Não sei se porque estava anestesiado pelo indiscutivelmente bom Ford vs Ferrari (2019), ou se Dias de Trovão (1990) é realmente aguado, mas fato é que o desenrolar dramático não poderia surtir menos efeito em mim do que o que houve. É claro, essa é uma comparação em retrospectivo, afinal, Ford vs Ferrari é um filme de quase 30 anos depois, mas não me sai da cabeça o quão bom aquele argumento é. Vale a comparação, não? já que ambos os filmes utilizam de um mesmo enredo: a competição no Stock Car.
Hogge (Robert Duvall), um treinador veterano do automobilismo está desmotivado e fora dos circuitos, mas lhe aparece, por intermédio de um amigo, Cole Trickle (Tom Cruise), um piloto arrogante e confiante que promete devolver a Hogge as vitórias perdidas, os patrocinadores e o gostinho do primeiro lugar no pódio. Entre alguns acontecimentos marcantes, o piloto prodígio sofre um acidente. Hospitalizado, ao mesmo tempo em que o jovem promissor corre o risco de nunca mais competir, o herói conhece, numa cena desprezível, a bela doutora Claire (Nicole Kidman), que fica encarregada de cuidar de sua saúde e fazer com que se recupere totalmente para voltar a competir, mas será que ele superará de vez todas as sequelas?
Roteiro clássico que permeia toda uma gama de filmes sobre competição automobilística, com um início que aponta para o ápice, um meio que introduz uma tragédia na vida do piloto e um desfecho que tenta resolver, pelo bem ou pelo mal, o incidente do meio da trama. Como a classificação do filme é livre, isto é, para toda a família, fica evidente que a resolução vai para o lado positivo da coisa.
A cena em que Trickle é revistado pela policial é um ponto positivo por enganar o espectador. As batalhas entre Trickle e seu adversário na pista são boas, causam uma apreensão porque o que não queremos que ocorra começa a ocorrer. São episódios onde a direção mais investe, visivelmente. Os embates não são catárticos, mas são bem feitos.
A participação de Tom Cruise e Nicole Kidman ainda trazem um algo a mais para o filme, mas a direção pouco explora a relação entre os dois, com destaque para a cena do exame em que seus rostos aparecem ensombreados num clima de romance. Já aqui se percebe um entrosamento poderoso entre ambos os atores com aquela tensão obsessiva que ganha corpo no perfeito De Olhos Bem Fechados.
Contudo, não tenho muitas coisas positivas a dizer. O encontro de Trickle com Claire, a doutora, é uma vergonha alheia. Que tal um paciente, ao acordar pela primeira vez depois do acidente, fazer uma brincadeirinha forçando-a a tocá-lo no pênis? Claro que ele faz isso não para impressioná-la, mas para tirar uma onda diante dos amigos, já que estavam todos na sala de hospital. Não vou pontuar aqui que é uma cena problemática, mas é desprezível para o curso fílmico, sendo um episódio desnecessário, abrindo um buraco de non-sense dentro da trama. É inverossímil. E tudo aquilo que é inverossímil ao absurdo, num enredo que pretende verossimilhança, é feio.
Se tenho de dizer algo do argumento é que ele é vazio. Vazio, comum, clichê, previsível, anêmico. Claro que quem assiste pode ter um valor afetivo, afinal, a subjetividade é isso. Mas do ponto de vista técnico – uma vez que o filme ser considerado bom ou ruim não é jamais uma subjetividade – falta drama aí. Falta drama porque o longa-metragem não se esforça em comover: os personagens não têm densidade emocional, por isso a película não comove. Em uma hora e quarenta, a direção sequer tem a capacidade de explorar o lado emotivo dos personagens, fazê-los evidenciar seus sentimentos, suas apreensões, suas angústias, sobretudo as do técnico e as do piloto.
É um filme que se contenta com a mediocridade. Veja que ser medíocre não é ser ruim, mas é ser comezinho, mediano. Não falo que ele é ruim porque não o é de todo, mas é ralo. Quem diria que um piloto de Stock Car sofreria um acidente numa corrida, iria ao hospital, conheceria o amor da sua vida e, ao fim, superaria tudo isso e sairia vitorioso, ein? A cena final é emblemática, mas banal, e o filme termina onde começa. Se cabe: Knockin’ On Heaven’s Door traz um ânimo quando as coisas pareciam que não sairiam mais dessa meia linha e enfim casa muito bem com a temática fílmica.
Tony Scott sabe o que faz e sabendo não arrisca. Esperto, afinal, o excelente custa caro, uma vez que o risco de ser ambicioso e cair de sétima nuvem é altíssimo, e também não faz algo ruim, mas caminha ali com todas as características que fazem um filme redondo, com início, meio e fim. Oco por dentro mas ao menos engana por ser fechadinho na superfície.
Dias de Trovão (Days of Thunder, EUA, 1990)
Direção: Tony Scott
Roteiro: Robert Towne
Elenco: Tom Cruise, Robert Duvall, Randy Quaid, Nicole Kidman, Michael Rooker, John C. Reilly, Cary Elwes
Duração: 108 min.