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Crítica | Dívida de Honra

por Gabriela Miranda
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A fotografia da terra inóspita. O desconforto é uma sensação árida e vazia estreitamente captada pelas lentes do diretor de fotografia Rodrigo Pietro neste novo filme dirigido por Tommy Lee Jones. Mesmo com uma centralização das imagens, existe algo para descompensar o quadro e causar a sensação de incômodo durante as sequências iniciais e isso diz muito sobre a personagem central.  A amplitude da terra é tão vasta que a solidão se torna a companheira mais sincera de Mary Bee Cuddy, interpretada de uma forma bastante controlada por Hilary Swank. Ela é uma mulher rígida e convicta de sua capacidade de prover por si mesma, mas ela tem a vontade sincera e se sente no dever de ter uma vida conforme prega o rosário, com marido e filhos para cuidar. Essa dualidade e frustração a tornam descompensada e a fotografia ajuda em transmitir isso com sutileza.

Considerado um dos últimos grandes filmes do gênero, Os Imperdoáveis, de Clint Eastwood pode muito bem marcar a singularidade desta história contada, desta vez, por vozes e berros femininos em dicotomia com os que vieram antes. Dívida de Honra tem a original capacidade de reacender as fagulhas do faroeste há muito conservadas em brasa, por conseguir impregnar a história de olhares destoantes e que conseguem se relacionar, a partir do estranhamento, com a concepção de mundo que existe hoje — ultimamente os filmes têm se desdobrado em histórias sobre mulheres fortes e este é um filme feito por homens com e para mulheres. E é interessante apontar que Cuddy não precisa ser constantemente livre de dúvidas e fragilidades para demonstrar força.

A trama ganha impulso com a convocação da pequena sociedade por um “Homesman”, um homem de confiança, alguém que preza pelo bem da comunidade para transportar três mulheres de Nebraska para Iowa. Mas não é um homem que assume a tarefa. O desgaste da vida no Velho Oeste, em 1885, é o cenário que incorpora a loucura vivida por essas mulheres. Aqui as cenas são inesperadas e impactam com força. Não há espaço para explicações mastigadas e reincidentes, como de costume em roteiros de Hollywood. O vazio é o que diz mais, como se esta fosse uma história com vários pedaços de páginas em branco entre um ponto e outro. Esse respiro na narrativa é também o que entrega a impressão de sufocamento, que é uma constante figura no filme.

Como diretor, Tommy Lee Jones, se debruça em detalhes e minúcias cheios de poesia e silêncio, como em uma das cenas em que Cuddy lava roupa no meio do deserto e a cena corta para o varal improvisado em cima da carroça. Uma cena simbólica e que faz reverência ao gênero é a de George Briggs, interpretado pelo diretor, preso ao tronco de uma árvore com um pedaço de corda em volta do pescoço e um cavalo pronto para se mover e enforcar o homem desprovido de honra, aos olhos da sociedade.

As cenas com as três atrizes vêm como um susto puxar o espectador para a realidade sofrida e brutal da loucura enraizada nos olhos delas, que sufocam as vozes de quem eram para dar lugar a gemidos e gritos desconcertantes. A vida é apagada delas. Elas se tornam parte da paisagem hostil. Por conta do ambiente inóspito, a sobrevivência versus a decência humana é um dos temas explorados, algo notável na cena em que Briggs toma um abrigo que guardava o defunto de um índio, para se proteger do frio. Em contrapartida existe uma doçura na confiança de Cuddy, advinda da fé, que a faz ter compaixão das mulheres pelas quais se tornou responsável. Dar de beber a uma boneca com um dedal é um detalhe muito gracioso.

É esta peculiar beleza trançada na narrativa dolorosa que arrebata o espectador. As rasteiras da vida e os tropeços aqui e ali vão dando forma ao caminho percorrido por este grupo de pessoas com diferentes histórias, mas com algo em comum: a humanidade.

Dívida de Honra (The Homesman, EUA e França – 2014)
Diretor: Tommy Lee Jones
Roteiro: Tommy Lee Jones, Kieran Fitzgerald e Wesley A. Oliver baseado no livro de Glendon Swarthout
Elenco: Tommy Lee Jones, Hilary Swank, Grace Gummer, Miranda Otto, Sonja Richter, Meryl Streep, Jo Harvey Allen, Barry Corbin, David Dencik e William Fichtner, entre outros.
Duração: 122 min.

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