Home Diversos Crítica | Doctor Who: A Sanção Final, de Steve Lyons

Crítica | Doctor Who: A Sanção Final, de Steve Lyons

por Rafael Lima
148 views

Equipe: 2º Doutor, Jamie, Zoe
Espaço: Kalaya, Ockora, Nave Triunph
Tempo: 2204

Em seus trabalhos para Doctor Who como o livro Caçadores de Bruxas do Primeiro Doutor, e o drama de áudio Colditz do Sétimo Doutor, o autor Steve Lyons demonstrou a paixão que sente por tramas onde o Doutor e seus companions se veem em uma situação ou dilema onde a presença deles pode alterar gravemente a História. Com A Sanção Final, Lyons coloca o Segundo Doutor pra enfrentar este problema.

A trama começa com a chegada da TARDIS ao planeta Kalaya. O Doutor, Jamie e Zoe não demoram a perceber que desembarcaram em uma zona de guerra, onde humanos e Selachianos se enfrentam. Quando Zoe é capturada pelos Selachianos e levada como prisioneira para Ockora, o planeta natal das criaturas, o Doutor se vê em um doloroso dilema, pois a história diz que a guerra entre as duas raças está próxima de seu trágico desfecho, com a destruição total de Ockora, causando a morte de bilhões de habitantes e milhares de prisioneiros humanos. Com a TARDIS apreendida pelos humanos, o Doutor precisa decidir se a integridade da linha do tempo é mais importante do que a vida de sua amiga.

O dilema de interferir ou não em um acontecimento importante da história é algo relativamente comum em Doctor Who. Mas o livro opta por fazer o evento parte de uma história que não é a nossa. Como estamos falando de um acontecimento do futuro, as apostas parecem mais altas. A possibilidade de a História ser realmente alterada aqui parecem bem maiores do que se estivéssemos falando da extinção dos Astecas, por exemplo. Mais que um livro que gira em torno de um dilema moral envolvendo a História, A Sanção Final é uma narrativa que expõe os horrores da guerra, que mesmo iniciada por motivos justos por parte dos Selachianos, continua a ser travada por orgulho ou mesmo lucro da indústria bélica. Há uma sensação de tragédia iminente que deixa o leitor angustiado para saber o que vai acontecer a seguir.

O autor evita tratar o conflito de forma maniqueísta, concedendo tanto aos humanos quanto aos Selachianos profundidade emocional, mas também uma inflexibilidade cega em relação a seus pontos de vista na guerra. O livro manda muito bem na descrição dos cenários, sucinta, mas bastante sensorial. É muito fácil visualizar o planeta Kalaya, com suas praias lamacentas e gravidade aumentada, e as paradisíacas águas de Ockora e suas cidades semi submersas. Há também uma atmosfera palpável tanto na nave que carrega a bomba destinada a destruir Ockora quanto a prisão onde Zoe é mantida.

Os Selachianos, uma espécie que o Doutor já havia encontrado ao lado de Ben e Polly no romance The Murder Game, surgem como vilões bem curiosos. Estas criaturas, que em seus trajes de batalha parecem tubarões humanoides, precisam se mutilar para usarem suas armaduras de batalha, não podendo ser outra coisa que não soldados depois disso. Lyons torna a cultura desta raça fascinante, e consegue fazer com que o leitor realmente sinta empatia pelos habitantes de Ockora, especialmente os civis. Os três tripulantes da TARDIS passam a maior parte da história separados, portanto, apesar de termos pouca interação entre o trio, há um bom desenvolvimento individual para cada um.

