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Crítica | Dias de 36

Entraves políticos e muita burocracia.

por Luiz Santiago
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A vida de todas as pessoas é condicionada pela História. Minha vida foi. Quando tinha 4 anos, havia a II Guerra Mundial. Quando tinha 9, a guerra civil na Grécia. A guerra muda toda a vida de uma pessoa, o amor, o lar, a casa. Um dia, meu pai sumiu e achávamos que ele tinha sido executado. Procurávamos o cadáver. Minha mãe me levava pela mão e o procurávamos. Numa tarde, ele voltou. Não tinha sapatos. Havia escapado e andou por três dias para voltar para casa. Então, a grande História teve muito peso na minha vida pessoal. Não tenho como fugir disso naquilo que faço. Na Europa, muitas vezes se quer esquecer a História, mas ela não nos esquece.

Theo Angelopoulos

Dias de 36 é um filme que marca de maneira comercial e estilística a carreira do diretor grego Theo Angelopoulos, um dos mais aclamados representantes do Cinema Novo de seu país. O filme não é o primeiro na Grécia a abordar de maneira aberta e crítica as questões político-sociais da nação (posto ocupado por Corrupção Social, de 1932, dirigido por Stelios Tatassopoulos), mas alcança o pioneirismo quando o assunto é a junção do conteúdo a uma forma ousada e autoral. A estrutura que o diretor edifica em Dias de 36 é um prenúncio de sua identidade cinematográfica, constituída por longas panorâmicas, roteiros que privilegiam o silêncio, constantes movimentos de câmera e metáforas visuais. Angelopoulos se propõe realizar um cinema que raciocina sobre a conturbada História política da Grécia contemporânea, das condições psicológicas do terror, da violência e dos indivíduos atingidos pelo seu tempo histórico que vivem.

Dias de 36 fala sobre o assassinato de um sindicalista momentos antes de seu discurso para um grupo de pessoas. O crime alcança uma grande proporção e culmina na prisão de Sofianos, sob acusação de crime político. Já na prisão, Sofianos encabeçará o evento que é praticamente a linha central de todo o filme: o sequestro de um político. A partir daí, Angelopoulos nos apresenta uma trama de forma muitíssimo interessante, mas de conteúdo insatisfatório em seu cômputo geral. Através de sua constituição interna, planificação e edição, o filme consegue passar para o espectador a sensação de marasmo do tempo, seja na prisão, seja na organização burocrática dos setores estatais. De certa forma, o filme é também uma crítica (ou sátira) aos militares em sua face parasita e fascista. A crítica prossegue na busca por uma solução: o sequestro da autoridade por um preso político faz toda a hierarquia estatal se desdobrar, num processo de arranjos e tentativas no mínimo patéticas de resolver o problema.

Mas se temos na interpretação do conteúdo um vislumbre de bom roteiro, o mesmo não se dá com o filme em si, vazio até certo ponto, porque se sustenta apenas no subjetivo do espectador, na sugestão crítica ao sistema vigente; sugestão esta que, para uma plateia com um conhecimento histórico abaixo do mediano, permanece um enigma. Daí a falha da escolha. Apesar de ter uma narrativa linear, o longa aparenta ser mais abstrato do que muitas obras alineares que conhecemos.

O silêncio predominante e a trilha sonora quase inexistente são fatores aos quais deve-se prestar atenção. Seu significado simbólico alcança um poder enorme quando quebrado e sugere mais elementos para que a imagem ganhe força. Destaca-se também a composição dos planos quando há interação dos homens com paisagens naturais. Num drama político e crítico, Angelopoulos consegue fazer-se mais formal do que conteudista, e é daí que vem a fraqueza geral do projeto. Mesmo que alguns setores técnicos sejam impecáveis, o filme, como produto, carrega uma grande sensação de incompletude, perde-se em sua soltura, não agrupa de maneira lógica ou satisfatória os pequenos pontos da sociedade grega criticados. De qualquer forma, Dias de 36 é uma obra que pode despertar o interesse dos que admiram o diretor e dos estudiosos da história grega. Não deixa, apesar dos problemas, de ser uma realização interessante.

Dias de 36 (Meres tou ’36, Grécia, 1972)
Direção: Theo Angelopoulos
Roteiro: Theo Angelopoulos, Stratis Karras, Petros Markaris, Thanassis Valtinos
Elenco: Kostas Pavlou, Thanos Grammenos, Giorgios Kyritsis, Christoforos Nezer, Giannis Kandilas, Takis Doukatos
Duração: 105 min.

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