Mesmo com apenas três filmes indie no currículo que ele mesmo escreveu e dirigiu, Jeff Nichols já ganhou o direito de arriscar e de dar um pulo de gênero tamanha é a qualidade de seu trabalho. Mas, mantendo seu estilo discreto e naturalista, o autor, que partiu pela primeira vez para o sistema de estúdio com Destino Especial, não fez aquilo que muitos esperariam que ele fizesse. Nada de fogos de artifício, nada de exageros e sim uma pequena história com grandes ambições que pode não chamar atenção em um primeiro momento (e definitivamente não chamou, diante da parca distribuição e bilheteria que teve), mas que realmente precisa ser descoberta.
Egresso do ótimo O Abrigo e do sensacional Amor Bandido, Nichols faz o que talvez um Steven Spielberg de veia mais sombria teria feito na década de 80: um filme de perseguição clássico com reviravoltas de ficção científica e uma visão de mundo entristecida, finalista. Imaginem a sequência de perseguição das crianças pelo governo em E.T. – O Extraterrestre expandida para a duração de um longa e sem todo o sentimentalismo spielberguiano. É mais ou menos o que Destino Especial é.
O que vemos, no começo, são dois homens, Roy (Michael Shannon) e Lucas (Joel Edgerton), que aparentemente sequestraram uma criança, Alton (Jaeden Lieberher), de um culto religioso comandado por Calvin Meyer (Sam Shepard em um ponta). O mistério é quase sufocante e desesperador na construção da obra de Nichols, pois nada é entregue ao espectador de bandeja, com diálogos expositivos ou mesmo montagens esclarecedoras. O próprio sequestro em si só nós é informado indiretamente por notícias em telejornal local, sem diálogos mais do que monossilábicos e a relação com o culto religioso é abordada por intermédio de uma invasão do FBI ao local, situação esta que apresenta ao agente Sevier (Adam Driver) da NSA e o começo de um viés inesperado de ficção científica, algo que vai tomando mais relevo a conta gotas ao longo da narrativa.
Nichols se arrisca muito aqui. Ele sabe que o segredo é essencial, mas que segredo demais poderia afastar o público e revelar muito destruiria qualquer surpresa mesmo que alguns – como eu – possam considerar que, neste filme, a surpresa em si não é essencial para a narrativa. A cadência inicial, que coloca o espectador no meio da fuga, com uma criança de oito anos usando óculos de natação e lendo quadrinhos (Novos Titãs e Superman!) à luz de lanterna, é ríspida, seca, quase sem palavras que traz muita dúvida ao que se está assistindo. Talvez a simplicidade enganosa que marca a curtíssima filmografia do diretor e roteirista é que seja a pedra de toque para o equilíbrio entre o “mostrar” e o “esconder” desta obra. No fundo, o que vemos é uma história intimista sobre uma família (Kirsten Dunst também está no elenco), sobre vidas separadas sob determinadas circunstâncias e unidas sob outras. E, mais ainda do que isso, Destino Especial pode ser visto como um filme sobre a fé e talvez seja este o elemento que realmente diferencie a fita de outras obras do gênero, se é que é possível concluir exatamente a que gênero ela pertence.
Mas calma, não falo aqui da fé em determinado deus ou determinada religião, mas sim fé em se acreditar em algo, mesmo que seja algo terreno, desde que seja algo que mova a pessoa adiante na procura de seus objetivos. Destino Especial é um filme muito mais eficiente em abordar este assunto do que os enlatados moralistas doutrinadores que são lançados aos borbotões por aí como veículos de determinadas religiões. A fé move o garoto Alton, em delicada atuação por Lieberher e a fé move Roy, naquela intensidade silenciosa sensacional que nos acostumamos a receber de Shannon. Nada de choradeira, nada de lições de moral, nada de momentos criados para determinar o que o espectador deve sentir. O texto de Nichols é neutro tanto no que ele acha sobre a fé quanto no que ele diz sobre a situação que cerca os protagonistas. Quem exatamente é Alton? Porque ele é tão importante para o culto? E para o FBI? E para Roy?
Ainda que o espectador possa encontrar muitas das respostas que procura, existe, porém, um potencial de frustração ao final. Nichols constrói sua história intimista prometendo uma revelação bombástica, uma reviravolta final que surpreende de verdade o espectador. Mas isso, porém, não acontece. Ou, pelo menos, não acontece da maneira como muitos esperarão. O clímax de Destino Especial fecha as pontas narrativas e trabalha ciclicamente a temática da obra, mas não traz aquela “pegada” que muitos poderão esperar. Talvez seja um defeito do nascedouro da narrativa, mas tenho para mim que, na verdade, não é um defeito, mas sim o caminho natural do estilo mais terreno de Nichols em todos os seus trabalhos. Seus fogos de artifício são cerebrais, não visuais, ainda que o visual exista, apesar de fugaz e não lá muito inovador ou particularmente interessante. Neste road movie, assim como todos os road movies que merecem a classificação como tal, o que interessa é a jornada e as perguntas que são levantadas. O final está lá apenas por uma necessidade prática e não narrativa, por assim dizer. Portanto, haverá aqueles que, justificadamente, frustrar-se-ão com o desfecho e outros – o meu caso – que o apreciarão, ainda que seja perfeitamente possível entrever que Nichols talvez pudesse ter ido um ou dois passos além.
Destino Especial é um pequeno filme de grandes ambições que merece sair da sombra injusta de uma distribuição hesitante e da pecha de “filme de nicho”. Jeff Nichols faz mais uma pequena pérola cinematográfica que recompensará aqueles que não querem apenas explosões ou reviravoltas insanas em suas ficções científicas.
Destino Especial (Midnight Special, EUA/Grécia – 2016)
Direção: Jeff Nichols
Roteiro: Jeff Nichols
Elenco: Michael Shannon, Joel Edgerton, Kirsten Dunst, Jaeden Lieberher, Adam Driver, Bill Camp, Scott Haze, Sam Shepard, Paul Sparks, David Jensen
Duração: 112 min.