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Crítica | Django (1966)

por Ritter Fan
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Django foi um fenômeno em sua época, gerando dezenas de longas não oficiais com título e/ou personagem batizado com o característico nome que indiretamente ajudaram a conectar Sergio Corbucci e Franco Nero de maneira indelével ao imaginário popular dos faroestes europeus, mais precisamente dos westerns spaghetti. Mesmo tendo tido sua gênese como uma forma de declaradamente capitalizar em cima do sucesso de Por Um Punhado de Dólares, de dois anos antes, com direito à inspiração também em Yojimbo, de Akira Kurosawa, e a escalação de Nero, ator italiano de feições semelhantes às de Clint Eastwood, em seu primeiro papel principal, e mesmo tendo sido produzido a toque de caixa, com as filmagens começando apenas com esboços de roteiro que mudavam diariamente, a grande verdade é que Django tem inegavelmente personalidade própria e merecidamente tornou-se o fenômeno cult que perdura até hoje, com homenagens diretas em, por exemplo, longas japoneses como Sukiyaki Western Django, de Takashi Miike e americanos como Django Livre, de Quentin Tarantino.

Sob qualquer forma de análise, se compararmos Django com sua inspiração direta, Por Um Punhado de Dólares, veremos somente as fragilidades do longa de Corbucci, pelo que reputo desnecessário esse olhar. Afinal, é inegável que o cineasta, aqui, não tem nem de longe o finesse de seu colega Sergio Leone, com o roteiro que ele co-escreveu não sendo muito mais do que uma sucessão episódica de situações criadas para fazer o ex-soldado da União e pistoleiro Django brilhar com aquele heroísmo cínico e violento que aprendemos a esperar de filmes assim. A direção é bruta, seca, com enquadramentos básicos, close-ups pouco imaginativos e uma cadência que a montagem de Nino Baragli e Sergio Montanari não conseguem tornar menos do que episódica.

No entanto, mesmo assim Django é um longa que vive descaradamente de sua iconografia, de sua estética, de momentos isolados que podemos sim chamar de inesquecíveis, resultando em um conjunto que, mesmo galgado propositalmente em obra anterior, tem personalidade e desenvolvimento próprios, inclusive afastando-se consideravelmente, em seu terço final, da estrutura estabelecida por Yojimbo, algo que o longa de Leone não faz. Notem, por exemplo, o figurino de Franco Nero como o personagem titular. No lugar de uma abordagem clássica do pistoleiro de chapéu, colete e armas em coldres na cintura, Django é uma mistura de soldado, ainda usando o que restou de seu uniforme e de cowboy silencioso, mas nem tanto assim, já que ele quando fala, fala bastante até. Além disso, é impossível não ser fisgado pela sequência de abertura ao som da canção-tema em inglês (a que foi usada no filme original é mesmo em inglês, com a versão italiana de Roberto Fia sendo lançada posteriormente apenas como parte da trilha sonora) em que vemos Django carregando a sela de seu cavalo em um ombro e puxando um caixão. Não poderia ser mais épico e misterioso.

O que segue daí trabalha um fiapo de história que é ao mesmo tempo um filme de roubo e de vingança, com tudo gravitando ao redor de Django depois que ele salva a prostituta María (Loredana Nusciak) da morte certa pelas mãos da gangue de Camisas Vermelhas comandada pelo Major Jackson (Eduardo Fajardo), levando-a até o saloon e bordel comandado por Nathaniel (Ángel Álvarez), o único lugar com vida de uma cidadezinha completamente enlameada (elemento que daria nome ao que se convencionou chamar de Trilogia da Lama e do Sangue de Corbucci, com Django sendo o primeiro “capítulo”) na fronteira entre México e Estados Unidos que é também visitada pelo grupo de revolucionários mexicanos comandado pelo General Hugo Rodríguez (José Bódalo). Aliás, a cidade quase fantasma de atmosfera lúgubre e deprimente é, assim como o figurino de Django, um triunfo do design de produção sob restrições orçamentárias, criando uma localidade ao mesmo tempo realista e fantasmagórica que combina muito bem com a desesperança e, principalmente, a extrema violência que perpassa o longa, com a fotografia de Enzo Barboni sugando completamente a vivacidade das cores do deserto ao redor e dos vestidos e maquiagem das prostitutas e criando o que mais parece um enorme chiqueiro ao ar livre que chega a dar impressão de cheiro ruim no ar.

