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Crítica | Doctor Who: A Tensão Desviante, de Justin Richards

por Rafael Lima
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Equipe: 9º Doutor, Rose, Capitão Jack
Espaço: Novrosk, Rússia
Tempo: 2005

Acredito que eu possa afirmar com tranquilidade, que o Capitão Jack Harkness, interpretado por John Barrowman na TV, é um dos companions mais populares criados na Nova Série de Doctor Who. Curiosamente, embora tenha ganhado o seu próprio spin-off e tenha retornado mais de uma vez ao programa após a sua saída oficial ao fim da 1ª Temporada, vimos muito pouco do Capitão Jack como companion de fato. Basta lembrar, que ele foi apresentado em The Empty Child/The Doctor Dances, teve uma participação reduzida em Boom Town, e deixou o time da TARDIS logo em seguida na finale Bad Wolf/The Parting of the ways. Sendo assim, é muito coerente que A Tensão Desviantede Justin Richards, primeiro livro da linha New Series Adventures a trazer o Capitão Jack no time da TARDIS, dê um papel proeminente ao antigo Agente do Tempo.

Na trama, atendendo a um pedido de socorro, o time da TARDIS materializa-se próximo ao vilarejo de Novrosk, na Sibéria, onde o 9º Doutor, Rose e Jack se deparam com uma comunidade carente, abandonada pelo próprio governo. Ao mesmo tempo em que um pequeno grupo das forças especiais russas chega ao vilarejo para investigar um estranho pico de energia, uma série de mortes misteriosas começam a ocorrer. O Doutor e seus companheiros precisam descobrir quem ou o quê tem atacado os habitantes de Novrosk, deixando os seus corpos como cascas ressequidas; e qual a relação desses ataques com o pedido de socorro que captaram.

Com A Tensão Desviante, Justin Richards constrói um ágil thriller de ação, com algumas doses generosas de terror (especialmente em sua metade inicial). O autor — que em 2005 parecia estar vivendo algum tipo de flerte com a cultura russa, já que seu livro anterior, O Homem do Tique-Taque também trazia aspectos históricos do país em seu enredo) utiliza-se muito bem das cicatrizes que a Guerra Fria e a corrida nuclear deixaram na Rússia para criar a atmosfera da obra. Além disso, o autor constrói uma ambientação excelente ao descrever Novrosk como um local desesperançoso e claustrofóbico, com o uso de cenários extremamente evocativos, como o porto repleto de submarinos nucleares desativados, a fria aldeia coberta de neve e o velho e sucateado laboratório militar, para criar a sensação de isolamento.

A metade inicial da obra, onde temos a separação do time da TARDIS em três núcleos distintos, desenvolve de forma competente os mistérios da trama e os conflitos dos personagens, ao mesmo tempo em que apresenta de maneira eficiente os coadjuvantes. É nessa metade inicial, quando a ameaça enfrentada pelos protagonistas ainda é nebulosa, que a citada ambientação claustrofóbica tem seus momentos de maior brilho. A segunda metade do livro, por sua vez, já se entrega a um ritmo de ação mais desenfreada, dentro do conhecido formato da “base sob cerco”, tão comum em Doctor Who. Embora esses trechos estejam longe de ser ruins, pois são bem escritos e imagéticos, eles acabam empalidecendo diante da metade inicial da obra, já que o escritor não consegue articular o ritmo da ação com o trabalho de desenvolvimento dos personagens, o que acaba enfraquecendo momentos emocionais da narrativa que parecem ter sido pensados para serem mais fortes.

Enquanto grande parte do elenco de coadjuvantes de A Tensão Desviante ocupam funções mais mecânicas na narrativa, como o líder da equipe militar russa ou a jovem cientista que auxilia o Doutor em certo ponto, outros realmente acabam se destacando. Alex Minin, um velho funcionário do governo que delatava “elementos subversivos” para o regime soviético acaba sendo o maior exemplo, já que sendo uma figura odiada por todos do vilarejo e pelos próprios colegas, possui uma interessante jornada de redenção ao longo da obra, ainda que o desfecho dessa jornada deixe a desejar por ser sufocado pelo amontoado de correria, tiroteios e explosões da segunda metade do livro.

Quanto ao time da TARDIS, Richards consegue transpor o Nono Doutor com perfeição para as páginas, retratando um Time Lord que, ainda que seja capaz de demonstrar simpatia e gentileza, também não tem muita paciência para pequenos dramas e inseguranças humanas diante de uma situação de crise. Rose, por sua vez, ainda que protagonize bons momentos do livro, acaba sendo escrita de forma mais genérica, sem que tenhamos um momento forte de caracterização da personagem. Mas dos personagens regulares é o Capitão Jack que ganha o maior aprofundamento.

A obra coloca Jack como um homem que passou muito tempo se preocupando apenas consigo mesmo e que ainda está se acostumando com a sua recém-redescoberta generosidade. Ainda no começo da narrativa, o Capitão resgata da neve uma jovem de 18 anos que teve quase toda a sua energia vital sugada pelas misteriosas criaturas que rondam o vilarejo, transformando-se em uma centenária catatônica. É através da relação de proteção que Jack desenvolve com a pobre garota que ele passa a perceber a responsabilidade e o peso emocional que a sua nova visão da vida acarreta.

A Tensão Desviante é um bom exemplar da linha NSA, que explora de forma competente este time da TARDIS, além de aprofundar um pouco mais o personagem do Capitão Jack em seus primeiros dias como companion. Entretanto, depois de uma metade inicial bastante atmosférica e que apresenta bem os conflitos de seus personagens, a segunda metade, embora divertida, acaba não fazendo jus ao que veio antes, sacrificando o desenvolvimento do drama pela ação desenfreada, o que acabou por me deixar um pouco decepcionado ao término da leitura.

Doctor Who: A Tensão Desviante (The Deviant Strain)- Reino Unido. 08 de Setembro de 2005
Autor: Justin Richards
BBC New Series Adventures # 04
Publicação: BBC Books
197 Páginas.

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