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Crítica | Divertida Mente 2

Terapia cinematográfica.

por Ritter Fan
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Nadando na contramão do que muitos talvez achem, tenho para mim que a Pixar não erra. O bem-sucedido estúdio especializado em animações de computação gráfica que teve origem nas entranhas da LucasFilm nem sempre acerta no patamar de suas grandes e várias obras-primas, sou o primeiro a admitir, mas que produtora audiovisual acerta nesse nível sempre, não é mesmo? Exigir que os pontos altos de uma empresa ou de uma pessoa sejam o constante sarrafo a ser ultrapassado é irreal e até injusto e, em uma Hollywood feita de cópias, é importante apreciarmos aqueles que não recorrem sempre a continuações para fazer apenas mais do mesmo, pois, dos seis longas da Pixar lançados no conturbado período pandêmico entre 2020 e 2023, apenas um foi baseado em material anterior, sendo que nem continuação Lightyear é exatamente. E, quando os magos digitais de Emeryville se dispõem a fazer continuações propriamente ditas, os resultados são costumeiramente assombrosos, como é o caso de Divertida Mente 2.

Em 2015, a Pixar lançava Divertida Mente, longa que marcou o retorno de Pete Docter à direção desde Up – Altas Aventuras (ainda o melhor da produtora, para mim), seis anos antes, e que foi um sucesso instantâneo de crítica e de público, lidando brilhantemente com as emoções na mente de uma menina de 11 anos que acabara de passar por uma alteração radical, sua mudança, com os pais, de Minnesota para São Francisco. Agora, nove anos depois no tempo real e dois anos depois na vida da jovem Riley (Kensington Tallman dando voz à personagem no lugar de Kaitlyn Dias), Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojinho (Amy Poehler, Phyllis Smith e Lewis Black retornando como os três primeiros e Tony Hale e Liza Lapira substituindo Bill Hader e Mindy Kaling como os dois últimos) precisam lidar com a temida adolescência da jovem, fase de emoções mais complexas que, para surpresa das cinco veteranas, chegam para tomar (e perder) o controle da situação.

Apesar de Docter, desta vez, ter créditos, apenas, de produtor executivo (ok, ele faz também a voz do Raiva do pai de Riley), com a direção tendo sido passada para Kelsey Mann, um veterano da Pixar na área artística que comanda seu primeiro longa, com o roteiro ficando por conta de Meg LeFauve (corroterista do primeiro filme e roteirista de O Bom Dinossauro) e Dave Holstein, o único sem experiência na empresa, o resultado poderia muito facilmente ser algo saído de sua batuta mágica. É inegável que, narrativamente, o roteiro segue quase que exatamente a mesma estrutura do longa original, com realizações e conclusões de Alegria acontecendo da mesma maneira a partir de mudanças na vida de Riley, mas, desta vez, mesmo considerando que o fator novidade, como em qualquer continuação, se foi, o texto de LeFauve e Holstein mostra ousadia em lidar com uma emoção muito proximamente associada à distúrbios mentais, dando-lhe uma abordagem divertida, claro, mas que ao mesmo tempo em momento algum a minimiza.

Falo, claro, de Ansiedade (voz de Maya Hawke), a líder natural do novo grupo de emoções composto também de Inveja (Ayo Edebiri), Tédio (Adèle Exarchopoulos) e Vergonha (Paul Walter Hauser) que, depois que o “alarme de puberdade” toca, aparece na central de comando de Alegria e companhia para quase que literalmente tocar o terror. O cuidado do roteiro em lidar com a complexidade do amadurecimento de uma criança e da forma como isso se manifesta em suas emoções é de se tirar o chapéu e funciona como uma espécie de terapia lúdica que talvez prepare os pequenos para o que está por vir e certamente ajuda os pais e avós a entenderem seus filhos e netos em um ambiente moderno em que termos psicológicos e psiquiátricos são talvez mais conhecidos e empregados amadoristicamente do que deveriam, o que funciona, em muitas situações, até mesmo como catalisadores de problemas mais sérios. Além disso, creio que muitos que sofrem de ansiedade consigam ver, no filme, a manifestação do que sentem, o que pode também ser uma ferramenta importante para o tratamento.

