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Crítica | Depois do Vendaval

por Roberto Honorato
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Há uma sequência em Depois do Vendaval na qual John Wayne arrasta Maureen O´Hara pelas ruas, com uma multidão seguindo o casal, fazendo apostas. Em outro momento, alguém oferece uma vareta para que ele “bata na adorável mulher”. É uma imagem que não envelheceu bem, e é uma das mais usadas para desvalidar os méritos do filme, mas quando consideramos as intenções de Mary Kate Danaher, a personagem de O´Hara, podemos ver que é mais um exemplo do quão boa a atriz está aqui. Com exceção desta cena, que não vai conseguir ser traduzida para algo positivo, é evidente o impacto e a influência da mulher na obra.

Essa é uma história simples sobre Sean Thornton (Wayne), um americano tentando fugir do passado que procura a calma em uma pequena cidade da Irlanda. Depois de comprar a casa de campo de seus antepassados e conquistar o coração – e a curiosidade – dos habitantes, Thornton se apaixona facilmente pela belíssima Mary Kate Danaher (O´Hara), uma dama humilde, porém íntegra e cheia de atitude. Uma rivalidade surge quando seu irmão mais velho, “Red” Will Danaher (Victor McLaglen), se opõe ao relacionamento dos dois. Assim começa a rivalidade entre Sean e Will, e as tentativas de Mary Kate em se tornar uma mulher livre das amarras do irmão. No meio disso, os habitantes da cidade se envolvem em uma conspiração louca e o passado de Sean pode estar voltando para assombrá-lo.  

John Ford demorou alguns anos para tirar a obra do papel. Depois de ser rejeitado por alguns estúdios e sofrer com a falta de verba, o filme finalmente encontrou uma casa na Republic Pictures, que só aceitou realizar o projeto de Ford depois dele entregar um de seus longas mais famosos, o clássico Rio Bravo, de 1950. Agora com a permissão para filmar seu próximo trabalho, o diretor pôde desenvolver um de seus projetos pessoais. Pode-se ver o enorme diferencial de Depois do Vendaval até mesmo no tratamento visual, com o uso de um Technicolor vibrante, e logo nas primeiras cenas onde Mary Kate é introduzida, com seu cabelo vermelho contra o vento enquanto pastoreia as ovelhas com seu cajado e encara a chegada do yankee. É uma das composições mais belas do filme, como uma pintura dos campos da Irlanda, e a presença de O´Hara não atrapalha nem um pouco a vista. A decisão de Ford em filmar a maior parte das tomadas externas na própria Irlanda, com sua luz e paisagem natural, como de costume, contribuiu bastante para isso.

O filme é claramente uma carta de amor de Ford ao país, que até hoje utiliza a obra como referência para sua atividade turística. A música, a cerveja e as pessoas são retratadas com tremendo afeto pelo diretor, e em um ponto o personagem de Wayne chega a mencionar como aquele lugar era “outra palavra para o paraíso”. Os rostos da cidade tem um papel importante no trabalho de cativar o público, com figuras quase caricatas mas carismáticas, como o guia Michaleen (Barry Fitzgerald) e o padre Peter Lonergan (Ward Bond). Os dois rendem algumas das cenas e falas mais engraçadas do filme, principalmente o comportamento descompromissado de Lonergan. Assisti-lo tentando pescar enquanto tem que aturar as reclamações da população no seu ouvido são talvez algumas das sequências que fizeram desse filme tão querido. Mas ao lado do protagonismo de Wayne, temos a ótima representação de Mclaglen, com sua fala torta e atitude de criança mimada que precisa carregar um caderninho com o nome de todos que entraram na sua lista negra.

Ainda que tenhamos tanta presença no elenco, arrisco dizer que a verdadeira estrela não é Wayne, mas sim O´Hara. Sua atuação é impactante, cheia de expressões poderosas e intimidadoras, sem deixar de ter bom humor, ela é provavelmente a maior responsável pelo desenvolvimento da trama, e isso considerando a importância de Sean Thornton. Ele nos apresenta ao mundo do filme, mas é Mary Kate quem dá as regras e molda a maioria dos acontecimentos. Sua maior missão é manter sua integridade e receber seu dote, mas não por necessidade, por princípio, por conta de todos os anos perdidos obedecendo o irmão.

Depois de conseguir se casar com Thornton, continua inquieta e insatisfeita, porque ainda não conseguiu o que mais queria. Fica ainda mais visível como ela movimenta as peças do jogo e percebermos que o filme chega em um ponto onde a personagem praticamente coloca na cabeça de seu marido o que deve ser feito. Pode ser desconfortável ver como Ford tem problemas construindo a relação do casal principal e assistir a atriz ser puxada pelo braço e arrastada pelo marido para provar um ponto no clímax do filme, mas não se deve descartar suas intenções e a força de Mary Kate, que no fim é a personagem mais intrigante da obra.

Infelizmente, não é apenas a abordagem sexista da época que tira um pouco do brilho da obra. Ford teve aqui um sério problema ao decidir os caminhos tomados pelo filme. Temos um primeiro ato romântico, de tons leves e monótonos, mas logo entramos no drama da revelação de acontecimentos do passado de Thornton. Aqui há uma mudança necessária de abordagem, mais séria e sem muitas piadas. Mas logo que o filme decide não considerar isso interessante o suficiente, volta para as picuinhas e a rivalidade entre noivo e cunhado. Logo ficamos com uma sequência que toma conta de quase todo o terceiro ato, com a dupla transformando a cidade inteira em um ringue de boxe. É engraçado ver os vizinhos jogando baldes de água na cara de Wayne e fazendo suas apostas, mas você não deixa de se perguntar porque foi parar em uma comédia pastelão depois de termos tratado do assunto mais delicado do protagonista. Não nego ter dado umas risadas, a comédia é muito bem feita, mas também não deixei de olhar para o relógio pelo ritmo tedioso que toma conta do filme quando o próprio não quer mais se esforçar.

Depois do Vendaval é um romance charmoso e uma comédia divertida, vencedor de dois Oscars e um dos mais fáceis de assistir da filmografia de Ford. Tem seus problemas, o principal deles sendo um mal da época, mas continua uma boa indicação para quem quiser um John Ford delicado e até um pouco irrisório ao mostrar mais de sua veia cômica.

Depois do Vendaval (The Quiet Man) – EUA, 1952
Direção: John Ford
Roteiro: Frank S. Nugent, Maurice Walsh (baseado em sua obra) e John Ford (não creditado)
Elenco: John Wayne, Maureen O´Hara, Barry Fitzgerald, Ward Bond, Victor McLaglen, Mildred Natwick, Francis Ford, Arthur Shields
Duração: 129 min.

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