Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who- 5X10: Vincent and The Doctor

Crítica | Doctor Who- 5X10: Vincent and The Doctor

Os diversos tipos de monstros invisíveis.

por Rafael Lima
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Uma das mudanças trazidas por Steven Moffat para a série após se tornar Showrunner foi a forma como este se utilizaria de figuras históricas no show, estando mais interessado em abraçar a mítica em torno dessas figuras do que em humanizá-las. Assim, Vincent and The Doctor é um episódio atípico na Era Moffat, por ser mais próximo da humanização proposta pela Era Davies, mas ao emular as batidas emocionais que os anos anteriores traziam para os episódios de celebridades históricas, a era do Décimo Primeiro Doutor entrega um dos melhores deles. Na trama, ao levar Amy para ver uma exposição da obra de Vincent Van Gogh, o 11º Doutor fica intrigado ao ver o que parece ser uma criatura alienígena em um dos quadros do famoso artista. Dispostos a investigar essa aparição extraterrestre, o Doutor e Amy viajam para a França de 1890, onde contarão com a ajuda do próprio Van Gogh para lidar com a criatura, ao mesmo tempo em que acompanham o pintor ser atormentado por seus demônios internos. 

Escrito por Richard Curtis, Vincent and The Doctor é o episódio de celebridade histórica que mais dá foco em tal figura, com a história de ficção científica sendo usada para dar suporte aos conflitos do personagem ao invés do contrário; bastando observar que a principal ameaça da trama é um monstro invisível; uma boa metáfora para a depressão de Van Gogh. O texto de Curtis, entretanto, está mais interessado na relação de Vincent Van Gogh com o 11º Doutor e Amy do que na caça à criatura. O roteiro trabalha de forma inteligente a forma como a Companion inicialmente enxerga Vincent a partir do imaginário existente em torno dele (vide a hilária cena em que ela compra girassóis para o artista pintá-los), para então passar a desconstruir essa imagem e a enxergar o pintor como um ser humano. Igualmente eficiente é a forma como o roteiro cria mais uma metáfora para a depressão, através do luto que Amy sente pela morte de Rory no episódio anterior, embora ela não seja capaz de lembrar ou mesmo de identificar essa tristeza, devido aos efeitos das rachaduras no tempo, algo não tão diferente dos sintomas da depressão crônica.

Embora seja um episódio que trate de temas melancólicos e sérios como depressão e saúde mental, Vincent and The Doctor traz ótimos momentos de humor e lirismo para contrabalancear os seus aspectos mais sombrios. Enquanto cenas como a que o Doutor tenta brigar com o monstro invisível quando ele não está mais lá nos fazem rir; trechos como Amy, o Doutor e Van Gogh observando o céu estrelado trazem um lirismo muito bem-vindo. A delicadeza do texto em equilibrar a realidade da depressão com a atmosfera esperançosa da série é bastante sentida em seu desfecho, onde mesmo após ir para o futuro e ver o impacto que teria na história, o pintor ainda acaba se suicidando,  e aqui a série oferece uma visão honesta sobre o assunto. Por mais que o Doutor possa fazer coisas incríveis, não existia solução mágica na TARDIS para resolver os problemas de saúde mental que afligia o pintor. O tipo de ajuda que Vincent precisava, infelizmente, estava indisponível na sua época, e nem poderia ser oferecida por um personagem fantástico como o Doutor. Tal escolha poderia fazer todo o clímax envolvendo a visita do artista à exposição soar um pouco cínico, mas o texto defende que mesmo que não tenha sido capaz de salvar a vida de Van Gogh, as ações de Amy e do Doutor ainda fizeram diferença na vida dele, trazendo-lhe algum conforto.

Sendo está uma história muito mais guiada por seus personagens do que pela trama, Vincent and The Doctor coloca mais responsabilidade do que de costume sobre os ombros de seu elenco, mas felizmente eles se saem muito bem. Tony Curran concede ao seu Vincent Van Gogh uma fragilidade comovente e respeitosa, com as cenas envolvendo as crises do pintor sendo especialmente eficientes, ao evitar a armadilha de tornar tais crises excessivamente histriônicas. Karen Gillan, por sua vez, ganha a oportunidade de explorar camadas mais sutis de Amy Pond, devido à tristeza que a personagem nem sabe que carrega, mas que surge em momentos discretos e bem colocados. Por fim, o Doutor acaba ficando responsável por fornecer a maior parte do alívio cômico do episódio, o que permite a Matt Smith utilizar todo o seu talento com humor físico.

O episódio é comandado por Jonny Campbell em sua última colaboração para a série até o momento (2022), que entrega um trabalho estético bastante acurado. Campbell cria enquadramentos muito bonitos, que prestam diversas homenagens às obras de Vincent Van Gogh, como aquele que traz Amy cercada por girassóis; ou a fusão que reproduz o quadro A Noite Estrelada. A fotografia e a direção de arte do episódio também são dignas de nota, ao basearem-se fortemente no estilo de Van Gogh para construir o desenho de luz e a composição dos cenários. A trilha sonora, entretanto, parece abusar demais para arrancar uma emoção do público, não que a série já tenha sido sutil em termos de trilha, mas a utilização da canção Chances no clímax da galeria soou um pouco demais para mim, quando a atuação silenciosa de Curran e o discurso do personagem de Bill Nighy em uma participação especial como o guia do museu, pareciam fornecer tudo o que a cena precisava.

Vincent And The Doctor é um dos episódios mais intimistas da Nova Série, ao propor um mergulho honesto e respeitoso nas angústias que atormentavam a vida de Vincent Van Gogh, mas ainda conseguindo manter a leveza e o senso de diversão que gostamos de ver em Doctor Who. Esta seria a última vez que a Era Moffat produziria um episódio de celebridade histórica nesses moldes, o que é uma pena tendo em vista a ótima história que foi apresentada aqui.

Doctor Who- 5X10: Vincent and The Doctor (Reino Unido, 05 de Junho de 2010)
Direção: Jonny Campbell
Roteiro: Richard Curtis
Elenco: Matt Smith, Karen Gillan, Tony Curran, Nik Howden, Chrissie Cotterill, Sarah Councell, Morgan Overton, Andrew Byrne, Bill Nighy
Duração: 47 Minutos.

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