A continuação é, provavelmente, um filme mais verborrágico, que privilegia diálogos e não a ação, algo que o primeiro equilibrava melhor, mas o assunto central exige isso para não se perder e a boa notícia é que os diálogos nunca são didáticos e simplistas, sempre trabalhando seu grande foco de maneira respeitosa, ensinando por meio de uma narrativa que segue uma lógica de desenvolvimento perfeita que, como já disse, espelha a construção do longa de 2015. Esse espelhamento, que alguns podem interpretar como preguiça imaginativa, é, para mim, uma forma de tirar do caminho da história os destalhes desimportantes ou, talvez melhor dizendo, uma forma de lidar com um assunto complexo sem complicar a jornada, entregando um caminho macro mais familiar para que o que realmente importa permaneça constantemente no centro das atenções.

Com isso eu não quero de forma alguma dizer que os roteiristas descanaram em berço esplêndido e repetiram o que vimos antes. Nada disso. No aspecto mais granular, há muitas novidades interessantes lá dentro da mente de Riley enquanto ela, prestes a entrar no ensino médio, passa um final de semana em um “acampamento” de hockey no gelo com suas duas melhores amigas. Entre as memórias que se tornam Convicções e contribuem para forma o Senso de Si, o Fundo da Mente que é um depósito para Memórias Rejeitadas, o Abismo do Sarcasmo (que, em inglês, funciona perfeitamente, já que “sarcasm” pode ser lido como “sar-chasm“, com “chasm” significando “abismo”), o Toró de Ideias, o rio que representa o Fluxo de Consciência (novamente, fica melhor em inglês, já que “Stream of Consciousness” pode ser traduzido como Rio da Consciência)  e as memórias esquecidas de Riley, há uma riqueza criativa que é lindamente representada visualmente pela equipe de design, uma marca da Pixar desde quando fazia seus curtas experimentais e que, claro, vale para a representação das novas emoções. Acontece que esses elementos todos são menos relevantes para a história do que foram no primeiro filme, e, com isso, permanecem em uma espécie de segundo plano que pode dar a impressão da verborragia que mencionei mais acima, algo que me parece ser só mesmo impressão, já que fiquei muito bem impressionado pela forma adulta e inteligente como a ansiedade foi tratada.

O que não é impressão é o frenesi da narrativa. Apesar de uma minutagem quase idêntica à do primeiro filme (a continuação é um minuto mais longa), Divertida Mente 2 é corrido, sôfrego, quase como uma representação metalinguística da própria Ansiedade. Mesmo que a ideia possa ter sido justamente essa, o que não tenho ideia se foi, mas não duvido nada que tenha sido, creio que esse foi o pecado de Kelsey Mann e da montadora Maurissa Horwitz, já que isso acabou reduzindo o espaço dedicado às novas emoções que não sejam a Ansiedade, claro, que conta com um trabalho de voz de Maya Hawke que é da mais alta qualidade, quase desesperador às vezes. A pequenina Inveja, o grandalhão Vergonha e a… francesa metida ou metida à francesa… Tédio (minha personagem nova favorita, aliás) acabaram com participações utilitárias que impediram uma conexão maior com eles.

Com uma jornada mais pessoal de Riley por meio de sua luta com novas emoções relacionadas à sua adolescência, Divertida Mente 2 é um primor de narrativa audiovisual que trata um assunto espinhoso e complexo com toda a vibração, qualidade, humor e também seriedade que aprendemos a esperar da Pixar. Mais uma continuação do mais alto gabarito para um estúdio que, mesmo quando erra, parece acertar. Quem está ansioso pelo próximo projeto deles, hein?

Obs: Há cenas de meio de crédito (divertida) e de final de crédito (não tão divertida).

Divertida Mente 2 (Inside Out 2 – EUA, 2024)
Direção: Kelsey Mann
Roteiro: Meg LeFauve, Dave Holstein
Elenco: Amy Poehler, Maya Hawke, Kensington Tallman, Liza Lapira, Tony Hale, Lewis Black, Phyllis Smith, Ayo Edebiri, Lilimar, Grace Lu, Sumayyah Nuriddin-Green, Adèle Exarchopoulos, Diane Lane, Kyle MacLachlan, Paul Walter Hauser, Yvette Nicole Brown, Ron Funches, Yong Yea, James Austin Johnson, Steve Purcell, Dave Goelz, Kirk Thatcher, Frank Oz, Paula Pell, June Squibb
Duração: 96 min.

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