No dia 25 de Dezembro de 2013 fomos deixados em The Time of The Doctor com uma frase que espantou não somente Clara, como nós mesmos. Após uma mudança brusca e inesperada, seguida de comentários sobre seus novos rins, o décimo segundo doutor simplesmente pergunta: “how do I fly this thing?”. Os créditos finais começam a rolar e tudo que nos resta é nossa estupefação, acompanhada por uma falta de ar – estamos diante de uma nova era, afinal, novas possibilidades e, sobretudo, o desconhecido. Deep Breath, portanto, funciona como o próprio título já diz, um respirar fundo, quase um pedido para nos acalmar enquanto conhecemos essa nova face do time-lord.
O que, de imediato, vemos, contudo, é justamente o contrário disso. Um gigantesco tiranossauro caminhando pelo Tâmisa em plena Londres vitoriana e, em seguida, um Doutor confuso, agitado, com um par de sobrancelhas que dão a ele um constante ar de raiva. Não demora muito para vermos Clara Oswald, descabelada e claramente ainda no turbilhão de emoções que foi deixada no especial de Natal do ano anterior. Não irei revelar mais qualquer detalhe sobre a trama em si. Como disse antes, o desconhecido é um elemento central aqui, que definirá a maneira como iremos enxergar esse trabalho de Peter Capaldi. Steven Moffat, não só como grande fã da série, como experiente roteirista (e não só em Doctor Who) sabe da importância disso e, propositadamente, garante um constante tom de mistério ao redor dessa nova figura, dividindo o foco da narrativa em dois núcleos que se complementam, mas, sabiamente, ocultam pontos cruciais e definidores da nova personalidade do senhor do tempo.
Mas não somos somente nós espectadores, ou os companheiros do Doutor que não o conhecem, ele próprio não faz ideia de quem ele é. É um ser fragilizado, que por muito tempo acreditava que sua hora havia chegado e que, repentinamente, ganhou um novo ciclo de regenerações. Voltamos ao título, aqui neste respirar profundo é quando “a ficha cai”, e, com isso a pergunta: eu ainda tenho lugar aqui? Neste ponto, Moffat faz um ótimo uso da própria aparência do time-lord, envelhecido, levando a pergunta não só ao espectador, como à Clara: se ele se renovou, por que está mais velho? Para a resposta não é preciso, sequer assistirmos Deep Breath para respondermos: porque é assim que ele se sente. Algo que já se faz presente desde os momentos finais de sua décima primeira encarnação.
A première da nova temporada, porém, nos leva além disso, além do clássico ser ou não ser, nos remetendo a um dos mais clássicos elementos da série: a reação dos companions a essa nova face do Doutor. Vale lembrar que tal elemento não era trabalhado desde Rose Tyler, se tornando praticamente impossível nos desvencilharmos de tal lembrança lá de 2005, com The Christmas Invasion. Steven, então, pela terceira vez nos surpreende, fazendo de Clara nossa representante na série. Ela é as milhares de pessoas que jamais viram um rosto velho do Doutor, alguém que somente conheceu suas encarnações como Eccleston, Tennant ou Smith (sim, vimos John Hurt no papel, mas esse é um caso à parte, devido a sua própria natureza e aparição mais que especial). E aqui o mérito não somente vai para Jenna ou Moffat e sim, principalmente, para Peter Capaldi que nos traz um personagem abalado, agitado, confuso, que é apoiado por um bom uso de uma câmera mais agitada em diversos pontos, transmitindo uma sensação de inquietude. Acima de tudo isso, contudo, ele é claramente o Doutor.
Por mais que suas, já citadas, sobrancelhas, aliadas às sempre presentes veias na lateral da testa, nos transmitam uma aparência de raiva, aos poucos enxergamos aquela velha benevolência marcante do senhor do tempo. É a paixão pela raça humana, o entusiasmo perante o desconhecido e, é claro, a imprevisibilidade que continuam no personagem e, rapidamente, nos permitem reconhecer e dizer: esse é o Doctor. Capaldi, portanto, imprime em sua representação uma distinta personalidade, mas que, jamais, se distancia do que vimos ao longo dos cinquenta anos da série – comparemos com os doutores mais recentes ou até mesmo com os mais antigos. Neste ponto não podemos deixar de ressaltar a própria paixão do autor pela série cinquentenária e seu profundo conhecimento sobre ela toda, desde os tempos de William Hartnell, que o possibilita imprimir sobre sua interpretação elementos de todos os doze (sim, incluo John Hurt nessa contagem) que o precederam.
Oscilando entre fragilidade e heroísmo conhecemos, enfim, o novo Doutor, neste episódio que levanta mais perguntas que as responde. Com uma trama que foca, quase que exclusivamente, em nos acostumarmos com essa nova encarnação, Moffat nos traz uma narrativa bem elaborada, fechada, que, em nenhum aspecto, perde seu foco. Deep Breath é exatamente o que precisávamos após uma repentina mudança em The Time of The Doctor e um ideal início para uma nova era, que mais uma vez prova que Doctor Who ainda tem muito a nos contar, conseguindo nos surpreender a cada situação completamente nova ou que referencie o que já vimos ao longo da longeva série.
Doctor Who 8X01: Deep Breath (Reino Unido, 2014)
Showrunner: Steven Moffat
Roteiro: Steven Moffat
Direção: Ben Wheatley
Elenco: Peter Capaldi, Jenna Coleman, Catrin Stewart, Neve McIntosh, Dan Starkey, Peter Ferdinando, Tony Way, Brian Miller
Duração: 80 min