Quando observamos as primeiras Season Finales da Nova Série de Doctor Who, percebemos como as apostas foram aumentadas a cada arco final. Fomos do destino do mundo em um futuro distante em Bad Wolf/The Parting of The Ways, para uma invasão na Terra contemporânea em Army Of Ghosts/Doomsday, passando pela dominação completa do planeta pelo Mestre em The Sounds of Drums/The last Of The Time Lords, até a iminente destruição do universo em The Stolen Earth/ Journey’s End. Em sua primeira temporada à frente da série, Steven Moffat se esforçou para replicar o formato que Russell T. Davies havia imposto nos anos anteriores, ao mesmo tempo em que acrescentava as suas próprias assinaturas e temas, de modo a criar uma transição suave entre o mandato de seu antecessor e o seu próprio. Assim sendo, o arco The Pandorica Opens/ The Big Bang, se comunica bastante com as Finales anteriores da Nova Série no que diz respeito à sua estrutura, mas ao mesmo tempo subvertendo muitos aspectos dessa mesma estrutura.
Na trama, uma série de pistas espalhadas ao longo do tempo levam o 11º Doutor e Amy a Stonehenge no ano de 101, onde eles encontram a misteriosa River Song passando-se por Cleópatra. O trio logo descobre que a lendária Pandorica, que contém a ameaça mais perigosa do universo, está escondida no local, e algumas das espécies mais letais do cosmo estão cercando o planeta para reclamá-la. O que parecia uma situação desesperadora torna-se ainda mais complicado quando Amy se depara com alguém extremamente importante de seu passado, e o mistério em torno das rachaduras no tempo se revela, ameaçando destruir passado, presente e futuro.
Escrito por Steven Moffat, The Pandorica Opens/ The Big Bang é muito competente em fechar os principais arcos narrativos e temáticos da temporada em um arco final, que se não é a melhor Finale da série, com certeza é a mais consistente. The Pandorica Opens traz em seu início uma série de retornos de personagens vistos nos episódios anteriores, o que é muito bem-vindo por aumentar a sensação de coesão que este final persegue. Tal sensação se torna ainda mais forte com o já antecipado retorno de River, e o mais surpreendente, a volta de Rory, que surge em meio a uma legião romana após a sua aparente morte em Cold Blood. O episódio é habilidoso ao apresentar em sua maior parte uma atmosfera leve, mas que nem por isso renuncia à sensação de ameaça crescente que vai sendo construída, desde o cerco feito por diversas raças alienígenas que já enfrentaram o Doutor, até o angustiante gancho que vê tempo e espaço serem estilhaçados pela explosão da TARDIS. Como dito no começo do texto, a narrativa continua a aumentar as apostas da série, ao promover a reunião de uma série de figuras clássicas do programa, como Daleks, Cybermen, Autons, Sontarans, entre outros, para um enfrentamento com o Time Lord. Moffat sabe reconhecer o potencial de tal premissa para promover momentos de impacto dramático, vide o desafiador discurso do 11º Doutor em Stonehenge, ou o momento em que ele se vê preso na Pandorica cercado por seus inimigos.
Também é digno de nota a forma como o roteiro começa a configurar neste primeiro episódio do arco, a importância do amadurecimento de Amy, ao mostrar a aliança alienígena utilizando as fantasias da garota para atrair o Doutor para a armadilha, embora essas mesmas fantasias também permitam trazer Rory de volta a vida. Essa dualidade está no coração da jornada dramática da companheira nesta temporada, tornando-se ainda mais clara na segunda parte do arco. Há algo ousado na forma como The Big Bang pega o final trágico e sombrio de The Pandorica Opens (que via inclusive uma relutante versão Auton de Rory sendo forçado a ferir Amy mortalmente) e entrega uma aventura amalucada que basicamente ri na cara do apocalipse. Muitos podem argumentar que esse episódio final expõe uma das principais falhas de Moffat como escritor, que é apresentar tragédias de grande impacto dramático para então eliminar ou suavizar as suas consequências com alguma saída fácil, e honestamente, não é um argumento inválido. Por outro lado, em uma temporada tão comprometida com o conceito dos contos de fadas, e com própria figura do Doutor como esse ser fantástico que luta para dar aos seus protegidos um final feliz, é apropriado que o Time Lord consiga desfazer todo mal causado pelas rachaduras no tempo, enquanto se preocupa com o seu novo chapéu.
