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Crítica | Diva, de José de Alencar

Sem se estabelecer como continuação de Lucíola, mas com suas conexões, romance documenta a vida social fluminense do século XIX.

por Leonardo Campos
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As narrativas epistolares, que se manifestam por meio de cartas, e-mails ou outros formatos de comunicação escrita, ocupam um espaço singular na literatura. Dentre tantos autores da história da literatura que usaram dessa técnica, José de Alencar é um deles, não apenas fornece uma perspectiva íntima e pessoal dos personagens, mas também permite uma construção narrativa inovadora que revela suas emoções, conflitos e transformações ao longo da trama. Na publicação aqui analisada, a história exposta não é completamente epistolar, mas entrega ao leitor um documento do tipo logo em sua abertura, escolha do autor para evidenciar o tom emocional do relato que o leitor acompanhará ao longo de seus 20 capítulos curtinhos. Diva, lido pelas gerações atuais, pode ser uma proposta desafiadora, pois o tom excessivamente descritivo da literatura romântica, no entanto, é uma das tramas mais breves do escritor, conteúdo que pode ser encarado tranquilamente, tanto numa perspectiva pedagógica quanto em alguma demanda diletante.

Ao longo de suas 95 páginas, Diva conta a história de Emília Duarte, uma adolescente que é marcada por uma personalidade retraída e avessa ao contato físico, que desconfia e teme a aproximação de estranhos. A trama é narrada em primeira pessoa por Augusto Amaral, um médico recém-formado que é chamado para atender Emília após uma grave enfermidade que a leva quase à morte. Sua dedicação à paciente é em vão, pois Emília se recusa a ser tocada e teme que ele queira algo em troca de sua ajuda, gerando uma série de conflitos entre os dois. Essa relação tumultuada, típica dos romances folhetinescos, revela não apenas a instabilidade emocional da personagem, mas também a crescente paixão de Augusto por Emília, que culmina em um desespero por conta da incerteza dos sentimentos dela, numa história que possui traços consideráveis de conflitos que seriam desenvolvidos pelo autor anos depois, em Senhora.

Ao longo da narrativa, o caráter forte e volátil de Emília é exposto, mas, no final, um equilíbrio é restabelecido quando ela finalmente confessa seu amor por Augusto. É a impossibilidade da ascensão feminina completa no contexto do romantismo, ainda com suas limitações. Alencar até ousava, mas por questões da época, tinha que colocar as mulheres em seus devidos lugares, segundo a ótica machista dominante. A narrativa, publicada em 1864, não é uma sequência de um dos meus livros de cabeceira, o romance Lucíola, embora haja uma conexão sutil entre os personagens, já que Paulo, o narrador da história que versa sobre a cortesã do Império, se torna amigo de Amaral, o narrador de Diva. A estrutura do livro é formada por cartas que Amaral escreve a Paulo, refletindo suas confissões e dilemas em relação ao seu amor pela enigmática Emília, cuja transformação é comparada a uma moderna Vênus, justificando o título da obra.

Como estudamos na escola, José de Alencar foi um autor fundamental na literatura brasileira do século XIX, pois seus romances oferecem uma rica análise de elementos sociais, políticos e culturais desse período, em especial, as mulheres desse período, abordando suas complexidades, dilemas e contextos sociais. Diva é uma dessas composições literárias do autor que frequentemente idealiza suas protagonistas, retratando-as como símbolos de pureza e beleza. Elas encarnam o ideal romântico da época, sendo frequentemente vistas como musas inspiradoras. Essa idealização reflete não apenas uma visão romântica, mas também as aspirações sociais em relação ao papel feminino. Embora muitas personagens femininas sejam moldadas por convenções sociais, Alencar insere traços de força e autonomia. Elas buscam afirmar sua identidade e tomar decisões que desafiam as expectativas patriarcais, como vemos em personagens como Aurélia de Senhora, que, apesar de suas dificuldades, luta para conquistar seu espaço. A luta é estabelecida, mesmo que no desfecho, tal como no romance aqui analisado, as pressões do contexto sejam mais fortes para o estabelecimento das últimas palavras.

Encarnação (Brasil, 1864)
Autor: José de Alencar.
Editora: Ática – Série Princípios.
Páginas: 95.

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