É sempre interessante quando Doctor Who se utiliza de mistérios reais para construir as suas narrativas. O intrigante desaparecimento do pirata Henry Avery, em 1699, já havia sido abordado brevemente pelo programa durante a Série Clássica, citado no arco The Smugglers; mas com The Curse Of The Black Spot o show dá a sua própria versão sobre o que realmente houve com o famoso pirata. O resultado é um episódio que claramente busca a simplicidade e a familiaridade após a grandiosidade proposta pela Season Premiere, mas que acaba atingindo resultados mistos. Na trama, a TARDIS se materializa a bordo do navio Fancy, no ano de 1699. A tripulação comandada pelo Capitão Henry Avery está apavorada devido a uma série de desaparecimentos, que todos acreditam estar sendo provocados por uma sereia. O 11º Doutor não acredita em forças sobrenaturais, e acha que pode haver mais por trás da misteriosa sereia do que aparenta; mas para salvar a tripulação e seus próprios amigos de um destino incerto, ele precisa conquistar a confiança do irascível Capitão.
Escrito por Steve Thompson, em seu primeiro trabalho para a o programa, The Curse Of The Black Spot configura-se em seu terço inicial como uma típica aventura bucaneira, que a exemplo dos filmes da franquia Piratas Do Caribe, rapidamente adquire tintas de horror sobrenatural. A direção de Jeremy Webb, que também faz a sua estreia na série, é bastante competente em transitar entre os diferentes tons propostos pelo roteiro, da aura mais aventuresca do 1º ato, passando pelo horror claustrofóbico que ocupa a maior parte da história, até a estética Sci-Fi mais tradicional que toma conta do clímax. Em termos de produção, este também é um episódio que impressiona especialmente pelas passagens situadas no convés, que chamam a atenção pela direção de arte.
Este também é um ótimo episódio tanto para Matt Smith, quanto para Karen Gillan. O Doutor está em seu melhor, em histórias que lhe permitam exercer a veia cômica de forma mais direta, e o texto nos traz vários desses momentos divertidos, como as primeiras interações do Doutor com os piratas; ou o momento em que o Time Lord percebe que a sereia é capaz de se locomover através de superfícies reflexivas. Gillan, por sua vez, ganha a chance de explorar o lado mais aventureiro de Amy Pond, especialmente durante o 1º ato, quando a Companion se envolve mais diretamente na ação no confronto com a tripulação do Fancy. Já Rory acaba sendo o elo fraco do time da TARDIS aqui, já que o episódio insiste em explorar as inseguranças do rapaz em relação ao relacionamento de Amy e do Doutor, algo que a esta altura do campeonato, a série já deveria ter superado.
A fraqueza do episódio, entretanto, é a forma como o roteiro desenvolve os seus dramas centrais. Ainda que eu goste bastante da forma como a narrativa explora o mito da sereia dentro de um contexto de ficção científica, até mesmo apresentando uma bem vinda quebra de expectativa na conclusão, alguns pontos da trama acabam surgindo de forma atrasada na trama, vide a revelação da maneira como a sereia se locomove em nossa dimensão, de modo a não ter tempo de ser realmente explorada pelo texto. Além disso, em histórias do estilo Base sob Cerco, como esta, o carisma dos coadjuvantes é tão ou até mais importante que o do time da TARDIS, mas infelizmente, nunca conseguimos realmente nos importar com qualquer um dos piratas que são atacados.
Mas talvez o maior problema do roteiro esteja na forma com que ele trata o arco de Henry Avery, que em tese, é o coração do episódio. The Curse Of The Black Spot, é o episódio de celebridade histórica da temporada, mas a verdade é que em sua maioria, a Era Moffat estava mais interessada em explorar esses personagens através do senso comum que se criou em torno de tais figuras do que em explorar as pessoas por trás da figura histórica, bastando observar a participação de Richard Nixon na Season Premiere. A abordagem inicial para o Capitão parece seguir essa diretriz, já que o texto explora o personagem como o arquétipo do pirata avarento e violento, mas a partir de sua segunda metade, a trama tenta humanizá-lo através de sua relação com o filho, mas mais uma vez, esse ângulo entra de forma atrasada na história, fazendo com que a recompensa emocional do desfecho soe pouco merecida, e, logo, melodramática.
O episódio, felizmente, não esquece o arco principal da temporada, com Amy continuando a ter assustadoras visões com a assustadora mulher do tapa-olho. Além disso, tanto a futura morte do Doutor quanto a indecisão da TARDIS de identificar se a Companion está grávida ou não continuam a ser motivo de preocupação para os personagens. Gosto do paradoxo apresentado nesses episódios iniciais onde temos uma tripulação da TARDIS que ao mesmo tempo em que está mais unida do que nunca, guardam segredos um dos outros, o que adiciona um interessante elemento de intriga para a série.
The Curse Of The Black Spot é um episódio divertido, que tem os seus bons momentos, mas que nunca consegue atingir o potencial total de suas ideias. Ainda que, como dito, a trama busque por algo mais tradicional, e se afilie a vários tipos de histórias já contadas em Doctor Who, o roteiro de Steve Thompson não é capaz de explorar esses velhos tropos de maneira eficiente. Felizmente, o elenco e o trabalho de direção conseguem elevar a trama para um bom episódio, mas ainda uma entrada esquecível na era do Décimo Primeiro Doutor.
Doctor Who- 6X03: The Curse Of The Black Spot (07 de Maio de 2011)
Direção: Jeremy Webb
Roteiro: Steve Thompson
Elenco: Matt Smith, Karen Gillan, Arthur Darvill, Hugh Bonneville, Oscar Lloyd, Lee Ross, Michael Begley, Tony Lucken, Chris Jarman, Carl McCrystal, Lily Cole, Frances Barber
Duração: 46 Minutos