Embora seja o sexto episódio da sétima temporada de Doctor Who, The Bells Of Saint John, tem tudo o que o público se acostumou a esperar de uma Premiere da série. Temos uma aventura contemporânea relativamente leve e despretensiosa, a introdução de uma nova companheira, e o estabelecimento do grande enredo que irá entrecortar os episódios seguintes. Esse era um movimento esperado, tendo em vista a forma como o Showrunner Steven Moffat estruturou a temporada, focando a primeira parte nas aventuras finais dos Pond, e a segunda parte na parceria entre o 11º Doutor e Clara. De fato, ainda que o mistério em torno da Garota Impossível já tivesse sido sugerido na Premiere, foi somente no especial de Natal, The Snowmen, que essa narrativa realmente começou a se solidificar, e é justamente das consequências daquela aventura de Natal que esse episódio parte.
Na trama, o Décimo Primeiro Doutor se isola em um mosteiro em 1207, tentando entender como pode ter conhecido a mesma moça em pontos diferentes do tempo, e nas duas vezes, ter visto essa jovem morrer. Enquanto isso, na Londres contemporânea, Clara Oswald é uma babá que está tendo problemas com a sua internet, e tendo recebido o número de telefone do melhor serviço de ajuda do universo de uma mulher em uma loja, liga para a TARDIS. Para a surpresa do Doutor, Clara parece ser a mesma garota que ele conheceu no Asilo dos Daleks e na Londres vitoriana. Há outros problemas, pois ela não é a única que está tendo problemas com o sinal de Wi-Fi. Várias pessoas ao redor do globo estão tendo suas mentes aprisionadas por um misterioso sinal de internet controlado por uma empresa nefasta, forçando o Doutor a agir, antes que ele tenha que assistir à Garota Impossível morrer uma terceira vez.
The Bells Of Saint John é um episódio que, embora siga de perto o estilo de história de apresentação de Companion, traz algumas subversões interessantes. A mais importante está no mistério que cerca Clara, feito para intrigar tanto o Doutor quanto o público. Afinal, já havíamos visto duas versões diferentes da personagem, sendo impossível desassociá-la das encarnações anteriores. Entretanto, Jenna Coleman se esforça para dar uma personalidade própria para a Clara contemporânea, se comunicando com o desempenho que entregou em Asylum of The Daleks e The Snowman, mas que não soa como mera repetição. Outro elemento importante, que Moffat já havia ensaiado com Amy e Rory na primeira parte da temporada, é que diferente de outros Companions, Clara não abandona a vida comum para viajar com o Doutor, estabelecendo uma vida dupla ao invés disso, onde equilibra a sua vida comum com as suas viagens na TARDIS. Por isso a história parece dar tanto foco ao emprego de Clara, por ser um sinal do compromisso dela com a vida mundana, além, é claro, de estabelecer as conexões com uma das versões anteriores da jovem, que também era uma babá.
Claro, em um episódio de apresentação de Companion, estabelecer a personagem é só parte do trabalho, a outra é construir a dinâmica dela com o Doutor e, aqui, isso é feito muito bem. Ainda que guarde alguns momentos mais tenros que servem de respiro, como aquele em que o Time Lord cuida da jovem após a mente dela quase ser roubada pelos vilões, Moffat opta por desenvolver a parceria da dupla, principalmente através da comédia e da dinâmica da ação. Clara, por exemplo, reconhece o absurdo da aparição repentina do Doutor em sua vida e de todas as coisas fantásticas que o cercam, ao mesmo tempo em que lida com as loucuras que ocorrem ao seu redor com bom humor, até provocando o Senhor Do Tempo sobre supostas segundas intenções que ele poderia ter em relação a ela. Claro, o Doutor de fato tem segundas intenções, mas não aquelas que a garota imagina inicialmente, o que faz das primeiras trocas entre eles deliciosas de se assistir.
O roteiro de Moffat tira sarro de um hábito bastante comum até hoje, que é o impulso de muitas pessoas de procurar por um sinal de internet assim que entram em algum lugar, o que é usado aqui como uma armadilha pelos vilões da história. Mas, ao mesmo tempo em que há certo humor em transformar sinais de Wi-fi em instrumentos de sequestro mental, o texto reconhece os elementos perturbadores por trás disso, representados principalmente pela frase recorrente eu não sei onde eu estou dos sequestrados. A revelação da Grande Inteligência (agora oficialmente interpretada por Richard E. Grant) como a força por trás da empresa do wi-fi maligno é interessante, e provavelmente o melhor uso dessa vilanesca entidade na Nova Série, especialmente pelo assombroso destino da chefe da companhia, que caracteriza bem todo o horror cósmico que inspirou a Grande Inteligência na Série Clássica. Outro ponto digno de nota é a forma como a história usa com criatividade tropos das histórias de ação dentro do estilo Sci-Fi maluco que se espera de Doctor Who, vide a moto antigravidade do Time Lord subindo um prédio.
O episódio é comandado por Colm McCarthy, que faz um trabalho muito competente em estabelecer o ritmo dinâmico proposto pelo roteiro de Steven Moffat. Um destaque é a sequência em que o Doutor usa a TARDIS para impedir que um avião cheio caia no meio de Londres, onde em um falso plano sequência muito bem executado, o Doutor leva Clara da rua para dentro da TARDIS, materializa a nave dentro do avião, e depois arrasta a jovem para o corredor da aeronave, o que dá a essa passagem um ritmo fantástico. A direção de fotografia do episódio também é digna de nota, especialmente nas passagens noturnas, com um desenho de luz suave que cria um ambiente aconchegante nas passagens onde o Doutor e Clara conversam na rua, contrastando com a iluminação mais dura e impessoal que vemos na sede dos vilões.
The Bells Of Saint John é um ótimo início para essa fase final das aventuras do 11º Doutor, sendo competente em apresentar uma trama leve e descomplicada, mas que não soa inconsequente por assumir as suas tintas mais sombrias em momentos pontuais, mas precisos. Acertando naquilo que mais lhe interessa, que é a introdução da nova Companion, o roteiro de Moffat apresenta Clara como um mistério, não só reapresentando elementos vistos anteriormente na temporada, mas trazendo fatores novos que só seriam revelados a longo prazo. Felizmente, o episódio não limita a nova personagem a ser um mero mistério, e trabalha bem as afinidades e contrastes da dupla, ajudado pela química de cena que Matt Smith e Jenna Coleman apresentam na tela, prometendo muita diversão para o restante da temporada.
Doctor Who – 7X06: The Bells Of Saint John (Reino Unido. 30 de Março de 2013)
Direção: Colm McCarthy
Roteiro: Steven Moffat
Elenco: Matt Smith, Jenna Coleman, Manpreet Bachu, Sean Knopp, James Greene, Eve De Leon Allen, Kassius Carey-Johnson, Geff Francis, Celia Imrie, Robert Whitelock, Dan Li, Fred Pearson, Jade Anouka, Isabella Blake-Thomas, Richard E. Grant
Duração: 45 Minutos