Com estreia mundial em agosto, Greenland (título original) chega agora, em novembro, ao Brasil. Em uma situação propícia para o lançamento de um filme apocalíptico, dado o contexto pandêmico, o filme caminha entre os erros e os acertos naquilo que propõe. O novo longa de Ric Roman Waugh, de Fellon (2008), Sem Perdão (2017) e Invasão ao Serviço Secreto (2019), segue a mesma configuração de seus filmes anteriores ao decidir trabalhar com o cruzamento entre os gêneros de ação, ficção e um toque dramático no pano de fundo da trama. O argumento, escrito pelo criativo Chris Sparling, de Enterrado Vivo (2010), O Misterioso Caso de Judith Winstead (2015) e Mercy (2016), opta por entregar uma narrativa em cima de uma temática muito gasta e conhecida no cinema: o instante do apocalipse e a ameaça de extinção dos seres vivos. Apesar de ser um motivo sempre atual, já consolidado e muito recorrente na história do cinema, nada explica a falta de originalidade e o fato deste ser um longa que produz mais do mesmo; no entanto, para não ser rude com o filme por completo, o diretor acerta ao trazer à luz os dramas, pessoais e coletivos, do ser humano.
Um cometa, nomeado Clark, irá passar pela órbita da terra em algumas horas. Ao surgir de um sistema solar desconhecido, o meteorito impressiona a todos, que são tomados pela empolgação e pelo temor de acompanharem a um evento natural dessa magnitude. Manchete em todos os jornais, rapidamente a comunidade científica percebe que algo de errado está acontecendo com o trajeto do cometa, que agora lança pequenos detritos do tamanho suficiente para causar destruição e morte na terra. No drama, que dá sentido ao longa, acompanhamos um dia péssimo na vida de John Garrity, interpretado por Gerard Butler, de Geostorm (2017) e 300 (2006), que está em pleno trâmite de divórcio com a esposa Alisson, interpretada por Morena Baccarin, com quem tem um filho, Nathan, interpretado por Roger Dale Floyd, de Doutor Sono (2019). Tudo se torna desesperador quando John recebe um comunicado do governo federal para comparecer a uma base militar, onde será permitido levar apenas a família e uma mala de mão. Da base militar, John e sua família seriam transportados para um bunker, na Groenlândia, para se protegerem desse ataque à humanidade. O filme todo se desenrola nesta tentativa alucinante de fazer com que sua família chegue à base e de lá se transfiram para o bunker. Nesse meio tempo, tudo acontece.
Logo descobrimos que John foi selecionado, entre parte da população, para fazer parte de um seleto grupo que será salvo pelo governo norte-americano. E nem todos podem entrar na guarita. A maioria da população fica de fora deste grupo, e os selecionados recebem uma pulseira de identificação, enquanto os que serão deixados não têm o direito ao objeto. Assim, a sociedade é divida em grupos, os que têm, e os que não. Quem tem, passa pelo portão que leva aos aviões, quem não tem, fica de fora. Nos é explicado, então, que as pessoas escolhidas pelo governo compõem um grupo social com profissões estratégicas e essenciais, como médicos, enfermeiros, arquitetos, engenheiros e militares. Um filme que apresenta uma alfinetada na estrutura governamental, o trabalho do diretor não deixa de pensar o quão despreparada a humanidade está para os momentos de grande crise.
Apesar da premissa interessante e atual, o longa apresenta uma instabilidade notável, caminhando do erro para o acerto e vice-versa. A mão da direção acerta quando trata do drama, mas erra na ficção.
Ric Waugh propõe subtramas importantes dentro da trama principal do filme, o que, ao fundo, salva o longa de uma destruição final generalizada. Um destes panos de fundo é o drama pessoal vivido por John e sua esposa Alisson. Em pleno processo de divórcio, o casal vive um momento de ruptura depois de casos de infidelidade do marido, fato descoberto apenas nas cenas finais. Esse drama pessoal é materializado na mise-en-scène com a separação e o desencontro dos personagens ao longo da narrativa, que se reencontram apenas no terceiro ato, em uma cena boba de reconciliação e final feliz, mesmo diante de um caos que levaria a um fim absoluto da vida na terra. O segundo ato é totalmente em ritmo de separação e ruptura. Um caos turbulento e individual em que cada personagem está enfrentando os seus dilemas para sobreviver. No fundo, o casal também vive seu próprio apocalipse interno.
