Como escrevi em outras resenhas da era do 11º Doutor, o mandato de Steven Moffat como Showrunner de Doctor Who criou uma conexão maior entre os companheiros e suas vidas normais. Enquanto salvavam o universo ao lado do Doutor, Amy e Rory amadureceram, se casaram, enfrentaram crises matrimoniais, viveram a alegria de ter um bebê, e a dor de perdê-lo. Os conflitos enfrentados pelo casal tinham um diálogo maior com o mundano do que os enfrentados por Companions como Rose ou Donna. Ainda que seja um episódio bem despretensioso, The Power Of Three conclui esse processo, definindo a abordagem da vida mundana dos Companions para o restante da Era Moffat. Na trama, enquanto dividem as suas vidas normais com as suas viagens na TARDIS, Amy e Rory refletem sobre como eles se tornam parte da vida fantástica do Doutor, mas ele nunca se torna parte da vida normal deles. Isso muda quando pequenos cubos vindos do espaço se espalham pelo mundo, chamando a atenção do Time Lord, que se muda para a casa dos Pond para se preparar para uma invasão iminente. Mas após o surgimento dos cubos, nada relevante ocorre, o que vai testar os limites da paciência do Doutor.
Escrito por Chris Chibnall, The Power Of Three é uma trama sobre os atrativos e aborrecimentos da vida comum. O episódio cria uma ameaça central inusitadamente lenta, o que não só confere a história uma aura comicamente absurda, como permite aos personagens refletir sobre como suas relações evoluíram. É uma trama propícia para anteceder a partida dos Pond, mostrando de forma leve e discreta o quanto os Companions se desenvolveram, e o quanto influenciaram o Doutor e foram influenciados por ele. É divertido ver como o texto explora o fato do hiperativo 11º Doutor ser capaz de admirar a forma como os humanos vivem o cotidiano, ao mesmo tempo em que reconhece ser algo que não é para ele, como vemos na hilária montagem em que o Time Lord procura coisas para passar o tempo na casa dos Pond, onde tanto Matt Smith quanto a edição do episódio se divertem pra caramba. Curiosamente, o roteiro aponta que o Doutor tem o seu próprio tipo de rotina, ao sugerir que a TARDIS é simplesmente incapaz de fazer uma viagem onde nada extraordinário (e potencialmente mortal) aconteça, vide o fim de semana em um hotel luxuoso dos Pond que termina em um ataque de alienígenas transmorfos. Os trechos mais fracos do episódio acabam sendo aqueles perto do desfecho que dão mais destaque ao mistério das caixas alienígenas, sendo uma pena que não se assuma que esse ponto da trama era mais um dispositivo de enredo do que um real ponto de interesse.
Por trás dessas passagens cômicas, o episódio explora de forma competente a evolução do trio protagonista. Amy e Rory, embora amem viajar com o Doutor, sentem falta dos prazeres e conquistas da vida mundana, que acabam sendo atrapalhados por suas viagens na TARDIS. Os Pond reconhecem que estão vivendo uma vida dupla que os impede de ter uma vida social plena, ou mesmo de saciar ambições profissionais. Diferente de suas antecessoras diretas, o casal não tem ilusões de que suas aventuras vão ser eternas, e para eles, ok. De fato, Amy e Rory parecem preferir muito mais essa vida normal após deixar o Doutor do que, por exemplo, ir trabalhar em lugares como a UNIT ou Torchwood. O Doutor também reflete sobre o iminente fim de sua parceria com o casal, e em uma conversa franca com Brian Williams, o senhor do tempo é questionado sobre o que acontece com os companheiros quando deixam a TARDIS, e é revelador que das três respostas que o Time Lord dá, duas terminam em morte e abandono. É sugerido que o Doutor está tentando tornar a sua dinâmica com os Companions mais saudável, se mantendo presente na vida dos Pond de um modo que nunca esteve na vida de Comppanions como Martha Jones ou Sarah Jane. O Doutor ainda leva o casal para aventuras fantásticas, porque é assim que ele vive, mas os devolve para suas casas, sai para fazer as suas coisas e volta para eles, nem que seja só para passar o Natal.
A presença da UNIT e a estreia na TV de Kate Lethbridge Stewart (personagem que surgiu pela primeira vez no filme Spin-Off Downtime) conversam com os temas do Doutor como uma figura mais presente que são trabalhados pelo episódio. É justo dizer que, embora a UNIT já houvesse aparecido na Era Davies, foi a Era Moffat que realmente estabeleceu a identidade da organização para a Nova Série. Em uma história sobre o Doutor lidando com o cotidiano humano, faz muito sentido trazer a UNIT de volta, afinal, o período de maior destaque da organização foi justamente a era do 3º Doutor de Jon Pertwee, que por boa parte de sua duração, viu o protagonista preso na Terra. Da mesma forma, trazer Kate Lethbridge Stewart como a nova líder da UNIT é uma forma de frisar a longa relação do protagonista não só com a organização, mas com seu mais famoso líder e pai de Kate, o Brigadeiro Lethbridge Stewart, um personagem que encontrou diversas encarnações do Doutor durante a Série Clássica, em uma tendência que agora se torna geracional com a herdeira do Brigadeiro.
Com sua aura despretensiosa, The Power of Three é um dos melhores episódios dessa sétima temporada. A trama hilária sobre o Doutor lidando com o tédio do cotidiano, enquanto tenta resolver um mistério alienígena aparentemente desinteressante acaba gerando não só um episódio muito divertido, mas também uma trama que permite ao programa refletir sobre a evolução de seus protagonistas, e os caminhos prováveis que eles irão seguir.
Doctor Who 7×04: The Power Of Three (Reino Unido, 22 de Setembro de 2012)
Direção: Douglas Mackinnon
Roteiro: Chris Chibnall
Elenco: Matt Smith, Karen Gillan, Arthur Darvill, Mark Williams, Jemma Redgrave, Steven Berkoff, Selva Rasalingam, Peter Cartwright, Alice O’Connell, David Beck, Daniel Beck, David Hartley
Duração: 41 Minutos