Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – 1X01: Bebês do Espaço (Space Babies)

Crítica | Doctor Who – 1X01: Bebês do Espaço (Space Babies)

Bebês a bordo.

por Luiz Santiago
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Bebês do Espaço (Space Babies) é um episódio histórico de Doctor Who; um capítulo para o qual voltaremos muitas e muitas vezes no futuro, não exatamente por conta de sua qualidade (o que não significa que este seja um episódio ruim, que fique claro), mas pelo seu contexto em relação à série, ou seja, pelo que representa no meio de todos os ajustes mercadológicos e de produção executiva a partir desta nova temporada, parcialmente produzida e distribuída pela Disney. É a segunda reformulação atravessada pelo clássico show britânico, sendo a primeira iniciada com Rose, em 2005, uma aventura protagonizada pelo 9º Doutor e também escrita por Russell T. Davies. Dezenove anos depois, o mesmo showrunner faz parte de uma retomada conceitual e estrutural do programa, retrabalhando, inclusive, diversos ingredientes do passado — embora com significado completamente diferente –, como o desaparecimento dos Time Lords (não mais por conta da Guerra do Tempo) e a falsa tag de “último da espécie” para o Doutor.

Ao menos uma grande parte desse novo tom já tinha sido vista no Especial de Natal de 2023 (A Igreja da Rua Ruby), mas agora, com o início da Nova-Nova Série, todas as cartas foram colocadas na mesa e, antes mesmo de adentrarmos ao objeto central desta crítica, devemos nos endereçar à produção. Não dá para fingir que estamos diante da mesma Doctor Who, certo? Os dois capítulos lançados no último 10 de maio de 2024 deixam bem claro. Isso posto — e considerando o que já foi mostrado até agora –, é perfeitamente possível entender os que irão traçar aqui uma linha de afastamento. O tom, os temas, o estilo de escrita (e olha que estamos falando de alguém que conhecemos muito bem!), o foco, o tipo de personagem e a linha dramática do show são outras e, para alguns, esse novo olhar será inconciliável. Se nossa fortuna crítica já apontava um forte rompimento estilístico, dramático e narrativo após a estreia de The Woman Who Fell to Earth (2018), com a 13ª Doutora, este Bebês do Espaço faz um trabalho ainda maior nessa seara, assumindo muito bem o “início de uma nova série“.

De minha parte, embora este não seja um caminho de produção que eu prefira, busque ou veja como ideal para Doctor Who (muito pelo contrário, aliás), entendo a necessidade de mudança e avalio que a reformulação veio com um aceitável nível de qualidade. Pelo menos nesse início, julgo-a digna de herdar o cânone. Meu ponto é que, diante dessa abordagem muito mais leve — quase infantil, na verdade –; mais alinhada às questões em discussão na contemporaneidade e (infelizmente) muitíssimo menos preocupada com a sisuda imagem de Doctor Who, o que nos foi entregue faz total sentido diante da proposta, com um enredo “mais do mesmo” bem azeitado, podado e perfeitamente ciente daquilo que é. O maior ponto aqui vai para a equipe de produção, que não está disfarçando nada, não está querendo fazer parecer que “tudo permanece o mesmo” e nem está forçando uma marca clássica com cara nova. Tudo aqui abraça os novos ares.

Uma fantasia sci-fi protagonizada por bebês tendo como plano de fundo um tipo de “história de ninar à la metáfora da primeira infância” foi uma baita escolha de Davies para dar o pontapé inicial nessa 1ª Temporada. Pela simplicidade da temática é possível ligar o mistério da existência de Ruby (num ensaio de “Clara 2.0“, só que sem a sensualidade) a tudo o que está acontecendo e, de sobra, estabelecer o contato dela com o Doutor, a primeira viagem na TARDIS e o novo jeito de se abordar uma problemática na série. Por mais que o texto não seja exatamente de grande qualidade e os bebês falantes sejam o puro Vale da Estranheza, a ideia geral se sustenta muito bem. Ncuti Gatwa é um monstro de energia e sustenta com enorme simpatia a parte dramatúrgica do episódio. Já Millie Gibson, apesar de ser um elo dramatúrgico interessante, não está no mesmo nível que o colega, especialmente no início do episódio. Ainda assim, cria uma Ruby com um grau de fofura que combina com a atmosfera do episódio e dá a oportunidade de um bom desenvolvimento da personagem, uma vez que, ao que tudo indica, ela não é o que parece.

Os caminhos dessa nova versão de Doctor Who podem lembrar pontos isolados ou tratamentos muito específicos do passado da série, principalmente da Era Chibnall (aqui, com ecos de Tsuranga Conundrum, por exemplo), mas há muita coisa nova e muita coragem envolvida nessa roupagem. Evidente que não é o tipo de direção que cabe ao paladar artístico de todo mundo, mas, ao menos nesse primeiro momento, funcionou muito bem comigo, a despeito de todos os seus tropeços, exageros e ausências. O mistério, a comicidade e a ternura em cena (além da excelente trilha sonora, fotografia e direção de arte) superam a estranheza da novidade e faz tudo terminar num saldo positivo. Não era o que eu queria para a série, mas suponho que será prazeroso caminhar ao lado dessa nova-velha amiga em seu mais novo processo de transformação. Mergulhemos juntos nos novos tempos. A nova Doctor Who já está entre nós.

Doctor Who – 1X01: Space Babies (Reino Unido, 10 de maio de 2024)
Direção: Julie Anne Robinson
Roteiro: Russell T. Davies
Elenco: Ncuti Gatwa, Millie Gibson, Sami Amber, Lonnee Archibong, Yasmine Bouabid, Michelle Greenidge, Bettina Kenney, Mason McCumskey, Shola Olaitan-Ajiboye, Jesus Reyes Ortiz, Param Patel, Golda Rosheuvel, Robert Strange, Cadence Williams, Angela Wynter
Duração: 48 min.

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