Outro ponto que o diretor questiona é de ordem instintiva: E quando a humanidade se depara com a ameaça real da destruição da espécie? A resposta é clara e objetiva: histeria e individualismo. É possível perceber com destaque essa vertente no filme quando a população, histérica, tentando entrar na base militar, recorre à violência na tentativa de roubar as pulseiras de identificação dos selecionados: todo mundo quer sobreviver, nem que para isso o outro tenha de morrer. Na crise, nos tornamos bárbaros, como se aquilo que de pior carregado por nós viesse à luz. O longa retrata bem o conflito em diversas camadas, da crise pessoal à crise humanitária, como uma caixa dentro da caixa. Para as duas horas propostas pelo filme, o drama pessoal é o que prende quem assiste. Tenho a impressão de que o diretor investe no seu longa uma reflexão muito mais comportamental do ser humano que a ação e o blockbuster enquanto artifício de composição do gênero de ficção científica.
Um olhar ingênuo sobre o momento da catástrofe em si, em que tantas coisas dão certo e errado na mesma medida – como os momentos de encontro e desencontro no meio do apocalipse -, o filme opta por excluir a tragédia e a agressividade de um filme de fim de mundo, e peca ao não mover com as paixões também neste âmbito, para além do drama. As cenas dinâmicas são poucas e a destruição nunca se mostra de maneira extraordinária. É um trabalho contido acerca do armagedom. Apesar de se utilizar de efeitos bem colocados, como nas cenas iniciais da tempestade de vento; as quedas dos meteoritos sobre a avenida; as cenas na Groenlândia etc., o trabalho sobre o apocalipse em si não enche aos olhos.
O que parece ser uma releitura de Impacto Profundo (Mimi Leder, 1998), a película repõe temas, estilos e enredos já conhecidos. Ric Waugh não inova, preferindo se manter seguro em um terreno já assentado que colocar uma especificidade em seu filme, cravando sua marca pessoal. Uma pena, pois, definitivamente, o filme peca em ser apenas mais um do gênero, ficando muito longe do que à época fez Roland Emmerich com seus icônicos e consagrados O Dia Depois de Amanhã (2004) e 2012 (2009), e mais distante ainda do clássico de Spielberg Guerra dos Mundos (2005). Os efeitos visuais não impressionam, se comparado, por exemplo, à cena do tsunami invadindo o Himalaia, em 2012, que marcou o filme para sempre, deixando todos perplexos naquele ano com a destruição monstruosa dos principais símbolos mundiais, como o Cristo Redentor, num Rio de Janeiro devorado pelo mar
Num geral, o ponto alto fica pela atuação sempre ótima de Gerard Butler. Acostumado a atuar em papéis apocalípticos, o ator entrega verdade e ação ao dominar e protagonizar com firmeza. Ele é sempre uma boa aposta. As imagens aéreas são lindas, os efeitos CGI são regulares e oferecem alguns espetáculos críveis, relembrando o meteoro que cai na Flórida e aniquila mais de 2000km de vida, queimando tudo ao redor em uma explosão sublime, logo nas cenas iniciais.
Destruição Final: O Último Refúgio é interessante em linhas gerais, mas sem tanta expectativa para além do proposto. Cumpre o seu papel e entrega mais do mesmo.
Destruição Final – O Último Refúgio (Greenland) — EUA, 2020
Direção: Ric Roman Waugh
Roteiro: Chris Sparling
Elenco: Gerard Butler, Morena Baccarin, Roger Dale Floyd, David Denman, Scott Glenn, Andrew Bachelor, Madison Johnson, Claire Bronson, Brandon Quinn
Duração: 119 min.