Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who- 6X08: Let’s Kill Hitler

Crítica | Doctor Who- 6X08: Let’s Kill Hitler

A origem de River Song em uma história com medo das próprias consequências.

por Rafael Lima
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Steven Moffat é um showrunner de identidade. Ele ama situações trágicas de impacto, que mexem com as emoções do público, mas odeia tragédias, muitas vezes dando um jeito de se livrar das consequências dos cenários trágicos que cria, ou ao menos amenizá-las. Essa visão esperançosa está no cerne do Doctor Who de Moffat, o que não é necessariamente um defeito, podendo até ser uma qualidade, como na Finale do 5º ano. Infelizmente Let’s Kill Hitler mostra o pior lado da escrita de Moffat quando se trata de consequências. Desde os minutos iniciais, o episódio assume um ritmo ligeiro que mal nos dá tempo de respirar. Antes dos créditos, os Pond fazem um sinal em um milharal para atrair o Doutor e cobrá-lo sobre o resgate da filha sequestrada deles; o Time Lord explica que ainda não encontrou a bebê, e o trio é interpelado por Mels, a melhor amiga de Amy, que, fugindo da polícia, rende a todos com uma arma e os força a voltar na TARDIS para a Berlim de 1938, onde ela pretende matar Adolf Hitler, só por diversão. Antes da metade da trama, o time da TARDIS já salvou acidentalmente a vida de Hitler de um grupo de viajantes do tempo, e Mels foi baleada pelo nazista, só para se regenerar e se transformar em River Song.

O tom de comédia tresloucada do texto é pensado para desarmar o telespectador, enquanto o ritmo rápido não nos permite sentir o peso dramático que as situações apresentadas possam ter. A Good Man Goes to War deixou muitos ganchos emocionais para serem resolvidos, mas Let’s Kill Hitler se esforça não só para se livrar desses ganchos, mas para nos convencer de que não deveríamos ligar muito para eles. Basta notar como o texto coloca a problemática Mels na trama, nos contando que a jovem cresceu ao lado de Amy e Rory, e que devido a imaturidade da amiga, os Companions atuaram como figuras parentais para ela. Sim, Moffat usa a personagem para mais uma vez construir os paradoxos temporais que lhe são tão caros, mas por outro lado, a presença constante de Mels na vida dos Pond soa como uma forma de amenizar a perda de Amy, ao tentar nos convencer que, de certa forma, ela criou a filha. Nos episódios seguintes, raras foram as vezes em que a série reconheceu que cuidar de uma amiga encrenqueira não é nem remotamente parecido com criar uma filha. Assim, Mels surge como um Plot Device usado para aliviar as tensões entre os Pond e o Doutor, e o próprio peso deixado pelo episódio anterior; um recurso que só se torna mais frustrante quando lembramos que nunca ouvimos falar de Mels antes.

Let’s Kill Hitler expõe que muitas vezes Moffat não quer lidar com o peso dramático de suas decisões criativas, embora ainda queira o choque que elas causam. Pensem em como o que houve com Melody nunca se torna uma questão importante para esse time da TARDIS em episódios futuros, ou em como o fato de River ser filha dos Pond faz pouca diferença. Alguns podem argumentar que Moffat está só quebrando expectativas, mas o que parece é que o programa está fazendo força para escapar das consequências emocionais que propôs. O roteiro traz ideias curiosas para basear a sua inconsequência, como a edição que conta a história de Mels, onde ela culpa o Doutor por cada tragédia da história humana nas aulas de história. É um trecho divertido, que funciona como um comentário metalinguístico sobre a futilidade de certas questões sobre a série. Essa abordagem conversa com o conceito dos viajantes do tempo diminutos que usam uma nave capaz de assumir a forma de qualquer pessoa para matar assassinos do passado que fugiram da punição adequada, assim criticando um tipo de trama que evoca peso dramático, mas que olha mais para o passado do que para o presente, ao usar a viagem no tempo para matar pessoas mortas, como aponta o Doutor. É uma defesa curiosa, mas não justifica a forma como o show dá de ombros para as consequências de seu passado recente.

  A direção de Richard Senior, em seu único trabalho para a série até o momento (2023) abraça o tom despretensioso e alegre proposto pelo roteiro. A edição se vale de cortes rápidos para conceder a agilidade e o tom quase cartunesco da trama, vide a cena em que o Doutor e River enganam constantemente um ao outro enquanto ela tenta matá-lo. As sequências de ação, e a própria fotografia e Design de produção, por sua vez, emulam os velhos filmes de matinê, remetendo até mesmo ao estilo de alguns dos filmes da franquia Indiana Jones. Isso também se aplica ao retrato feito dos personagens nazistas, com Adolf Hitler sendo usado mais como uma escada para algumas excelentes piadas, do que como um personagem de fato, ainda que o seu nome esteja no título. O elenco entende a proposta, e entrega performances muito competentes. Matt Smith está em seu melhor quando exercita a veia cômica do 11º Doutor, mas também consegue trabalhar as tão citadas consequências emocionais nas entrelinhas da comédia. Alex Kingston é outro destaque, vivendo uma versão mais inexperiente, impulsiva e perigosa de River Song. O carisma e a energia com que Kingston vive River é tão grande, que às vezes ofusca os nuances que a atriz dá para a personagem em suas participações, onde nos detalhes de atuação, Kingston retrata o nível de maturidade que a arqueóloga possui em cada aparição.

Let’s Kill Hitler é um episódio que possui momentos muito divertidos, sendo bem dirigido e bem atuado. Provavelmente, poderia ser um episódio melhor se tivesse um caráter mais independente, mas não é o caso. Sim, a trama avança a história central da temporada ao revelar a vítima do assassinato que fez River Song ser presa, e nos mostrar a origem do famoso diário azul da arqueóloga. Entretanto, a forma como o showrunner escolhe lidar com as consequências deixadas pelos eventos de A Good Man Goes to War são decepcionantes, para se dizer o mínimo. Ao criar uma série de pontos de trama vindos de lugar nenhum para amenizar o peso dramático das situações que havia criado, Steven Moffat prejudica enormemente o nosso investimento na história maior que está tentando contar. Como posto no começo deste texto, é uma característica da escrita de Moffat presente em vários de seus trabalhos como Showrunner, característica inclusive que ele viria a trabalhar melhor e de forma mais coerente no futuro, mas que neste episódio encontra o seu ponto mais baixo.

Doctor Who- 6X08: Let’s Kill Hitler (27 de Agosto de 2011)
Direção: Richard Senior
Roteiro: Steven Moffat
Elenco: Matt Smith, Karen Gillan, Arthur Darvill, Alex Kingston, Nina Toussaint-White, Caitlin Blackwood, Maya Glace-Green, Ezekiel Wigglesworth, Philip Rham, Richard Dillane, Ella Kenion, Albert Welling, Mark Killeen, Paul Bentley, Tor Clark
Duração: 49 Minutos

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