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Crítica | Doctor Who: 73 Jardas, de Scott Handcock

Visões à distância.

por Luiz Santiago
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Quando anunciaram a novelização do episódio 73 Jardas (o meu capítulo favorito da Whodisney até o momento, em agosto de 2024), eu não pude me conter de ansiedade e tinha certeza de que o leria voando: uma daquelas experiências em que não conseguimos largar o livro por nada. Bem, embora não tenha gostado tanto da versão literária quanto da versão televisiva, penso tratar-se de um ótimo livro, com uma trama cheia de mistérios e pequenos detalhes não televisionados que ajudam a aprofundar algumas passagens e ampliar o contexto para o tormento de Ruby ou mesmo para a resolução do grande enigma do episódio — que, a meu ver, não é tão enigmático assim; estando bem distante do que os proto-teóricos da internet e os inventores de centenas de significados estéreis para a obra deram a entender.

Coube a Scott Handcock trazer o texto de Russell T. Davies para as páginas, seguindo de perto a essência macabra do episódio e expondo toda a situação através de um ponto de vista mais próximo de Ruby, que de fato é a grande estrela da trama. No geral, é uma novelização bem simples, mas de alta qualidade narrativa e construtiva, especialmente nos momentos de crise da personagem, com destaque para os dois capítulos finais. No livro, o tema do isolamento e todo o trabalho de exploração psicológica da companheira do Doutor ganham mais força, fazendo com que o leitor veja a passagem do tempo com outros olhos e, para os afeitos à ânsia de querer tudo milimétrica, científica, didática e realisticamente explicado (às vezes caindo no abismo da estupidez interpretativa por se recusarem a consumir uma obra do jeito que foi concebida para se consumir), há nuances que entregam os caminhos oficiais pretendidos pelo autor com a criação da linha do tempo especial — no geral, o exato caminho que adotei na crítica, quando da exibição do episódio.

O início do livro é um pouquinho morno, mas existe algo nessa ambientação que me pega forte. Davies foi muito certeiro ao utilizar os principais ingredientes do terror folclórico inglês, na linha de O Homem de Palha e de sua origem, o livro Ritual, de David Pinner. Scott Handcock também sabe trabalhar a camada política que enriquece a jornada de Ruby, uma vez que a intenção do texto não é investigar a anomalia mística (?) que criou a linha do tempo onde o Doutor foi suprimido por uma força indescritível; onde a TARDIS foi travada pela mesma força; e onde Ruby precisa ter a vida, a paz e a sanidade sacrificadas para, no momento de sua morte, gerar o antídoto que trará a cura para essa anomalia — sendo que o antídoto é ela mesma, no corpo que tinha quando morreu. Sério, não há complexidade exagerada aqui. Não digo que é uma organização dramática simples, mas não é verdadeiramente difícil de entender. E fica ainda mais interessante quando percebemos que a ficção científica foi colocada de lado e o mistério folk com direito a círculo de fadas ganhou espaço para brilhar livremente, sendo a grande causa e a própria resolução do conflito. Uma proposta ousada tratada sem covardia.

Como grande admirador desse tipo de narrativa, vejo em 73 Jardas a criação de um mundo atormentado por uma força indizível que se leva a sério e não é autoindulgente. Ruby não passa a trama correndo atrás de magos ou barganhando com forças maiores para livrar-se de sua perseguidora sempre distante. A vida dela segue, a trancos e barrancos — e aqui temos um pouco mais sobre a sua vida amorosa e o tristíssimo fim de sua relação com a mãe, com o passar dos anos. Mas não é só isso. A vida pessoal dela, já atormentada, é ameaçada — assim como a de todas as outras pessoas na Terra –, pela ascensão de uma figura política que encarna, de alguma forma, uma força horrenda que agora está livre para agir no mundo. E nós não precisamos de mais detalhes sobre isso porque justamente a indefinição bem construída dessa força, alinhada ao cotidiano de uma pessoa vivendo numa timelinesuspensa” (seria esta uma das milhares de existências de Ruby pelo whoniverso?) é o núcleo da potência desse enredo. Eu gostaria que a BBC Books tivesse definido uma maior construção de Universo, o que tornaria o livro mais interessante e não o fizesse parecer corrido em partes que claramente mereciam maiores detalhes; mas, ainda assim, esta é uma novelização charmosa, com um bom acréscimo de informações para um episódio que sempre dará o que falar. A “mulher sempre distante” é, a meu ver, a Vigia de Ruby. Se o Doutor teve um Vigia para ele (que… “era o Doutor o tempo todo!“), fundindo-se com o corpo primário no momento da morte, por que uma companion também não poderia passar por um processo aproximado, no caso de uma tulpa criada pelo Universo para evitar um mundo pior?

Doctor Who: 73 Jardas (73 Yards) — Reino Unido, 8 de agosto de 2024
Autor: Scott Handcock (baseado em roteiro de Russell T. Davies)
Editora original: BBC Books, Target Books (Target Collection)
200 páginas

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