Essa violência extremada, aliás, é outra marca de Django que o ajudou a se tornar imediatamente afamado mundo afora, sendo inclusive proibido em alguns países. Não é nada que assuste em comparação com os parâmetros atuais, até porque a ausência de sangue – comum nesses filmes – e as mortes exageradas e teatrais chegam a ser hilárias, mas o que falta em história no roteiro é compensado pela contagem de corpos, a grande maioria deles cortesia do protagonista, mas com muitos momentos revoltantes, especialmente o “tiro ao alvo” em mexicanos desesperados pela gangue de Jackson. A morte ronda o filme desde seus momentos iniciais com Django carregando o obviamente simbólico caixão (e, se Corbucci copiou Leone, Leone copiou Corbucci ao encher um caixão de ouro em Três Homens em Conflito) e Corbucci não perde oportunidade alguma para trabalhar grandes e exuberantes momentos de empilhamento de corpos com o mesmo cuidado que lida com momentos mais intimistas, como a fuga de Django e María ou, claro, o icônico duelo final no cemitério que, segundo dizem, justifica o batismo do personagem principal a partir do nome do músico Django Reinhardt, que foi um virtuoso da guitarra apesar de ter dois dedos paralisados em sua mão esquerda.

Para completar esse conjunto excepcional de forma sobre substância, não há como esquecermos da trilha sonora composta por Luis Bacalov, em seu primeiro faroeste. O compositor ítalo-argetino, egresso de trabalhos em obras como O Evangelho Segundo São Mateus, talvez, como Corbucci em relação a Leone, não tenha a categoria de Ennio Morricone em composições do gênero, mas eu arriscaria dizer que o que ele faz no longa, mesmo muito claramente bebendo do compositor da Trilogia dos Dólares, é o equivalente sonoro ao que o nome Django passou a representar para pistoleiros estoicos, ou seja, ele criou um magnífico lugar-comum (e não interpretem essa classificação como negativa, pois não é nem de longe a intenção) que se tornou parâmetro para faroestes da mesma maneira de os trabalhos de seu citado colega. Basta fechar os olhos quando os acordes iniciais da música tema, La Corsa, Fango Giallo ou Duello nel Fango começam a tocar para que imediatamente sejamos arremessados a uma conclusão inescapável de que eles estão presentes – integralmente, adaptados ou servindo de inspiração – em um sem-número gigantesco de outras trilhas ao ponto de sequer conseguirmos apontar o dedo de volta para Bacalov como a fonte de tudo, o que é, lógico, uma injustiça.

Django pode ter nascido como basicamente um plágio (o que ele tecnicamente não é, para ser sincero), mas Corbucci, Nero, Barboni, Bacalov e demais membros do elenco e da equipe ténica transformaram a obra em um animal bem diferente e fascinante de sua própria maneira. É o faroeste spaghetti na versão mais gutural, brutal e violenta possível, mas com um verniz imagético polido e surpreendente que fica com o espectador muito tempo depois que Fine aparece na tela em letras garrafais.

P.s. A versão dublada em inglês de Django é, provavelmente, mais conhecida que a versão original italiana (que também tem dublagens em italiano, vale lembrar) neste lado do Oceano Atlântico e, provavelmente, mais facilmente encontrável, mas há diferenças significativas na tradução do roteiro para o inglês que, em muitos casos, ecoou na versão brasileira dublada, pelo que é recomendável assistir o longa realmente com as vozes originais, o que, aliás, deveria ser a regra para todo e qualquer filme, mas essa é outra conversa.

Django (Idem – Itália/Espanha, 1966)
Direção: Sergio Corbucci
Roteiro: Sergio Corbucci, Bruno Corbucci, Franco Rossetti, Piero Vivarelli (baseado em obra de Akira Kurosawa)
Elenco: Franco Nero, José Canalejas, José Bódalo, Loredana Nusciak, Angel Alvarez, Eduardo Fajardo, Gino Pernice, Simon Arriaga, Giovanni, Remo De Angelis, Raphael Abaicin, Lucio De Santis, Silvana Bacci, Guillermo Méndez, José Terrón
Duração: 91 min.

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