Mencionada pela primeira vez em The Doctor Dances, a Villengard Corporation, maior fabricante de armas da galáxia no século 51, retorna com mais atenção e complexidade nesta fase de Doctor Who. Isso fica evidente tanto em Boom quanto no presente Especial de Natal da série (2024), ambientado parcialmente no Time Hotel, em Londres, no ano de 4202. Escrito por Steven Moffat, o episódio é uma ágil aventura que explora a conexão do Doutor com duas possíveis companheiras, após seu afastamento temporário de Ruby. É um daqueles episódios que recolocam o Senhor do Tempo no mundo, permitindo-lhe interagir com novas pessoas e genuinamente buscar alguém que possa, eventualmente, acompanhá-lo na TARDIS.
O roteiro nos transporta por diferentes lugares e tempos, reforçando a característica marcante da temporalidade no texto de Moffat. Há sempre um misto de alegria e suspense que permeia os capítulos natalinos escritos por ele, como sabemos, e este aqui não é diferente. A produção, beneficiada pelo novo orçamento generoso, oferece uma direção de arte fascinante, especialmente na concepção do Hotel do Tempo (pensei o tempo inteiro nas portas da família Madrigal, em Encanto). A ambientação do hotel — desde o desenho de produção das portas e suas conexões até os interiores onde os encontros ocorrem — é primorosa. Também merece destaque a direção de fotografia, que contribui para o clima de tranquilidade e alegria que permeia o episódio, seja pela imponente árvore de Natal ou pela paleta de cores cuidadosamente escolhida.
As conexões iniciais do episódio me agradaram demais. A apresentação de Joy, vivida pela fofíssima Nicola Coughlan, equilibra humor e charme; enquanto a introdução do Doutor é envolta em mistério, intrigando o público. Moffat opta por uma abordagem mais leve na apresentação de ambientes, personagens e conflitos, mantendo o mistério em torno da mala até momentos avançados do episódio, sem comprometer a diversão ou a coerência narrativa. No entanto, nem tudo se mantém em equilíbrio. Anita, interpretada por Steph de Whalley, é uma personagem que desafia a credulidade. Embora seja compreensível aceitar certas licenças poéticas em um conto de Natal, a postura quase indiferente de Anita em relação ao Doutor e aos eventos extraordinários ao seu redor é profundamente frustrante. Nada na realidade apresentada para a personagem, em sua jornada ou em indícios emocionais justifica sua aceitação plena e despreocupada diante de algo tão fora do comum. Apesar disso, a interpretação de Whalley é tão calorosa e charmosa, que é difícil não simpatizar com Anita. Ainda assim, a falta de reação crível para as “estranhezas” ao seu redor traz uma parcela de irritação para o espectador.
Por outro lado, Nicola Coughlan entrega uma interpretação encantadora, com uma construção de personagem bem desenvolvida e alinhada ao tom do episódio — não digo que funciona o tempo todo, mas, no geral, completa bem o seu ciclo. Embora o excesso de entrelinhas em relação à Villengard Corporation e sua tentativa de “criar uma estrela” possa parecer desnecessário, esses elementos não comprometem a melhor parte da diversão nem prejudicam o desfecho de Joy to the World. O clímax do episódio é, sem dúvida, um dos mais belos entre os Especiais de Natal de Doctor Who. A estrela — literal e simbólica — representa um momento de verdadeira transformação para todos, algo maior e mais significativo do que qualquer artimanha corporativa. Como Joy afirma, em seus últimos momentos, a luz encarna algo profundo e transcendente. Esse tom dramático de múltiplos sentidos encerra o episódio com uma revelação tão significativa (e inesperada)… que me levou às lágrimas.
Doctor Who: Joy Para o Mundo (Joy to the World) — Reino Unido, 25 de dezembro de 2024
Direção: Alex Sanjiv Pillai
Roteiro: Steven Moffat
Elenco: Ncuti Gatwa, Nicola Coughlan, Millie Gibson, Joel Fry, Steph de Whalley, Jonathan Aris, Peter Benedict, Niamh Marie Smith, Phil Baxter, Samuel Sherpa-Moore, Ruchi Rai, Joshua Leese, Ell Potter, Liam Prince-Donnelly, Fiona Marr
Duração: 45 minutos