Como já mencionado em outros textos da ramificação “animais assassinos”, parte integrante do subgênero horror ecológico, os ursos são animais potencialmente perigosos, mas com representações bem menos interessantes que outros predadores de topo da cadeia alimentar selvagem, tais como os tubarões, leões, serpentes, etc. Foi preciso o lançamento tardio de Dentro do Labirinto Cinzento, em 2015, para estes animais ganharem a devida apresentação no segmento, material intenso e interessante, um grande avanço na abordagem dos perigos em torno deste ser incrivelmente forte e com imagem sedimentada na cultura popular e no terreno da simbologia. Conhecido por representar conhecimento e transformação interior, para os nativos americanos, os ursos têm significação sagrada e são dotados de poderes especiais. Para os russos e parte do continente asiático, eles são os reis dos animais, criaturas que “ressuscitam” depois de um longo período de hibernação. Na raiz formativa dos vocábulos Berlim e Berna, há alguma relação com “bear”, outra presença rizomática destas criaturas no extenso imaginário mundial, seres que na psicanálise de Jung, significam a falta de controle do inconsciente, descontrole que alegorizado, pode ser a resposta para a crueldade e rudeza de alguns seres humanos.
Ao longo de seus 94 minutos e sob a direção de David Hackl, realizador guiado pelo texto dramático de Guy Moshe e J. R. Reher, a produção retrata a trajetória de Rowan (James Marsden), um jovem homem que retorna para a cidade onde cresceu e se formou para ajudar no resgata da esposa de seu irmão Beckett (Thomas Jane), um delegado com forte empenho ambiental, interessado na defesa dos ursos locais, criaturas apresentadas como ameaçadoras pela mídia e população local, animais selvagens que na verdade apenas reagem ao avanço desmedido dos humanos em zonas essencialmente naturais, próprias para a natureza agir e reagir conforme os instintos próprios. Surda, Michelle (Piper Perabo) possui um desafio ainda maior na zona por onde se perdeu, sendo esse apenas um dos tantos obstáculos que também serão enfrentados por Kaley (Michaela McManus), um antigo amor na vida de Rowan, personagem que por motivos óbvios, entra na história para acrescentar algum drama extra, dando ao jovem que retorna ao lar mais informações para o desenvolvimento de seu perfil psicológico. Não é preciso dizer que o reencontro entre irmãos também é recheado de momentos de tensão, sustentados pelo passado conturbado dos rapazes com o pai já falecido, dentre outros pormenores para aquecer a trama.
No meio da floresta, o grupo vai experimentar sensações diversas de medo e adrenalina, com um ritmo relativamente mais lento em seus primeiros 40 minutos, mas intenso ao passo que o filme avança. Entre a abertura e o desfecho, o urso é apresentado como uma criatura em seu habitat natural, reativa em relação aos humanos que insistem em adentrar na densa região para a prática da caça. Douglas (Billy Bob Thorton) e Scully (Scott Glenn) são os personagens que preenchem o núcleo das subtramas envolvendo caçadores inveterados e com seus respectivos cotidianos motivados pela chacina de ursos para alimentação do comércio ilegal envolvendo estes animais, algo que infelizmente não é parte intrínseca da ficção, mas parte da nossa dura realidade destrutiva. Com estrutura narrativa organizada em reencontros + busca + estratégias de salvamento + perseguições, Dentro do Labirinto Cinzento promove um epílogo agitado, cheio de intensidade, um desfecho bem empolgante, com humanos e o urso num embate “na faca” e no “machado”. A supremacia, como já era de se esperar, é dos seres racionais, mas o animal não deixa de fazer seu estrago e deixar um recado típico do horror ecológico, algo como “não mexa com a natureza”. Sem elementos sobrenaturais ou emprego de características antropomórficas para o predador em cena, a produção segue uma linha mais próxima o possível do que chamamos de “realismo”.
Para contar a sua história, o cineasta conseguiu uma boa equipe técnica, grupo de pessoas responsáveis por entregar um trabalho visualmente eficiente, atmosfera de aventura com traços de horror, digna de um bom exemplar “ecológico”. Marcus Trumpp assina a trilha sonora, composição musical que apresenta muita vantagem ao evitar a presença intrusiva e ser construtora de tensão nos momentos certos da narrativa. Geralmente há excessos em tramas deste segmento, numa compensação da falta de recursos visuais na textura percussiva, mas este não é o caso em Dentro do Labirinto Cinzento. Os efeitos especiais supervisionados pela equipe de John Sampson se mesclam aos efeitos visuais gerenciados por Mike Leeming, setores também eficientes diante de suas demandas para a projeção do clima de aventura ideal ao filme. No design de produção, Tink entrega uma boa estrutura visual, das cabanas aos espaços com algum sinal de urbanização nas imediações da densa região florestal do enredo, material captado pelo trabalho de James Liston na direção de fotografia, adequada tanto em sua movimentação quanto em sua abertura e fechamento do quadro em prol da expansão e/ou contenção da tensão para propósitos dramáticos. Ademais, o filme é uma aventura muito acima da média para os exemplares do subgênero, mas ainda esperamos “o” clássico com um urso perigoso para arquivar na memória. Tal como já dito, a cena com Leonardo Di Caprio e o urso em O Regresso ainda é melhor que todos os filmes com este animal sendo o protagonista do posto de algoz. O subgênero horror ecológico precisa urgentemente rever as suas prioridades narrativas e repensar o lugar dos ursos, não é mesmo?
Roteiro: Guy Moshe, J.R. Reher
Elenco: Billy Bob Thornton, James Marsden, Michaela McManus, Piper Perabo, Thomas Jane, Adam Beach, Alvin Sanders, Bart the Bear (ll)
Duração: 94 minutos