Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – 6X06: A Good Man Goes to War

Crítica | Doctor Who – 6X06: A Good Man Goes to War

Demônios correm quando um bom homem vai a guerra.

por Rafael Lima
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Desde a criação de Doctor Who, o Doutor percorreu um longo caminho que o fez mudar muito. Parece uma observação óbvia, tendo em vista que um dos motivos para a longevidade do programa são as mudanças de rosto e personalidade de seu protagonista. Mas as mudanças a que me refiro dizem mais respeito ao status do personagem do que as características particulares de cada encarnação do Time Lord. Nos primeiros anos da série, o Doutor era visto como esse andarilho cósmico sobre quem pouco se sabia, e que muitas vezes nem era levado muito a sério pelos adversários que encontrava pela primeira vez. Conforme a série foi avançando, o Gallifreyano foi se tornando uma figura mais conhecida no universo, embora tenha sido apenas a partir da era do 7º Doutor que o personagem passou a ser visto dentro daquele universo como muito mais do que apenas outro Time Lord.

A Nova Série, abraçaria esse conceito com força desde o início, abraçando o caráter lendário de seu protagonista, que ficaria conhecido por títulos como O Último dos Time Lords, The Oncoming Storm, e por aí vai. Pois com A Good Man Goes To War, o roteiro de Steven Moffat questiona a natureza mítica e megalomaníaca que passou a cercar o personagem, ao mesmo tempo em que se entrega a essa megalomania. Seguindo o gancho deixado por The Almost People, a trama acompanha o 11º Doutor e Rory reunindo antigos aliados para resgatar Amy, que está sendo mantida prisioneira pela Igreja do Silêncio, no asteroide de Demon’s Run, após dar à luz a uma menina que ela batiza como Melody Pond. Enquanto uma batalha lendária entre o Doutor e a Igreja do Silêncio está pronta para explodir com consequências irreversíveis, River Song percebe que o dia que ela tanto temia chegou: o dia em que o Doutor descobre quem ela é.

O 6º ano de Doctor Who marcou uma virada para a série, pois durante toda a 1ª Era Davies, o programa manteve uma estrutura clara, que foi mantida por Moffat em seu primeiro ano no comando do show. Esta temporada, porém, quebrou esse formato desde a premiere, e neste episódio, adota uma escala reservada apenas para as finales até este momento. Além disso, A Good Man Goes To War funcionou como uma Mid-Season para a série, um fato inédito para Doctor Who, que nunca havia entrado em um hiato no meio da temporada, o que de certa forma, justifica essa cara de finale que o episódio assume. Esse aspecto de conclusão (ou falsa conclusão) não diz respeito só à escala proposta pelo episódio, mas a uma série de participações especiais que remetem a histórias anteriores do 11º Doutor, como os piratas de The Curse of The Black Spot; Dorium Maldovar de The Pandorica Opens; Danny Boy, de Victory of The Daleks, e por aí vai. O episódio não só se compromete com aventuras que assistimos, mas também com histórias que não vimos, ao introduzir Madame Vastra, Jenny, e Strax, todos antigos conhecidos do Doutor, e que aqui formam a Paternoster Gang, que se tornaria bastante presente em episódios futuros.

O aspecto grandioso da trama não está a serviço apenas do formato de temporada. O plot vê o Doutor como um ser mitológico, um homem que desperta fascínio, mas que também inspira medo — a ponto de um exército ser formado para combatê-lo. A era Moffat sempre trabalhou o Doutor como uma figura de fábula, e aqui, empresta o conceito a Rory, como visto na passagem onde Amy conta para o seu bebê a lenda do Centurião Solitário. Mas a linha entre uma fábula e uma história de terror é tênue, bastando observar o nervosismo com que os soldados da Igreja do Silêncio aguardam a chegada do Time Lord. O roteiro constrói bem a tensão que antecede a batalha de Demon’s Run, e fica à altura da construção quando o Doutor faz o seu movimento. A trama traz uma catarse para o público, seja pela forma com que o Doutor humilha os seus inimigos, ou pela forma emocionante com que retrata a reunião do Time Lord e Rory com Amy e Melody. É interessante que apesar de mostrar o lado mais leve do protagonista, o episódio deixa claro o quão intimidador o Doutor pode ser. E é curioso observar que uma das maiores demonstrações do poder e da influência do Doutor não é decorrente de uma batalha para salvar o mundo, mas sim por terem mexido com as pessoas que ele ama.

