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Crítica | Doctor Who – 2X02: Lux

Múltiplas realidades.

por Luiz Santiago
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Lux é um daqueles episódios de Doctor Who que vai gerar discussões fortes sobre preferências de uso técnico (refiro-me diretamente à escolha das animações) e caminhos dramáticos; não sendo, portanto, um capítulo de “fácil agradabilidade” por conta da linha de fantasia cômica e autorreferencial, algo mais ou menos parecido com o que tivemos em The Devil’s Chord, o segundo episódio da temporada passada. Combinando live-action e animação com uma ousadia que reflete a disposição da série para experimentar, Lux mistura gêneros e se propõe, acima de tudo, ser uma grande diversão, sem caminhos mirabolantes ou enredo com elementos mais profundos. Ambientado em um cinema de Miami, em 1952, o texto de Russell T. Davies faz o 15º Doutor (Ncuti Gatwa) e Belinda Chandra (Varada Sethu) encontrarem mais um Arauto do Panteão da Discórdia, o Mr. Ring-A-Ding (Alan Cumming, o rei James, de The Witchfinders), ou, simplesmente, Lux. 

A direção de Amanda Brotchie constrói uma atmosfera tensa (primeiro, dentro do terror, utilizando o cinema como ponto de partida), explorando luzes, sombras e enquadramentos que intensificam o mistério, enquanto a relação entre o Doutor e Belinda ganha contornos mais definidos, trazendo uma dinâmica humana que ancora a trama, sempre com um diálogo direto e honesto entre os dois. A narrativa explora o poder da “arte alienadora” através de Mr. Ring-A-Ding, que salta da tela para a realidade, representando a criatividade como uma força que pode inspirar, mas também manipular ou fazer desaparecer o indivíduo que tiver contato com ela, uma ideia reforçada pela história de Reginald Pye (Linus Roache), que se perde em memórias projetadas de sua esposa falecida. A estética cinquentista, com figurinos sóbrios e uma precisa fotografia noturna e romântica, cria um clima nostálgico que conversa com a tradição da série, enquanto a animação, inspirada em estilos clássicos como os do Fleischer Studios, adiciona um charme visual que enriquece a experiência, especialmente porque não utiliza somente um estilo.

Lux Imperator, o deus da luz, cuja manifestação via projeção cinematográfica culmina num desfecho inesperado, é, talvez, o ponto mais discutível aqui. Sobrecarregado por luz, ele se integra ao Universo, em um momento que sugere redenção em vez de mera derrota (diferente do Toymaker, Maestro e Sutekh). A fusão de live-action e animação não é apenas um recurso estilístico do episódio, e eu gostei de todas as suas fases e cenários utilizados, servindo como um reflexo do embate entre real e imaginário, especialmente quando o Doutor e Belinda são transformados em desenhos, um segmento que, nas entrelinhas, brincam com os episódios perdidos de Doctor Who reconstruídos em animação. As atuações de Gatwa e Sethu estão muito bem azeitadas (aqui, o exagero energético do Time Lord está controlado), mesmo em formato animado, enquanto a fantástica dublagem de Cumming entrega um Mr. Ring-A-Ding que equilibra humor e ameaça, sempre roubando a cena. Só não posso tecer elogios para a insistência na colocação da Sra. Flood (Anita Dobson), com suas falas enigmáticas sobre o fim da série em 24 de maio de 2025, um excesso de meta-narrativa que, agora, mais me irrita do que intriga.

Ver o Doutor interagindo com whovians e comentando críticas à série ou à sua própria existência como personagem é um dos momentos mais provocadores de Lux, reconhecendo a relação ambivalente dos fãs com a Era Disney e a preferência de muita gente por Blink. Essa autoconsciência, embora arriscada, injeta humor e proximidade com o público, convidando-o a pensar sobre sua conexão com a história de Doctor Who e fazendo o Doutor ter acesso a múltiplas realidades, uma das temáticas que cerca essa Era desde a birregeneração. A escolha de misturar estilos de projeção e de levar os personagens para além da tela, até a sala de estar dos fãs, reforça a ideia de que a ficção não é inofensiva — ela molda, desafia e, às vezes, invade a realidade. A narrativa não se contenta em entreter; ela questiona até que ponto nos agarramos ao legado, como Reginald Pye, ou como os fãs que se apegam de maneira engessada e intransigente a Eras passadas da série, um tema que ganha peso na obsessão por memórias. A direção de Brotchie mantém o equilíbrio entre tensão, leveza e experimentação, mesmo que o segmento animado divida opiniões, com alguns vendo charme retrô e outros uma execução desajeitada.

Dentre muitas coisas, Lux é um tributo à história de Doctor Who e um comentário sobre o poder das histórias que contamos. O episódio diverte muito com sua inventividade visual e nos provoca ao sugerir que a arte, como a luz de Lux Imperator, pode iluminar, cegar, prender ou libertar, dependendo de como a enfrentamos ou usamos. O desafio está em saber quando sair da plateia e voltar para o mundo real, onde existimos. É uma reflexão que transcende a tela, instigando-nos a questionar o que assistimos e o que projetamos de nós mesmos nessa dimensão, como autores de nossas próprias tramas, decidindo que vidas iluminaremos ao nosso redor. 

Doctor Who – 2X02: Lux — Reino Unido, 13 de abril de 2025
Direção: Amanda Brotchie
Roteiro: Russell T. Davies
Elenco: Ncuti Gatwa, Varada Sethu, Ian Shaw, Cassius Hackforth, Ryan Speakman, Linus Roache, Alan Cumming, Millie O’Connell, Lewis Cornay, Lucy Thackeray, Jane Hancock, William Meredith, Samir Arrian, Bronte Barbe, Steph Lacey, Anita Dobson
Duração: 46 min.

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