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Crítica | Dia de Outono

por Ritter Fan
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Ervas Flutuantes foi Yasujiro Ozu experimentando consigo mesmo, ao refilmar sua obra de 1934, Uma História de Ervas Flutuantes. Outros diretores já fizeram o mesmo, como foi o caso de Alfred Hitchcock, mas é curioso notar que o filme seguinte a Ervas Flutuantes, apesar de não ser efetivamente uma refilmagem, parece muito com uma. É que é praticamente impossível deixar de reconhecer Flor do Equinócio, o primeiro filme colorido do cineasta, em Dia de Outuno, a obra que inaugurou a última década de sua vida, já que ele viria a falecer ao final de 1963.

Assim como Flor do Equinócio, Ervas Flutuantes é baseado em romance de Ton Satomi, com roteiro adaptado de Ozu e Kôgo Noda, abordando de cabeça a questão do casamento arranjado na sociedade moderna japonesa e estabelecendo conflito entre os tradicionalistas e os jovens que querem poder escolher por eles mesmos. Além disso, em Flor do Equinócio, tem-se Shin Saburi vivendo o bem sucedido pai de família em meio a esse conflito casamenteiro. O mesmo ator vive praticamente o mesmo papel, com direito a um escritório decorado de maneira idêntica que, assim como o outro, também acaba fazendo refeições no restaurante La Luna, em Tóquio. A diferença é que Soichi Mamiya, o personagem de Saburi em Dia de Outono, é um dos mentores de um plano para casar duas mulheres quase ao mesmo tempo, a jovem Ayako Miwa (Yoko Tsukasa) e sua mãe viúva Akiko (Setsuko Hara, a atriz que viveu as três Norikos na Trilogia Noriko). No final das contas, é quase como se Dia de Outuno fosse uma versão expandida e retrabalhada de Flor do Equinócio, inclusive com uma repetição temática que chega a cansar um pouco.

Quando em mencionei o plano para casar mãe e filha, vale dizer que ele é a mola mestra dessa obra de Ozu e ele vem de três velhos amigos – o já mencionado Mamiya, além de Shuzo Taguchi e Seiichiro Hirayama, vividos respectivamente por Nobuo NakamuraRyūji Kita, ambos também parte do elenco de Flor do Equinócio – depois da missa de 7º ano do falecimento do quarto componente de seu grupo, marido de Akiko. O objetivo é, primordialmente, casar Ayako, a filha, mas logo fica claro que a moça não quer deixar sua mãe sozinha no mundo, o que acaba levando-os a expandir o plano para reunir Akiko a Hirayama, também viúvo. A descrição dessa trama pode levar qualquer um a concluir que ela é de uma comédia e, apesar de Dia de Outono não ser uma, a película com certeza tem contornos humorísticos leves que discretamente converte a trinca casamenteira em uma espécie de Três Patetas do Japão. No entanto, o espectador não deve esperar risadas, ou situações genuinamente cômicas como na fase inicial do cineasta, mas essa pegada, aqui, ajuda a relativizar as ações de Mamiya e seus amigos como se Ozu estivesse nos mostrando o quão ridículo é a sana casamenteira deles, algo que é até textualmente comentado pelas esposas deles e, também, por Yuriko (Mariko Okada), amiga de Ayako.

O maior problema que acomete o antepenúltimo filme de Ozu é o mesmo de seu quase clone de dois anos antes: a repetição e reiteração temática sem que a trama avance a ponto de justificar as mais de duas horas de duração. Apesar das idas e vindas e das semi-reviravoltas e desentendimentos que poderiam ser visto como parte da comédia de erros que o filme na verdade não é, há pouca complexidade temática e não demora para a história principal cansar um pouco o espectador que estiver procurando um pouco de celeridade. No entanto, com algumas exceções aqui e ali ao longo de sua carreira, velocidade nunca foi o forte do mestre diretor, que sempre lida com suas histórias de maneira contemplativa, deixando seus personagens falarem para a câmera em sua famosa fotografia na “altura do tatame” em planos e contraplanos que por pouco não quebram a quarta parede. A sociedade japonesa do pós-guerra vinha sendo despida por Ozu e ele continua seu trabalho de apontar as idiossincrasias arraigadas nos usos e costumes milenares que precisam ser revistas, sem esquecer de suas maravilhosas e imbatíveis composições cênicas que alcançam mais um outro patamar aqui, mas, como de hábito, sem chamar atenção para si mesmas.

Portanto, Dia de Outono precisa ser apreciado justamente assim, com calma e sabedoria, percebendo a pegada levemente cômica que faz a trinca casamenteira dar cabeçadas ao longo da obra de forma a ridicularizá-la, mas sempre com ternura. Além disso, é particularmente importante respirar e parar o tempo para realmente absorver as atuações de Tsukasa e Hara como filha e mãe. Apesar do esperado distanciamento – frieza se quisermos ocidentalizar o que não podemos ocidentalizar – entre as personagens, há uma química fantástica entre as atrizes que são capazes de nos convencer de que elas são mesmo relacionadas por sangue e que, apesar de genuinamente desejarem ficar juntas para sempre, com todos os sacrifícios que isso implica, elas sabem que isso não será possível. Mas, se eu pudesse encapsular todo o poder dessa dupla ao longo da projeção, eu destacaria o momento final de Akiko, que encerra a obra, em que vemos a mãe sorrir com uma profunda tristeza, mas uma tristeza que ela sabe que precisa aceitar e conviver. É como um sorriso da Mona Lisa feita ali, diante das câmeras por uma Setsuko Hara absolutamente inspirada.

Dia de Outuno pode até estender-se mais do que deveria diante de sua temática redundante, mas é impossível não sair da experiência hipnotizado pela performance da dupla feminina principal. Ozu, para nos forçar a contemplar e a desafiar a tradição, extrai de suas atrizes trabalhos irretocáveis que compensam todo e qualquer problema detectável ao longo de sua refilmagem que não é refilmagem.

Dia de Outuno (Akibiyori – Japão, 1960)
Direção: Yasujirô Ozu
Roteiro: Kôgo Noda, Yasujirô Ozu (baseado em romance de Ton Satomi)
Elenco: Setsuko Hara, Yoko Tsukasa, Mariko Okada, Keiji Sada, Miyuki Kuwano, Shinichiro Mikami, Shin Saburi, Chishū Ryū, Nobuo Nakamura, Kuniko Miyake, Sadako Sawamura, Ryūji Kita, Fumio Watanabe, Ayako Senno, Yuriko Tashiro
Duração: 128 min.

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