Steven Moffat já confessou o quanto é atraído pelos medos infantis; não só por eles serem universais, mas por tais medos, quando confrontados em telas pelo Doutor, tornarem o Time Lord um símbolo de esperança identificável para as crianças. Essa característica presente desde a primeira história que Moffat escreveu para Doctor Who na TV, se manteve presente quanto o 12º Doutor assumiu o show, mas esse traço nunca foi tão forte quanto na era do 11º Doutor. Mais do que qualquer encarnação do personagem, o Time Lord de Matt Smith abraçou a ideia do Doutor como essa figura de fábula a quem as crianças recorrem quando estão em apuros, e que se coloca mais como um amigo do que como uma figura de autoridade, algo visto desde o começo da jornada do 11º. Muitos episódios dessa era tratam disso, mas poucos de forma tão direta quanto Night Terrors.
Na trama, após receber um pedido de socorro no Papel Psíquico, o Doutor, juntamente com Amy e Rory, chega a um condomínio onde um menino está apavorado por acreditar que os monstros em seu armário estão vindo pegá-lo. Logo, o Time Lord conhece o garoto George e seu pai Alex, que está tendo dificuldade em lidar com os terrores noturnos do filho. Mas os monstros que George teme podem se tornar bem reais e colocar todos os presentes no condomínio em perigo mortal, e para resolver a situação, o Doutor vai ter que ajudar uma criança a superar os próprios medos.
Escrito por Mark Gatiss, Night Terrors é uma homenagem do roteirista ao estilo do colega Steven Moffat, ao escrever um episódio que gira completamente em torno dos medos infantis. Alguns críticos do trabalho de Gatiss em Doctor Who o acusam de ser um escritor derivativo, o que tem alguma base. Os episódios escritos pelo roteirista costumam funcionar como celebrações de períodos famosos da série, como The Unquiet Dead, que homenageava a era horrorífica de Philip Hinchcliffe à frente do programa; ou Empress of Mars, que trazia várias referências ao estilo do Showrunner Barry Letts. Entretanto, as histórias de Gatiss são muito mais do que meros pastiches, pois o roteirista pega os elementos característicos de determinados períodos do Show e os torna seus, seja atualizando esses elementos ou expondo os seus mecanismos narrativos.
O que o roteiro propõe é uma análise desse tipo de história, ao tornar a ameaça física não como simplesmente uma metáfora para os problemas parentais que Alex enfrenta com o filho, mas como uma consequência direta desses problemas. Ao ouvir uma conversa de seus pais fora de contexto, George passa a temer que eles querem abandoná-lo, mas uma criança pequena raramente lida com esse tipo de temor de forma frontal, metaforizando esses medos abstratos em formas mais concretas, como monstros e bonecos assustadores, por exemplo. Nesse sentido, é interessante o papel dado ao Doutor, colocando-o mais concentrado em resolver os problemas de relacionamento da família de George do que em enfrentar os monstros, porque é lá que está a raiz da ameaça — não é coincidência que ele assuma o disfarce de um assistente social neste episódio. Ainda que haja um mistério em torno da verdadeira natureza da criança, o roteiro está mais interessado em como Alex não consegue confortar o filho, ao não entender como as suas próprias inseguranças estão criando outras ainda maiores em George.
Mas apesar de possuir uma base dramática muito boa, Night Terrors não consegue ressoar emocionalmente com o público. Faltam camadas ao personagem do pai para que realmente o percebamos como um homem em conflito com os problemas do filho, para que o desenlace do episódio tenha a força necessária. Além disso, o roteiro não tem muito conteúdo fora de sua trama central, com todas as passagens envolvendo os ataques aos companheiros e os moradores do condomínio parecendo estar lá apenas para preencher tempo, apesar de gerarem algumas boas passagens de suspense e terror.
A direção do episódio ficou a cargo para Richard Clark, em seu último trabalho para a série até o momento (2024). Aqui, ele guia uma ótima atmosfera de fantasia e terror, como exigida pelo roteiro. O trabalho de decupagem e fotografia transmitem de forma competente a sensação de claustrofobia e isolamento perseguido pelo episódio, mesmo quando trabalha com cenários amplos, vide a cena que mostra a chegada do time da TARDIS ao deserto pátio do condomínio. Destaca-se também o design de produção tanto para a construção dos cenários quanto para a criação das assustadoras bonecas vivas que assombram George e os moradores do condomínio, dando um aspecto artesanal muito bonito para o episódio.
Night Terrors é um episódio que tem os seus encantos, por sua proposta de tentar homenagear o estilo do Showrunner Steven Moffat, ao mesmo tempo em que expõe os mecanismos narrativos das histórias do produtor que carregam elementos de fábula. Infelizmente, apesar de ter os seus bons momentos horroríficos, falta ao episódio a pungência emocional que a trama claramente sugere, mas que nunca consegue realmente alcançar. Night Terrors está longe de ser um episódio ruim, e consegue nos entreter pelo tempo de sua duração, mas no fim das contas, acaba sendo um episódio bem esquecível da série, e uma das contribuições mais fracas de Mark Gatiss para o programa, o que é uma pena, pois a premissa da história oferecia potencial para uma trama bem mais forte.
Doctor Who – 6X09: Night Terrors- Reino Unido (03 de Setembro de 2011)
Direção: Richard Clark
Roteiro: Mark Gatiss
Elenco: Matt Smith, Karen Gillan, Arthur Darvill, Daniel Mays, Jamie Oram, Emma Cunniffe, Andrew Tiernan, Leila Hoffman, Sophie Cosson
Duração: 43 Minutos