Apesar de renunciar ao peso que uma catástrofe universal poderia gerar, talvez por reconhecer que a série já havia usado esse peso muitas vezes, The Big Bang compensa isso ao dar um eficiente fechamento emocional para os arcos dramáticos de seus personagens, buscando o drama nas situações micro ao invés das macro. Ao longo da temporada, Rory foi definido por sua devoção por Amy; portanto, a sua transformação no Centurião Solitário que protege a noiva por séculos enquanto ela se recupera na Pandorica carrega uma certa poesia, sem cair no piegas. O Doutor, por sua vez, encerra (pelo menos esse estágio) sua função como o amigo imaginário de Amy, ao não apenas se sacrificar, mas sacrificar a sua própria História para permitir que a companion abandone a fantasia e desfrute uma vida normal ao lado de Rory e da família, que havia sido apagada da existência. Estes trechos são uma boa recompensa por expor a coesão da temporada, ressignificando momentos de episódios anteriores em uma construção muito bem feita do Showrunner.
Mas é no arco de Amy que está o coração de todo o 5º ano da série. Ao longo de treze episódios, acompanhamos uma jornada de amadurecimento da jovem, que foge com o seu amigo imaginário, em uma máquina do tempo, do compromisso da vida adulta representado pelo casamento. Essa relutância da jovem em subir ao altar nunca teve nada a ver com os seus sentimentos por Rory, mas sim com as suas dúvidas em relação ao amadurecimento. É uma metáfora inteligente do roteiro de Moffat sobre se acertar com o próprio passado para ir em frente, pois Amy precisa recuperar a sua história apagada pelas rachaduras no tempo para realmente crescer. E embora amadurecer seja uma parte importante do arco da Companion, seria cínico da parte da série sugerir que, para isso, seria necessário abandonar completamente a imaginação. Afinal, se a história de Amy é importante para ela evoluir, a garota simplesmente não poderia esquecer uma parte tão importante dela quanto o seu amigo imaginário. Parece haver uma defesa de que as fábulas são importantes para a formação de qualquer um, sendo portanto bastante coerente com o que vimos nesta temporada que a forma que Amy encontra para trazer o Doutor de volta seja simplesmente acreditar que ele exista.
O desfecho de The Big Bang defende que o rito de passagem que Amy evitava não é o fim de nada, mas sim o começo de uma nova aventura, que não descarta uma vida empolgante. Nesse sentido, é curioso olhar para a história de Doctor Who e perceber como o casamento foi uma ferramenta narrativa constantemente usada no passado do programa para a partida de companheiras (às vezes de forma bem forçada), porque entendia-se ser um desfecho apropriado para personagens femininas. Nem mesmo a 1ª Era Davies escapou disso, com todas as suas companheiras encerrando as suas histórias casadas. Não há nada de errado com o casamento, e o relacionamento de Amy é uma parte muito importante de sua personagem, mas é muito bom ver uma personagem que se casa e não encerra a sua jornada no altar, continuando a viajar com o Doutor depois disso. O fato de Amy e Rory se casarem, e continuar com as suas aventuras, também sinaliza uma mudança na forma como a série passaria a abordar os companheiros. Até então, tínhamos companheiros que abandonavam as suas vidas normais para poder viajar com o Doutor, mas ao se casar, e levar o marido para a TARDIS, Amy passaria a tentar equilibrar as suas duas vidas, um conflito que se tornaria recorrente para os Companions no restante da era Moffat.
É impressionante observar também o quanto o elenco principal conseguiu se apropriar de seus personagens e desenvolver uma química deliciosa de se assistir. Matt Smith brilha como o 11º Doutor, vendendo com igual desenvoltura o lado ameaçador e tenro de seu personagem; a cena em que ele implora desesperado para os membros da aliança o escutarem enquanto é aprisionado na Pandorica é um dos grandes momentos do ator como o Time Lord. Karen Gillan e Arthur Darvill também estão ótimos como Amy e Rory, nos fazendo rir e chorar com o casal. E claro, não há como deixar de comentar a charmosa participação de Alex Kingston como River Song, que volta a entregar uma personagem histriônica e enigmática na medida certa, sem cair na caricatura.
The Pandorica Opens/The Big Bang é um excelente fechamento para a temporada de estreia da Era do 11º Doutor. Steven Moffat nos entrega uma história fiel à atmosfera fabular que se fez presente durante todo esse quinto ciclo, usando o cenário apocalíptico do fim da existência apenas como um pano de fundo para o amadurecimento interno de seus personagens. É um fechamento de temporada que, embora não seja perfeito, é exemplar por se manter coerente com a narrativa, a atmosfera e aos personagens que acompanhamos nessa fase inicial da dupla Smith/Moffat à frente de Doctor Who.
Doctor Who – 5X12 e 13: The Pandorica Opens / The Big Bang (19 e 26 de Junho de 2010)
Direção: Toby Haynes
Roteiro: Steven Moffat
Elenco: Matt Smith, Karen Gillan, Arthur Darvill, Alex Kingston, Tony Curran, Bill Paterson, Ian McNeice, Sophie Okonedo, Marcus O’Donovan, Clive Wood, Christopher Ryan, Ruari Mears, Paul Kasey, Simon Fisher-Becker, Caitlin Blackwood, Susan Vidler, Halcro Johnston.
Duração: 103 Minutos.