Há que se tirar o chapéu para a elegância com que Antonio e Marco Manetti adaptaram Diabolik para o cinema. É a segunda vez que este personagem do fumetti neri italiano ganha uma versão cinematográfica, sendo a primeira em 1968, pelas mãos do mestre Mario Bava. Em seu Perigo: Diabolik, o Bava levou para as telas um anti-herói com mais preocupações libidinosas do que qualquer outra coisa, tornando o seu filme um híbrido de tendências do cinema europeu de final dos anos 1960. Sua estilosa representação de um grande bandido gerou até escola em profissionais de gerações posteriores. Já nesta versão de 2021, os irmãos Manetti guiaram a produção para um caminho mais clássico, procurando trazer ingredientes de gêneros narrativos e dramáticos italianos que normalmente aproximamos de Diabolik, como o giallo (que é o gênero central de suas histórias) e, em menor grau, o poliziotteschi.
Mas há uma fineza estética que dá ao filme uma aparência diferente, assim como uma abordagem técnica que nos faz lembrar levemente de Alfred Hitchcock, especialmente pelo uso da trilha sonora em função do encadeamento dos eventos policiais. É o tipo de direção que deixa a investigação ganhar espaço e conforme ela avança, cria meios para que os personagens sejam ampliados, para que mostrem mais de suas personalidades e adicionem ingredientes à nossa lista de suspeitos ou de pessoas com as quais devemos nos preocupar. Parcialmente baseado na HQ A Prisão de Diabolik (tanto em sua versão clássica, quanto o remake) o roteiro faz uma introdução agitada do protagonista, abrindo a película com uma perseguição que não é tão boa quanto pretende, mas é perfeitamente capaz de criar uma atmosfera de tensão e mostrar para o espectador algumas das habilidades e disposições de ação do mascarado invencível.
No primeiro ato, todavia, a atenção está voltada para Eva Kant, interpretada de maneira irretocável pela bela Miriam Leone. Enquanto na primeira versão do filme, o diretor explorou quase que exclusivamente o lado sexy da personagem, os irmãos Manetti amarram esse aspecto à sua capacidade de manipulação e ação. Desde a sua entrada notamos o quanto ela observa os homens prostrados ao seu redor e o quanto se aproveita disso a seu favor. Uma mulher forte em muitos sentidos e que não tem medo de ameaças. Este é o conjunto perfeito para o seu encontro com Diabolik, em uma das cenas mais interessantes do filme, repleta de muita tensão emocional e sexual. Ali é plantada uma semente no anti-herói que será colhida no último ato, quando o Inspetor Ginko (Valerio Mastandrea) diz que Diabolik irá “perder” porque ele sempre está sozinho. Neste momento, o personagem destrava mais uma etapa de seu amadurecimento. Ele se dá conta da solidão e do papel secundário ao qual relegou Eva, mas tem a sorte de contar com a presença dela para livrar-se de mais uma armadilha.
A administração do tempo aqui é vagarosa. Os diretores não têm pressa e dão a oportunidade de os personagens se mostrarem em diferentes situações. Não é como se o filme pudesse diminuir muito de tamanho, mas diria que um corte de 10 minutos, para algumas cenas de contexto e diálogos que repetem habilidades de Diabolik (como toda a questão das máscaras, por exemplo) deixasse o filme um pouco mais fluído. Contudo, vejo o roteiro muito bem construído em sua criação de problemáticas e resolução para cada uma delas, tendo em adição uma boa exploração dos motivos e da psicologia dos personagens, de modo que é possível entender tudo o que os cineastas colocam na tela. Isso é ainda melhor aproveitado pelo fato de que todo o elenco está muito bom em seus papéis.
O Diabolik de Luca Marinelli é um homem sério, de olhar penetrante e poucas palavras. A maquiagem e o cabelo que a equipe de produção concebeu para ele são incríveis e fiéis ao original, dando ao personagem a imponência que ele deveria ter. Gosto sem reservas da interpretação de Marinelli, que juntamente com Miriam Leone forma uma versão aplaudível do casal Diabolik e Eva Kant nos cinemas. De um início que tenta impressionar o espectador, mas sem um bom trampolim para isso, o filme logra elevar-se para um patamar de ação sobre um grande ladrão, uma caçada policial e diversas formas de enganar a lei e fugir dela. Os gadgets de Diabolik, seus esconderijos e até mesmo as ações precipitadas ou falhas dele estão representadas aqui de forma instigante. Ao fim da obra, elas cumprem o papel de apresentar um anti-herói com todos os seus pontos positivos e negativos, mais o seu Universo de maneira a nos fazer ansiar por muito mais coisas dele. E se depender da fonte original, são mais de 900 histórias, isso se contarmos apenas a linha publicação original. Material é o que não falta para adaptar!
Diabolik (Itália, 2021)
Direção: Antonio Manetti, Marco Manetti
Roteiro: Antonio Manetti, Marco Manetti, Michelangelo La Neve, Mario Gomboli (baseado na obra de Angela Giussani, Luciana Giussani)
Elenco: Luca Marinelli, Miriam Leone, Valerio Mastandrea, Claudia Gerini, Alessandro Roja, Serena Rossi, Roberto Citran, Luca Di Giovanni, Antonino Iuorio, Vanessa Scalera, Daniela Piperno, Pier Giorgio Bellocchio, Guglielmo Favilla, Urbano Barberini, Stefano Pesce, Massimo Triggiani, Giovanni James Bertoia, Francesca Nerozzi, Orfeo Orlando, Antonio Scarpa
Duração: 133 min.