um momento delicado na relação entre Ace e o Doutor. Os acontecimentos do final do livro irão pesar bastante para a futura decisão de deixar o Senhor do Tempo, especialmente pelo extremo nível de manipulação a que o Time Lord chega, mesmo que isso seja explicado posteriormente, ao londo de outras aventuras, pela infecção da TARDIS em Cama de Gato: A Marca da Bruxa, livro de Andrew Hunt lançado dois meses antes de Nightshade.

A chegada do 7º Doutor e sua companheira à Vila Crook Marsham, na Inglaterra, tem bem menos a ver com alguma imediata intervenção ou tentativa de salvar o mundo do que parece. O Doutor está com muito medo de interferir em problemas que encontra pelo caminho, muito pela observação de seu comportamento dominador e manipulador, por isso resolve apenas levar Ace para um lugar onde possam descansar um pouco, o que sabemos que não acontece muito frequentemente para eles.

Gatiss consegue criar com bastante facilidade a atmosfera de interações na Vila e nos familiarizar com o espaço de maneira bastante rápida. Nós conhecemos o personagem “Professor Nightshade” e sua série de mesmo nome (criações fictícias de Gatiss, homenageando as famosas séries britânicas com o título Quatermass), os lamentos atuais do ator Edmund Trevithick, que interpretava o protagonista de Nightshade e hoje, esquecido, vê com certa amargura a BBC reexibindo seu sucesso televisivo dos anos 50. Já nesse ponto se destaca certa tendência ao terror e uma presença de “estranhas criaturas”, inicialmente apenas como uma sugestão vinda de mitos, fofocas de uma vila e “produto de mentalidade de velhos” seguindo pelo enfrentamento direto, parte que corresponde ao momento mais fraco da obra.

Existem muitos ecos de An Unearthly ChildThe Daleks espelhados no ambiente e no personagem Edmund, que me pareceu ser uma versão não gallifreyana do 1º Doutor. Essa presença é ainda mais forte quando o 7º Doutor admite “pensar bastante em Susan recentemente” e em dado momento do enredo, usar como motor de lembrança o seu belíssimo e clássico discurso de despedida para a neta, em The Dalek Invasion of Earth. Essa nostalgia e as referências aos primeiros momentos da Série Clássica são muito bem trabalhados pelo autor, à medida que cria uma birra do 7º Doutor em relação ao lugar, que aparentemente está forçando sua interferência na História. Ele fala inclusive em aposentadoria, e esse tema, assim a consideração de Ace em deixar o Doutor, permanecem até o desfecho.

É possível aproveitar com bastante graça a escrita do Doutor de Sylvester McCoy bem como da companion interpretada por Sophie Aldred. Ambas as figuras possuem força e não são colocadas como livres de problemas, erros ou atitudes que nos fazem ter vergonha ou um pouco de raiva. Mesmo em relação ao Doutor, Gatiss não deixa de explorar dúvidas e covardia, mesmo o Doutor não sendo um personagem covarde. Em alguns momentos, porém, sua posição diante dos problemas e a forma de interpretar o desejo dos que estão à sua volta acabam gerando dor e descontentamento, algo que o Time Lord às vezes nem percebe.

O romance entre Robin e Ace é outro excelente ponto do texto, infelizmente entrecortado pelo enfrentamento dos vilões The Sentience. A descrição e ações de Robin são de grande simpatia e nós realmente lamentamos que o jogo manipulativo do Doutor tenha impedido Ace de ficar na Terra ao lado do rapaz. Como se vê, apesar de se passar em uma vila e ter várias linhas de ação ou presenças de coadjuvantes, o livro é bastante centrado nas relações da dupla de viajantes, sempre circulando em torno de decisões, forças e fraquezas de ambos.

Infelizmente, a obra recebe uma abordagem bastante ordinária na revelação dos Sentience, o que acaba atrapalhando as resoluções do final do livro, tanto na bela e emocionante despedida (que não será uma despedida) entre Senhor do Tempo e companheira, quanto no diálogo que fará com que Ace “mude de ideia”. No todo, o volume é muito bom, mas seria ainda melhor se a aparição definitiva dos vilões, o contato do Doutor com eles e a “perseguição” que se segue tivessem sido colocados em contextos menos isolados e mais ligados aos personagens, não apenas como um bloco e terror gótico.

Mesmo com os problemas em relação aos vilões, a enorme nostalgia da história e os muitos elementos de metalinguagem fazem de Nightshade uma grande obra e um dos livros mais interessantes para marcar o esgotamento das relações entre o 7º Doutor e Ace.

Doctor Who: Nightshade (Reino Unido, 20 de agosto de 1992)
Autor: Mark Gatiss
Publicação: Virgin New Adventures #8
231 páginas

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