O livro capta muito bem a persona do Segundo Doutor, e seus trejeitos. Logo no começo, temos uma cena onde o Doutor precisa explicar a Zoe por que eles não podem usar a TARDIS para voltar no tempo e prevenir a si mesmos sobre as eventuais armadilhas que surgem em suas aventuras. Outras encarnações provavelmente reprenderiam a garota só por fazer tal sugestão. O Segundo Doutor, entretanto, prefere desconversar, e só fala sobre a importância das leis do tempo quando é pressionado pela companion. É uma passagem simples, mas que diz muito sobre este Doutor. Ele não gosta de pensar nas regras, mas não esqueceu a importância de algumas delas.

O conflito do Time Lord ao longo do livro, onde tenta encontrar uma forma de salvar Zoe sem corromper a linha do tempo dá uma complexidade extra para esta encarnação. O Doutor não quer alterar a História de forma tão profunda, e acredita que Ockora deve mesmo ser destruída, pois do contrário, as consequências podem ser bem piores. Ao mesmo tempo, a natureza do Doutor é se envolver. O romance mostra mais do que o Senhor do Tempo lutando contra o fanatismo militar dos humanos e selachianos, mas contra os seus próprios impulsos de interferir.

Jamie também é bem retratado, tanto em sua impulsividade quanto em sua nobreza e inocência. O arco dramático do escocês é muito bem trabalhado à medida em que ele vai percebendo que a guerra é muito mais complexa do que aparenta e passa a se questionar se é certo simplesmente assistir aos humanos destruírem Ockora, mesmo se sua companheira for resgatada.

Já os trechos que trazem Zoe na prisão Selachiana, acabam sendo os menos instigantes. Não que seja ruim, pois algumas das passagens mais tensas do livro se encontram neste núcleo. Nunca havia lido uma história onde a jovem aparece tão fragilizada, e não é pra menos, pois ela vive momentos de puro terror na prisão. A trama também se encaixa com a jornada dramática da garota na Sexta Temporada da série de TV, ao ver-se em uma situação onde toda a sua lógica não significa nada. Infelizmente, os coadjuvantes desse núcleo não são tão carismáticos quanto o de outros núcleos, então essa parte da história perde um pouco do brilho quando comparada ao restante.

A maioria dos coadjuvantes estão longe de serem unidimensionais, excetuando o já mencionado núcleo da prisão. Redfern, o líder da missão humana, que deseja entrar pra História como um herói (mas que o Doutor sabe, será lembrado como um dos maiores genocidas da saga humana) surge como o principal vilão, contudo, não é transformado em um genocida genérico, ganhando um bom grau de humanização. Destaque também para o Tenente Michaels e um prisioneiro Selachiano, que acabam cada um a sua maneira, guiando as ações de Jamie na narrativa.

Mas o destaque entre os coadjuvantes vai para a Professora Mulholland que criou a bomba G, a arma gravitacional que irá destruir Ockora. A cientista percebe o horror que ajudou a criar, e passa a ser torturada pelo remorso, antes mesmo da bomba ser liberada. Ela tenta constantemente convencer a si mesma de que a responsabilidade não está em suas mãos, mas não consegue se livrar da sensação de ter sangue nas mãos. Seus diálogos com o Doutor e com Michaels estão entre os momentos mais reflexivos e interessantes do livro, discutindo questões como a natureza da guerra, e os perigos da curiosidade científica neste cenário.

A Sanção Final traz uma aventura diferente para esta equipe da TARDIS, um pouco mais sombria do que as da série de TV, mas que continua fiel aos personagens. Também temos a chance de ver o Segundo Doutor em um tipo de conflito que não chegou a ser explorado em seu tempo na serie, ao ser confrontado com a possibilidade de mudar a História. Em resumo, uma excelente pedida para os fãs de Doctor Who, e para os fãs do Doutor de Patrick Troughton.

PS: A sinopse do livro situa o romance entre os eventos de The Seeds Of Death e The Space Pirates.

Doctor Who: A Sanção Final (The Final Sanction) — Reino Unido- 5 de Julho de 1999
Autor: Steve Lyons
BBC Past Doctor Adventures #24
Editora Original: BBC Books
Páginas: 237

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais