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Crítica | Doctor Who – 6X11: The God Complex

Medo, fé, e as falhas do Doutor.

por Rafael Lima
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O episódio anterior, The Girl Who Waited tratou do quão irresponsável o Doutor pode ser com a vida de seus Companions, e que talvez o mero fato de permitir que eles viajem na TARDIS já seja algo temerário. Mas se naquela história, o Time Lord parecia alheio a essas críticas, The God Complex o confronta diretamente com muitas dessas questões, pensando como a presença do Doutor na vida de seus amigos nem sempre tem um efeito positivo. Na trama, o 11º Doutor, Amy, e Rory, aterrissam acidentalmente em um luxuoso hotel deserto. Logo, eles encontram um grupo de pessoas que revela que todos estão presos no local, que usa os medos de suas vítimas contra elas enquanto uma criatura os caça pelos labirínticos corredores. Agora, o Doutor deve correr contra o tempo para descobrir como o monstro escolhe as suas presas antes que mais pessoas morram, mas essa resposta vira a um grande custo pessoal.

Escrito por Toby Whitehouse, The God Complex defende que se apoiar totalmente na fé nos deixa vulneráveis, ao fazer as pessoas presas no hotel serem tão afetadas por seus medos, que a fé é tudo o que resta a elas, e é justamente essa fé que atrai o monstro. Há uma crítica a certa zona de conforto que a crença pode gerar, seja a crença em um deus, a crença na sorte, ou mesmo a crença em uma pessoa. Ainda que esse comentário traga boas reflexões (especialmente envolvendo o covarde alienígena Gibbis) nem sempre ele é bem fundamentado. Por exemplo, Rory é posto como alguém sem grandes medos ou crenças, o que é relacionado (não de forma elogiosa) ao tempo do rapaz viajando na TARDIS. A trama, aponta que depender da fé pode ser ruim, mas também não vê a total falta de fé como positivo, só que o equilíbrio entre esses dois aspectos da crítica não é feito de forma satisfatória pelo roteiro.

Mas é na crítica que faz da figura do Doutor que o episódio realmente brilha. A Nova série já se perguntou algumas vezes o que motiva o protagonista a convidar pessoas para viajar com ele pelo tempo e espaço, e o motivo geralmente dado é que o Time Lord precisa de perspectiva humana para se manter aterrado. Mas The God Complex aponta que há uma razão menos nobre para isso; o Doutor gosta de ter alguém por perto para venerá-lo. É óbvio que os Companions se tornam mais corajosos e ousados no tempo em que passam viajando TARDIS, mas quantas vezes não vimos alguns deles se colocar em risco parecendo tentar impressionar o Doutor, ou emulá-lo em algum nível?  De fato, o tal complexo de deus do protagonista é explicitado de mais de uma maneira dentro da história, vide os óbvios paralelos que a narrativa estabelece entre ele e o Minotauro, pondo ambos como figuras vistas como divinas.

Há grande influência do arco The Curse Of Fenric, da Série Clássica, que também via o Doutor quebrando a fé que sua companheira tinha nele para salvar a vida dela. Mas as semelhanças com aquela história do 7º Doutor vão além disso, pois assim como o arco de 1989 focava no amadurecimento de Ace, The God Complex faz o mesmo por Amy. O arco dramático de Amy Pond sempre foi sobre crescer. A 5ª Temporada viu a jovem usar as viagens com seu amigo imaginário como um adiamento do compromisso da vida adulta representado no casamento, e ao fim, estabelecer uma dinâmica diferente daquela a que suas antecessoras tinham. Se antes, as Companions pausavam as suas vidas para viajar com o Doutor, deixando as suas famílias para trás, Amy inclui a sua em suas aventuras, ao trazer Rory para TARDIS, mas o amadurecimento dela não estava completo.

Quando vemos o medo de Amy, percebemos que apesar de seu crescimento, a Companion ainda é a menina abandonada no jardim de casa pelo amigo imaginário, o que expõe a fé cega que a jovem tem no Time Lord. afinal, a relação deles teve início com o Doutor falhando com ela. Logo, a decisão do Doutor de encerrar as viagens dos Pond para preservar a vida deles faz sentido, tendo em vista a própria morte de uma aspirante a Companion nessa história. Pode-se dizer que Amy e Rory voltarem a viajar com o Doutor na 7ª temporada anula o impacto do episódio, mas esse retorno se deu em condições diferentes. Quando os Pond voltam a viajar na TARDIS, eles passam a dividir a vida comum com o mundo fantástico do Doutor, algo que se estenderia ao resto dos Companions da Era Moffat, e que é justificado aqui. 

Apesar dessas qualidades, é estranha a escolha do episódio por ignorar uma série de eventos da temporada que poderiam ter tornado a trama mais potente do que ela é. Por mais que o discurso do Doutor para quebrar a fé de Amy seja revelador, é muito fraco quando pensamos o quão forte era a fé da moça no amigo. O episódio reconhece que o Doutor pode falhar de forma grave com os seus Companions, portanto incomoda que o mote central da temporada envolvendo River Song nunca seja citado. Ainda que os Pond saibam que o seu bebê ficou bem, eles não puderam ser pais para a filha, pois o Doutor atraiu o perigo para a criança, e falhou em resgatá-la. Da mesma forma, incomoda que Amy se separe do Doutor sem falar de sua morte iminente no Lago Silêncio, depois do episódio investir tanto em mostrar a força da ligação entre os dois.

O diretor Nick Hurran, que no episódio anterior já havia mostrado ser bom em criar tensão com poucos recursos, repete a dose na condução deste episódio. A decupagem de Hurran abusa de Close-Ups com leves distorções de lente, e planos holandeses para reforçar o medo e desespero dos personagens quando são consumidos por sua fé e passam a louvar o Minotauro. A edição, mais frenética do que de costume, também acompanha essa sensação de desorientação que a direção tenta transmitir. Essas opções nem sempre funcionam, e pessoalmente prefiro a condução mais discreta de Hurran em seu trabalho de estreia em The Girl Who Waited, mas não tenho como não admirar algumas ousadias tomadas aqui. A direção de arte é outro destaque, começando pelo ambiente do hotel, claramente inspirado nos cenários do clássico O Iluminado (1980) de Stanley Kubrick, o que se reflete tanto nos corredores como em alguns dos quartos que guardam os medos das vítimas do hotel, vide um cômodo repleto de marionetes, ou aquele ocupado por um palhaço triste.

Formando uma ótima dobradinha com o episódio anterior, The God Complex problematiza de maneira muito interessante a relação do 11º Doutor com os Pond, encaminhando a temporada para a sua reta final. É uma história de monstro muito competente, com coadjuvantes carismáticos, mas que perde a oportunidade de se tornar ainda mais potente por ignorar diversos aspectos do arco central da temporada que claramente se comunicavam com os temas do episódio. Apesar disso, The God Complex é um episódio com ótimos momentos de diversão e emoção, e que mudou a dinâmica entre o Doutor e as companheiras no restante da Era Moffat.

Doctor Who- 6X11: The God Complex – Reino Unido (17 de Setembro de 2011)
Direção: Nick Hurran
Roteiro: Toby Whitehouse
Elenco: Matt Smith, Karen Gillan, Arthur Darvill, Sarah Quintrell, Amara Karan, Dimitri Leonidas, Daniel Pirrie, David Walliams, Spencer Wilding, Caitlin Blackwood
Duração: 49 Minutos.

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