As duas primeiras páginas da Detective Comics #33 (The Batman Wars Against the Dirigible of Doom) contam a origem do Homem Morcego, com o assassinato de Thomas e Martha Wayne, a promessa de vingança feita pelo jovem Bruce e sua formação e preparo físico, tornando-se um “brilhante cientista e um exímio atleta“, para usar as palavras da própria revista. O roteiro, escrito pelo ausente Bill Finger, em parceria com Gardner Fox, é um dos mais fracos dessa temporada. Os acontecimentos chamam a atenção do leitor pela arte e não pela história, que deixa de lado a atmosfera um pouco mais sombria e ameaçadora dos contos anteriores e aposta em uma aventura de guerra, claramente influenciada pelas batalhas aéreas que então ocorriam na Europa, fustigada pelos primeiros meses da ofensiva nazista.
A história tem sua abertura em Manhattan, quando o dirigível da Hora Escarlate do professor Carl Kruger, que sofre de “Complexo de Napoleão”, aterroriza a cidade com seus raios vermelhos compostos de gás ozônio e raios gama. Basicamente temos a corrida do Batman para impedir que a arma voadora de Kruger mate pessoas inocentes e domine o mundo — uma forte referência ao embate entre Eixo e Aliados.
Algo muito interessante acontece na edição seguinte, Peril in Paris. Dois meses depois da história no estilo Drácula que Batman viveu na Hungria (Detective Comics #31 e 32), voltamos no tempo e partimos do ponto em que Bruce Wayne põe sua noive Julie em um navio de volta para a América e vive uma perigosa aventura em Paris. Trata-se, na verdade, de outra história fraca de Gardner Fox, com apenas a arte de Bob Kane e Sheldon Moldoff (que agora também co-assina a arte-final) sobressaindo-se com folga. Na trama, Batman conhece os irmãos Charles Maire (o Homem sem Rosto) e Kael Maire, ameaçados pelo demoníaco duque de Orterre, que apagou todos os traços do rosto de Charles — isso mesmo, você leu direito! — e pretende desposar a bela Kael. Toda a reta final dessa história mais a sua conclusão são bastante ruins, incorrendo em erros constrangedores de verossimilhança dentro do próprio universo do herói. Definitivamente, considero essa uma das piores histórias da primeira fase do Batman.
A primeira coisa que podemos dizer sobre a edição #35, The Case of the Ruby Idol, é que a capa é completamente falsa. Quando a vi pela primeira vez, achei que se tratava de alguma coisa sobre o Dr. Morte ou mesmo algum parente distante do Duque Orterre. Mas não há nessa aventura nenhuma situação sequer parecida com a representada na capa, algo que podemos chamar de “mais uma descarada propaganda enganosa, apenas para vender a revista!”. O caso aqui é simples, e marca a volta de Bill Finger, sozinho, aos roteiros da Detective Comics: um certo Sheldon Lenox tem posse de uma estátua grande de rubi, uma representação de Kali, a deusa hindu da morte e da sexualidade (mas a aventura não explora o lado sexual da deusa).
Esse Sheldon Lenox vende a raríssima estátua para um colecionador, que passa a receber cartas ameaçadoras. Lá para o final da história aparece um chinês chamado Sin Fang, receptador de coisas roubadas em Chinatown, palco principal da trama. No final das contas, o verdadeiro criminoso é Lenox, que forja sua morte e se disfarça de chinês, contrata mercenários hindus e lutadores mongóis (veja só que samba étnico!) e acaba tendo de lidar com o Batman, no final. Não é o melhor conto de Bill Finger, mas não é um conto ruim, principalmente pela quantidade de ação e das armadilhas que o Batman encontra pelo caminho, na tentativa de capturar a mortífera deusa Kali.
Bill Finger nos apresenta na revista #36, Professor Hugo Strange, uma pérola de sua safra. A primeira aparição desse personagem nas histórias do Batman vem em um roteiro perfeito, com uma linha de ação cadenciada, sem efeitos escabrosos, bat-aviões, pilotos automáticos ou coisas do tipo. A história é acompanhada por uma arte nova, assinada por Bob Kane e seu novo parceiro, Jerry Robinson, que trabalhou muitíssimo bem as fronteiras dos quadros da história e apostou bastante nos primeiros planos nos rostos dos personagens e no maior número de pessoas por quadro. Ver o Batman enfrentando todos aqueles bandidos ao mesmo tempo em uma perspectiva mais próxima que nas edições anteriores é um grande presente para o leitor e fã do herói.
E a aventura é tão maluca quanto o próprio professor Strange: ele sequestra um engenheiro e o força a construir uma máquina. Com o aparato, submete a cidade a uma espessa neblina, que dificulta e muito a ação da polícia, ou seja, um cenário perfeito para se cometer roubos e fugir com o mínimo de risco de ser pego. O caminho realizado pelo roteirista e pelos artistas é de uma legítima e interessante história policial, algo a ser aplaudido efusivamente. Não preciso nem dizer que essa é uma das minhas histórias preferidas da primeira fase do Batman na Detective Comics.