No 3º ato, a trama lança uma crítica ao Doutor, e a forma como a Nova Série encara o seu herói. Afinal, se ele é essa força tão poderosa, a reação á sua presença é tão forte quanto; como vemos no contra-ataque da vilã Madame Kovarian, que resulta na perda de Melody. River aponta o quanto o Doutor pode ter se perdido ao deixar que a sua lenda se tornasse ameaçadora, sugerindo que ele é mais efetivo como uma força do bem quando é um andarilho desconhecido ao invés desse ser lendário. Moffat teria dificuldades para levar adiante as questões que A Good Man Goes to War levanta sobre o protagonista, mas apresenta o problema de forma eficiente. O episódio ainda traz o fim do segredo da identidade de River Song, que se revela como uma Melody crescida. O momento da revelação é bem executado, em um ótimo trabalho do elenco principal; e cria boas possibilidades dramáticas, que, infelizmente, não seriam exploradas a contento nos episódios seguintes. No longo arco da revelação da identidade de River que atravessa o resto da temporada, ficaria claro que o Showrunner imaginou um conceito ambicioso para esse plot, mas com tantas ideias, muitas acabariam sendo subdesenvolvidas, como por exemplo, a envolvendo como exatamente Melody/River consegue se regenerar.

O episódio é comandado por Peter Hoar, em seu único trabalho para a série, e pelo que é apresentado aqui, é uma pena que o diretor não tenha voltado para mais. Hoar concede para a história toda a escala épica que o roteiro sugere, ao mesmo tempo em que se compromete com a ideia de retratar o Doutor como essa figura intimidadora durante boa parte da história, vide a passagem em que a sombra do 11º Doutor se projeta sobre Dorium Maldovar. A direção também valoriza de forma soberba as ideias visuais apresentadas pelo roteiro de Moffat, como os monges sem cabeça, e suas espadas energéticas, que são uma referência visual direta a saga Star Wars. A montagem do episódio também merece muitos elogios, pois equilibra muito bem as múltiplas ações paralelas da história, tendo vital importância para atingir o senso de escala que A Good Man Goes to War exige.

Marcando um ponto de virada não só para a temporada, mas para o restante da era do 11º Doutor, A Good Man Goes To War é um excelente episódio, que entrega uma aventura de caráter grandioso, mas que também sabe valorizar os momentos mais íntimos entre os seus personagens, tornando o drama ainda mais pungente. O roteiro de Steven Moffat estabelece uma série de situações dramáticas, com potencial para mudar completamente a dinâmica deste time da TARDIS e a própria forma como a Nova Série encarava o seu protagonista. Ainda que nos episódios seguintes, o showrunner fosse abandonar boa parte do potencial apresentado aqui, não muda o fato de A Good Man Goes To War ainda trazer alguns dos momentos mais empolgantes e emocionantes desta era de Doctor Who.

Doctor Who- 6X06: A Good Man Goes to War (4 de junho de 2011)
Direção: Peter Hoar
Roteiro: Steven Moffat
Elenco: Matt Smith, Karen Gillan, Arthur Darvill, Alex Kingston, Frances Barber, Christina Chong, Damian Kell, Neve McIntosh, Catrin Stewart, Richard Trinder, Dan Starkey, Simon Fisher-Becker, Danny Sapany, Hugh Bonneville, Oscar Lloyd
Duração: 49 Minutos

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