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Crítica | Doctor Who – 11X03: Rosa

por Luiz Santiago
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No dia 1º de Dezembro de 1955, uma costureira de nome Rosa Parks se recusou a ceder lugar no ônibus para uma pessoa branca. Sua prisão, naquele dia, deu início ao movimento do “boicote aos ônibus de Montgomery” — que um ano depois aboliria a divisão racial nos carros — e foi uma das sementes para o início da luta contra a segregação racial nos Estados Unidos. Neste emocionante terceiro episódio da 11ª Temporada, a Doutora e seus companheiros chegam a Montgomery um dia antes do grande evento. Mas já existe alguém na cidade tentando fazer com que esse ato que ajudaria a mudar a História da população negra nos Estados Unidos (e inspiraria outras lutas fora do país) não acontecesse.

Temos dois momentos representados aqui. Primeiro, em 1943, quando vemos uma jovem Rosa Parks ser repreendida por um motorista por não usar a “sua entrada de preta” no ônibus. Depois, em 1955, onde a ação principal acontece. A primeira coisa que se destaca nesse episódio é o tom com que a problemática do racismo e as distintas formas de segregação étnica são exercidas em uma sociedade. Sim, nós já tivemos isso antes na série (das mais recentes, até hoje, abro o maior sorriso quando lembro daquele soco que o 12º Doutor deu em Sutcliffe, em Thin Ice), mas aqui, a abordagem é diferente. Não há um grande plot alienígena em cena com questões raciais tratadas como metáfora, símbolo ou alegoria. E não me entendam mal, eu gosto de todos esses formatos, mas vejam que se exige muito mais coragem e solidez de um roteiro em utilizar essa temática como um assunto direto para um episódio de uma série de ficção científica como Doctor Who. E eis-nos aqui.

O antagonista da história, Krasko (Josh Bowman, ótimo no papel), é um foragido de Stormcage (mesma prisão onde River esteve) e parece ter cometido um crime racial com milhares de mortos, pela forma como o roteiro de Malorie Blackman (autora do excelente conto O Efeito de Propagação) e Chris Chibnall concluem o arco do personagem. Sem poder realmente ferir pessoas, Krasko pretendia mudar pequenos eventos históricos e fica claro, embora não seja didaticamente explicitado, que sua intenção em impedir que o ato de Rosa Parks realmente acontecesse era para que a população negra jamais tivesse o impulso para iniciar abertamente sua luta por direitos civis e a emancipação racial jamais tivesse lugar na História. Imaginem só isso.

Identificando traços de Energia Artron no local, a Doutora resolve investigar e acaba sendo envolvida em uma maré de acontecimentos que irá atingir Ryan, Yas e Graham de maneiras bem diferentes. Minha aposta em The Ghost Monument era que teríamos aqui um maior destaque para Yas, mas acabou que o roteiro trabalhou de maneira orgânica e muitíssimo interessante os três acompanhantes. Eu normalmente temo muitas segmentações em capítulos de séries, não porque não gosto disso, mas porque geralmente os roteiros não conseguem conectar bem todas essas partes. Em Rosa, no entanto, isso não acontece.

Claro que a gente pode questionar que não foi nada sábio mandar Ryan assumir algumas tarefas sozinho na cidade (especialmente após o aviso da própria Parks sobre o que aconteceu com Emmett Till), mas convenhamos, não é algo inverossímil, é apenas arriscados demais. Aqui, mesmo com todas essas separações para mostrar momentos individuais ou em dupla, temos um fechamento bem pensado para todas as janelas e uma objetiva ligação com o corpo geral do episódio. E eu não poderia deixar de destacar a soberba interpretação de Bradley Walsh nesse episódio. A expressão de profunda dor, empatia e desespero dele naquele ônibus, sem poder ajudar Rosa, me tocaram. Aqui, o personagem definitivamente me ganhou. Agora só falta Yas.

Ao som de Rise Up, de Andra Day (que escolha e que momento para colocar uma canção como essa!), o episódio chega à sua marca final com o ato de rebeldia civil de Rosa Parks que, sem saber, estava mudando o rumo da História para a comunidade negra em seu país. Eu não pude conter as lágrimas nesse momento — o apelo de resistência, nos últimos tempos, tem me cercado, devido a questões nacionais, e tudo o que é desobediência civil me faz aplaudir e me emocionar — e pude aproveitar a delicadeza e ao mesmo tempo objetividade da direção de Mark Tonderai nesse momento, que trabalha com simplicidade a parte visual e deixa no significado e na música o papel de fechar a ligação emotiva que o texto evoca. Aliás, mais um capítulo com um baita uso de trilha sonora, com temas muito bonitos. O diálogo e o contraponto entre trilha e cenas, nessa temporada, tem sido algo totalmente novo na série e é muito bem ver isso acontecer.

O final, com a sequência professoral da Doutora, normalmente me faria torcer um pouco o nariz, mas isso não aconteceu aqui. E volto ao que disse no começo: tudo está no tom. A explicação final da Doutora é uma ponte entre o momento de clímax do episódio e o momento final. Essa passagem é feita com os pés no chão, apontando para as dificuldades (a despeito das vitórias no meio do caminho) e o legado que essa grande mulher, essa pioneira, deixou para todos nós, tendo também a sua marca no Universo. Que episódio lindo e importante! Que vontade de abraçar alguém depois daquela última cena…

Doctor Who – 11X03: Rosa (Reino Unido, 21 de outubro de 2018)
Direção: Mark Tonderai
Roteiro: Malorie Blackman, Chris Chibnall
Elenco: Jodie Whittaker, Josh Bowman, Tosin Cole, Morgan Deare, David Dukas, Mandip Gill, Vinette Robinson, Mark Hugh-Williams, Richard Lothian, Gareth Marks, Aki Omoshaybi, Jessica Preddy, David Rubin, Ray Sesay, Bradley Walsh, Trevor White
Duração: 48 min.

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