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Crítica | Devs

por Ritter Fan
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Alex Garland tem um currículo cinematográfico ainda curto, iniciando como roteirista em 2002 com Extermínio, que se tornou um pequeno clássico instantâneo do sub-gênero de filmes de zumbi e, desde então, vem trazendo um bom grau de criatividade ao sci-fi hollywoodiano com suas únicas duas direções para o cinema até agora, Ex-Machina: Instinto Artificial e Aniquilação. Devs é sua primeira série – minissérie, na verdade – e uma em que ele agiu não só como criador e desenvolvedor, mas também como diretor e roteirista de todo os oito episódios.

E há muito de seu primeiro hit do Cinema nessa produção da FX/Hulu. Ex-Machina é uma joia minimalista que coloca questões filosóficas fascinantes para o espectador observar e discutir e Devs segue essa cartilha minimalista e provocadora que prende pela atmosfera, intriga pela discussão que inicia e encanta pela conjunção quase perfeita da fotografia com a direção de arte e trilha sonora. Como ação não é e nem deveria mesmo ser o ponto forte da minissérie, o trabalho de Garland é quase equivalente a refletir sobre a vida olhando um belíssimo aquário que hipnotiza pelas cores, pelo fluxo dos peixes nadando em cardume e pela calma que eles nos passa.

Tenho consciência de que o uso de aquário acima pode assustar alguns que talvez apressadamente concluam que a série é monótona, mas, pelo menos em sua primeira metade, os episódios simplesmente fascinam com uma premissa simples: o desaparecimento de Sergei Pavlov (Karl Glusman), especialista em inteligência artificial, no mesmo dia em que ele começa a trabalhar na secretíssima divisão batizada de Devs da empresa de alta tecnologia Amaya, comandada pelo recluso Forest (Nick Offerman). O que segue daí é a investigação de Lily Chan (Sonoya Mizuno), namorada de Sergei que trabalha na mesma empresa, mas não na tal divisão secreta, sobre o ocorrido.

Estou sendo propositalmente críptico, mas o roteiro não esconde o destino de Sergei para além do primeiro episódio. No entanto, esta é uma série que se beneficia muito da contemplação ignorante, ou seja, sem conhecer nada ou quase nada da história. Basta dizer que, na medida em que Lily vai se enfronhando no mistério, o espectador começa a também aprender sobre o projeto Devs e os técnicos que lá trabalham e uma questão de fundo é colocada: vivemos uma vida determinística ou temos livre arbítrio? Ou, mais especificamente para a série, o que aconteceu com Sergei e o que vai acontecendo com Lily está predeterminado e é inevitável ou nós temos escolha?

Não esperem respostas finais, claro, mas Garland passei muito eficientemente pelos conceitos, com um roteiro que, até o já mencionado ponto que marca a metade da história, não se apoia demais em textos expositivos, costurando, ainda, uma atmosfera levemente hitchcockiana ajudada pela ambientação em São Francisco e arredores que logo remete o espectador geograficamente à Um Corpo que Cai.  O problema vem a partir do quinto episódio, mais especificamente o quinto e sexto capítulos, pois eles são utilizados para pegar na mão o espectador que porventura não tiver entendido muita coisa – e sério, a história nem é tão complicada assim para isso acontecer – e levá-lo pelos meandro “técnicos” que é o cerne do projeto Devs, localizado em um gigantesco ovo Fabergé quadrado no meio de uma floresta belíssima, não muito longe da sede principal da Amaya, que tem uma bizarra (e assustadora, diria) estátua gigantesca da finada filha de Forest como decoração principal.

Outro elemento que pode ser problemático para alguns na série são seus personagens. Com exceção de Kenton (Zach Grenier), mas muito mais em razão do ator do que do personagem em si, os demais são quase que arquétipos. Forest é um contemplativo, triste e obsessivo mago tecnológico, com a impassível gênia Katie (Alison Pill) constantemente ao seu lado. Lily é até um caso interessante, pois sua personagem sofre baque atrás de baque e sua personalidade já introvertida vai desaparecendo até ela não passar de um manequim de loja que por vezes fala algumas coisas. Não é que a atuação de Mizuno seja ruim, até porque tenho certeza que Garland a dirigiu exigindo exatamente esse tipo de performance, mas sim que isso acaba criando uma frieza, apatia e distanciamento da personagem que impede uma ponte, mesmo que pequena e frágil, de empatia. Diria que é mais fácil simpatizar com Forest do que com a protagonista.

Afirmei que as atuações “podem ser problemáticas” porque elas funcionaram para mim em grande parte devido à atmosfera também distante e fria que a série tem. Tenho muito mais problemas com as barrigas expositivas que revelam não só que Garland subestima seus espectadores, como também não tinha muita história para ocupar oito episódios, mesmo considerando que o passo lento é essencial para a contemplação que ele exige com sua narrativa onírica e delicada, repleta de pequenas nuances e críticas sobre o mundo, sobre o papel da tecnologia e como nós, meros seres humanos, estamos inseridos nesse quebra-cabeças.

Devs pede paciência ao espectador e o recompensa com uma história fascinante e visualmente arrebatadora. Não é, de forma alguma, uma série comum e ela nem mesmo pretende ser. Poderia talvez ter sido um filme perfeito, já que o espaço que Garland teve acabou revelando vazios que ele não preenche de maneira sempre eficiente, mas, mesmo assim, é um exercício contemplativo e meditativo – diria até estranhamente relaxante – como poucos.

Devs (Idem, EUA/Reino Unido – 05 de março a 19 de abril de 2020)
Criação: Alex Garland
Direção: Alex Garland
Roteiro: Alex Garland
Elenco: Sonoya Mizuno, Nick Offerman, Jin Ha, Zach Grenier, Stephen McKinley Henderson, Cailee Spaeny, Karl Glusman, Alison Pill, Linnea Berthelsen, Aimee Mullins, Jefferson Hall, Janet Mock, Georgia King, Amaya Mizuno-André, Brian d’Arcy James, David Tse, Liz Carr
Duração: 409 min. (oito episódios)

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