Até que demorou bastante para aparecer alguma história do Batman enfrentando sabotadores e maquinações internacionais com o objetivo de jogar os Estados Unidos contra algum país. Mas essa edição #37, The Screaming House, está recheada de ações ligadas ao tipo de história denominada como “intrigas internacionais”. Arte aqui é menos inspirada do que na edição anterior. O roteiro de Bill Finger começa fraco — desde quando o Batman resolve pedir informações para moradores de uma casa no meio do nada? Dá vontade de rir, só de pensar nisso — e termina muito bem, com um toque interessante de nacionalismo, mas não daqueles doentios, neuróticos ou fascistas. Vale também dizer que o Batman sofre bastante nessa história, sendo encurralado e passando por maus bocados, saindo um pouco daquela imagem de “intocável” que tinha no início das suas aventuras. E a violência também continua, com mais uma morte tenebrosa… The Screaming House é um conto interessante de Bill Finger e também mais um link dos quadrinhos com casos políticos da época.
E vejam só quem aparece pela primeira vez na Detective Comics #38: Robin the Boy Wonder! A criação de Robin (Dick Grayson) foi uma jogada da editora para aplacar os ânimos dos que acusavam a Detective Comics de ser muito violenta, e que o Batman estava “passando dos limites” na luta contra o crime. A chegada de um garoto e parceiro do Morcego, ao menos em tese, deveria diminuir a violência e, por tabela, trazer novos leitores. A violência, é claro, não diminuiu, mas realmente apareceram novos leitores e o personagem foi um tremendo sucesso, contribuindo até para que outros grandes heróis da editora passassem a ter seus pupilos no combate às forças do mal contra as quais lutavam.
A revista também marca uma mudança editoral, com a saída de Vincent Sullivan do cargo de Editor-Executivo e a entrada de Whitney Ellsworth. Também temos Jerry Robinson como arte-finalista, deixando Bob Kane sozinho novamente nos desenhos, o que não foi uma grande ideia, diga-se de passagem. O roteiro de Bill Finger nos apresenta uma boa história detetivesca, desde a origem do Robin, com o assassinato de seus pais, no circo, e o início de seu treinamento e parceria com Batman. O primeiro inimigo que enfrentam junto é o chefe Zucco, mafioso que comanda Gotham e cobra tarifas de todos os trabalhadores da cidade, além de ser o dono de todos os pontos de jogos de azar.
O ritmo de Finger é impressionante. Temos a ótima sensação de uma cadência adequada da narrativa, com a passagem exata do tempo por cada fase da trama, desde a apresentação fatídica até a luta final, no topo do Edifício Canin. E nessa luta temos o prodigioso Robin dando um tremendo chute em um bandido, que acaba caindo do alto do prédio… Quem imaginou que a violência diminuiria com a chegada de Robin à revista não estava completamente certo.
Infelizmente, a Detective Comics, e mesmo a revista Batman, lançada no primeiro semestre de 1940, deixaria essa violência de lado e passaria por algumas fases infantiloides. A primeira delas nos anos 1950, com a perseguição do Comics Code e a publicação do maior lixo editorial dito acadêmico já lançado contra os quadrinhos, o livro Sedução dos Inocentes (Seduction of the Innocent), do estapafúrdio Frederic Wertham. De toda forma, o surgimento de Robin, na DC #38, marcaria uma nova fase na cronologia dos quadrinhos do Homem Morcego.
Na Edição #39, The Horde of the Green Dragon, publicada em maio de 1940, a dupla dinâmica enfrentaria outro caso detetivesco, mas dessa vez, nada parecido com a máfia italiana. O caso é sobre o Dragão Verde, uma gangue chinesa de venda de ópio que matava violentamente (com machadinhas na cabeça!) os que se punham em seu caminho. Batman & Robin são ajudados pelo prefeito Wong, de Chinatown, o mesmo prefeito que havia contribuído no caso do Ídolo de Rubi…
Já a Detective Comics #40, The Murders of Clayface, trouxe um novo vilão para o Homem Morcego e o Menino Prodígio: o Cara-de-Barro (Basil Karlo), personagem de poucos atrativos, apenas um gângster que foi um ator de filmes B de terror e que agora estava dominado pela personagem que interpretara anos atrás. Tampouco a arte da revista é boa. A ausência de cores e boa parte dos quadros e a péssima finalização de Jerry Robinson só tendem a repelir o leitor. Como cinéfilo, gostei bastante do conceito de Bill Finger para o roteiro, de fazer o cenário da história nas filmagens de um remake de terror (O Castelo Pavoroso), uma história tipicamente à margem, mas essa, infelizmente, sem o seu famoso brilho de bom escritor.
Detective Comics Vol.1 #33 a 40 (EUA, 1939 – 1940)
Roteiro: Bill Finger, Gardner Fox
Arte: Bob Kane, Sheldon Moldoff, Jerry Robinson
Arte-final: Bob Kane
Letras: Sheldon Moldoff
Capas: Bob Kane, Creig Flessel
Editoria: Vincent Sullivan, Whitney Ellsworth
55 páginas