Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – 6X05 e 6: The Rebel Flesh / The Almost People

Crítica | Doctor Who – 6X05 e 6: The Rebel Flesh / The Almost People

Humanidade e identidade além da carne.

por Rafael Lima
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O que significa ser humano? O que é ter consciência? Essas  têm sido algumas das perguntas favoritas da ficção científica, vide Frankenstein, Blade Runner ou boa parte da bibliografia de Isaac Asimov. Em Doctor Who, essas discussões já haviam surgido algumas vezes, mas não de forma tão direta quanto em The Rebel Flesh/The Almost People, que marca um ponto de virada neste 6º ano. Na trama, após ser atingida por um tsunami solar, a TARDIS chega a um mosteiro desativado no século XXII, que é usado como uma mineradora de ácido. Na fábrica, o 11º Doutor, Amy, e Rory descobrem que devido á vários acidentes fatais com os funcionários, a mineradora usa a tecnologia da carne programável, que permite criar clones chamados de Gangers, que podem ser controlados pelos originais, e assim assumirem as tarefas perigosas. Mas quando o tsunami solar atinge a fábrica e não só isola o local, mas dá consciência aos Gangers, o Doutor deve achar uma forma de conciliar Gangers e humanos, antes que os dois grupos matem um ao outro.

Escrito por Matthew Graham, The Rebel Flesh/The Almost People traz uma atmosfera muito tradicional para o show. Temos uma direção de arte que mescla um visual gótico com aspectos industriais e até futuristas, e um plot que evoca o formato da aventura de base sob cerco, muito comum na Série Clássica. Mas o texto está longe de ser um trabalho meramente referencial, não só pelas discussões sociais e filosóficas que propõe, mas por trazer desenvolvimentos muito bem vindos aos personagens principais, e uma ótima articulação com a trama maior da temporada. Em The Rebel Flesh, a rixa entre humanos e Gangers não é posta de forma instantânea, pois no começo da trama nem os humanos e nem os clones sabem quem é quem, pois as cópias têm todas as memórias e emoções dos trabalhadores originais. Os grandes inimigos são a paranoia e o preconceito, pois a maior parte dos personagens assume que os Gangers são loucos perigosos, incluindo os próprios clones. Entretanto, logo que os Gangers percebem que são capazes de pensar e de sentir, e se reconhecem como indivíduos, eles logo reivindicam o seu direito de existir, o que como o Doutor aponta, é mais do que justo.

Assim, é uma boa opção trazer Amy carregando esse preconceito, pois a companheira  passa boa parte do arco vendo os Gangers como seres menores. Essa postura da jovem não só permite uma discussão mais profunda sobre o preconceito (seria muito fácil que o preconceito partisse apenas dos personagens negativos), mas deixa que Rory saia da sombra da esposa. É bom ver o enfermeiro, através de sua relação com uma Ganger, ganhar um conflito próprio que vai além de Amy. Cada vez mais, o show retrataria Rory como alguém cuja natureza é cuidar, e por isso é mais preocupado com a pequena escala do que o Doutor e suas questões mais universais, ou mesmo Amy, cuja perspectiva é cada vez mais afetada pelo Time Lord. Isso não significa que o Doutor não tenha respeito pelos Gangers, bastando ver a sua ótima relação com o Doutor Ganger que surge no fim da primeira parte. De fato,  parte do segundo episódio é uma grande lição do Gallifreyano para a sua companion sobre como os Gangers merecem a mesma consideração que qualquer um. 

The Almost People já estabelece um antagonismo mais claro na forma da Ganger Jennifer, que assume o papel de vilã, com direito até a transformação monstruosa. Embora isso proporcione boas passagens de ação e suspense; rouba um pouco da complexidade temática da primeira parte. Não que o texto assuma que os Gangers sejam malignos, afinal, humanos e Gangers se unem para parar a ameaça da Jennifer Ganger, e o desfecho de personagens como Jimmy e Cleaves aponta alguma perspectiva de convivência pacífica entre as espécies. Entretanto, ao abandonar a ideia de elementos divisivos nos dois grupos, não pude deixar de pensar que a narrativa perdeu um pouco de sua área cinzenta.

The Rebel Flesh/The Almost People também é um arco que se articula com a trama central da temporada em vários níveis. Quando o Doutor Ganger surge ao fim da parte um, o show brinca com as expectativas do público, afinal, que maneira melhor de resolver a morte do Doutor vista na Premiere do que com o recurso do clone? Mas é na sequência final, que revela que passamos os últimos episódios com uma Amy Ganger que as conexões entre o arco e a trama macro da temporada brilham. A revelação não só encerra de forma apropriada o arco de aprendizado de Amy nesta história, mas resolve os mistérios da gravidez da Companion, e das visões com a Mulher Do Tapa-Olho, que se revela para a verdadeira Amy em um dos momentos mais assustadores da série, que vê a garota acordar em pleno trabalho de parto.

O arco é comandado por Julian Simpson, que faz uma direção competente, especialmente pela forma como lida com os personagens duplicados. Todas as cenas com as interações entre o 11º Doutor e o seu Ganger trazem um ótimo trabalho de mise-en-scène e decupagem, passando a impressão de que Matt Smith tem grande química com ele mesmo. As passagens de ação e perseguição, especialmente no clímax envolvendo o confronto contra a Jennifer Ganger já são um pouco burocráticas demais, não transmitindo a urgência que essas passagens necessitam. Ainda na parte técnica, é preciso dar o merecido destaque para a direção de arte e direção de fotografia desta dupla de episódios, que capta muito bem a atmosfera gótica-industrial proposta pelo roteiro, além de trazer um número de ótimas referências visuais ao clássico Frankenstein, clara influência da história.

The Rebel Flesh/The Almost People é um bom arco da série, que traz desenvolvimentos importantes para o trio protagonista (especialmente os companions), e estabelece as apostas para o restante da temporada. O roteiro também traz discussões sociais e filosóficas muito interessantes sobre preconceito e sobre o que nos define realmente como seres humanos e seres conscientes. O que impede o arco de atingir patamares mais altos, é a falta de um elenco coadjuvante realmente engajante, que fizessem os interessantes questionamentos levantados pela narrativa ressoarem de forma mais forte. Ainda assim, The Rebel Flesh/The Almost People é uma ótima entrada do programa, que possui mais méritos do que a maioria costuma se lembrar.

Doctor Who- 6×05 e 6: The Rebel Flesh/The Almost People (21 de Maio de 2011, 28 de Maio de 2011)
Direção: Julian Simpson
Roteiro: Matthew Graham
Elenco: Matt Smith, Karen Gillan, Arthur Darvill, Mark Bonnar, Marshall Lancaster, Sarah Smart, Raquel Cassidy, Leon Vickers, Frances Barber
Duração: 89 Minutos

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