A segunda aventura literária de Jack Reacher começa de maneira extremamente similar à estreia da série em Dinheiro Sujo. O ex-militar está passeando e, por acaso, se torna parte de uma conspiração criminosa. Dessa vez, o personagem não é acusado de assassinato, mas quase é assassinado logo no início do livro quando está ajudando uma jovem mulher com uma perna machucada. Ambos são sequestrados, por motivos inicialmente misteriosos, com o bloco inicial da obra acompanhando Reacher e essa moça, que depois descobrimos ser uma agente do FBI chamada Holly Johnson, presos em uma van que atravessa os EUA. O soldado errante de Lee Child se encontra em uma situação inesperada mais uma vez, mas, felizmente, o herói de ação tem nervos de aço e montanhas de músculos para se sobressair.
Apesar da premissa similar do “cara certo para resolver a situação errada“, o autor tenta mudar a abordagem em sua primeira sequência da série literária. O primeiro aspecto que chama atenção é a mudança da escrita para terceira pessoa, deixando de lado a narração em primeira pessoa do livro anterior. Mesmo tendo lido Dinheiro Sujo há mais de três anos, me lembro de como o estilo de Child era estranho e emperrado em determinados momentos, então a alteração faz bem para a fluidez da narrativa e para a leitura. Além disso, Child muda o encaminhamento da trama para algo menos detetivesco e mais de sobrevivência, principalmente no ato inicial da obra, com destaque para a construção de suspense durante a longa viagem na van.
O tom investigativo ainda está ali, mas menos em um sentido procedural e de pistas, e mais numa busca de saídas. Child sabe como segurar nossa atenção no cenário do sequestro, com diversos momentos de tensão entre Reacher, Holly e os sequestradores ganhando espaço ao longo da trama, além de atiçar a curiosidade em torno de questionamentos sobre o porquê Holly foi sequestrada e para quem essas pessoas trabalham. As pequenas tentativas de fuga de Reacher e a constante dúvida dos personagens enriquecem esse lado da trama, que acaba sendo meu favorito de todo o livro. Só penso que Child peca na construção deslocada de um romance entre Reacher e Holly, com cenas de namorico que simplesmente não se encaixam dentro da atmosfera e da tônica do momento.
O autor intercala essa jornada do protagonista com um segundo núcleo quase tão importante sobre diversos agentes do FBI tentando descobrir o paradeiro de Holly. A abordagem do texto aqui é burocrática e convencional, dando contexto para algumas deduções de Reacher e trazendo sugestões de um traidor na agência, mas sem revelar, de início, quem são os responsáveis pelo sequestro. Falta uma certa personalidade para que esse lado policial ganhe algum brilho, mas a trama secundária serve bem à história principal de Reacher, com algumas manipulações e reviravoltas bem compostas, apesar de previsíveis. O fato desse livro ser menor do que o anterior beneficia o ritmo e mascara um pouco essa sensação protocolar do enredo, principalmente quando a história expõe os responsáveis pelo sequestro.
Em um twist inusitado, descobrimos que uma milícia radical que deseja se separar dos EUA sequestrou Holly, afilhada do presidente, como moeda de troca. A narrativa ganha outros contornos aqui, com o desenvolvimento de um cenário próximo de uma seita, com um líder psicopata – o primeiro antagonista propriamente dito do livro – e um texto que brinca com expectativas e comentários sociais. Falta um aprofundamento nas críticas e provocações propostas por Child, mas há um desenvolvimento eficiente por trás da comunidade, que personifica diversos elementos preconceituosos, pensamentos separatistas perigosos e o extremismo ameaçador que permeia diversas ideologias perturbadoras. Fiquei um pouco surpreso com a abordagem indo de uma trama de sobrevivência para algo sobre terrorismo em um enredo de conspiração, com a variação sendo bem-vinda e fazendo jus à abordagem exagerada e megalomaníaca de Child que já vimos no livro anterior.
A reviravolta deixa o palco preparado para Reacher se tornar um herói de ação na reta final da história, que fica cada vez mais absurda e, sim, mais divertida à medida que nos aproximamos do clímax, que inclui um ataque de bomba e helicópteros. Mais uma vez, Lee Child não reinventa a roda e desenha uma aventura agradável, cheia de conveniências e facilidades bobas, mas envelopadas em um thriller eficiente, que sabe quando variar de tom e que, mesmo enrolando em alguns blocos, tem um ritmo de leitura gostoso, com um protagonista irônico e carismático sempre pronto para salvar o dia, mesmo quando ele não fica com a mocinha. Veremos onde Reacher irá tropeçar em sua próxima aventura.
Jack Reacher – Livro 2: Destino: Inferno (Die Trying) — Reino Unido, 1998
Autor: Lee Child
Publicação original: Bantam (Reino Unido), Putnam Publishing (EUA)
374 páginas