Home QuadrinhosArco Crítica | Demolidor: Supremo e Terra de Cego (2017)

Crítica | Demolidor: Supremo e Terra de Cego (2017)

Justiça e fantasia.

por Luiz Santiago
31 views

Supremo

Terra de Cego

Às vezes a gente acha que se livrou de um tormento; mas aí ele volta, silenciosamente, como se nunca tivesse partido. Foi isso que consegui comprovar neste volume com duplo capítulo na jornada do Demolidor, finalizando o Volume 5 de sua série regular. Aqui, temos o roteirista Charles Soule criando uma interessantíssima aventura de batalhas judiciais e, logo na sequência, voltando à fantasia “exótica” (sabe como é, para o americano médio: se está ambientado na Ásia, principalmente no Extremo Oriente e Sudeste Asiático, tem que ser absurdamente estranho ou irritantemente onírico) com o Ponto Cego em cena, só para desperdiçar o tempo do leitor.

Na primeira parte do compilado, intitulada Supremo, o autor sugere uma inovadora possibilidade de enfrentar a criminalidade em Nova York, instigando a criação de uma lei que permite aos super-heróis testemunharem contra bandidos sem revelar suas verdadeiras identidades. Essa premissa convida a uma reflexão aprofundada sobre a fragilidade das instituições e a maleabilidade dos sistemas legais, estabelecendo um cenário onde o ideal da “justiça cega” se contrapõe à realidade corrupta e ambígua dos bastidores do poder, seja no Legislativo, no Judiciário, no Executivo, na polícia ou nas Forças Armadas. O ex-advogado de Tony Stark (Legal), a presença de Jennifer Walters (uma Mulher-Hulk em crise de administração de poderes) e os discursos muito honestos sobre o papel das várias camadas do Judiciário deixam essas primeiras edições boas demais para ser verdade, acostumando mal o leitor.

Retomando a vida do Demolidor após sua identidade ser novamente ocultada de (quase) todos — um presente das crianças-púrpura que deu a Murdock e ao Demolidor uma oportunidade de recomeçar –, Supremo tem o mérito de equilibrar cenas de ação intensa com pausas para um diálogo reflexivo que, ao mesmo tempo em que ressalta a importância dos relacionamentos (na fase final, temos a retomada do contato de Matt com Foggy), empurra o protagonista para uma experiência inédita, conduzindo-o à Suprema Corte dos Estados Unidos. As linhas paralelas e todo esse arranjo jurídico, com o Rei do Crime claramente com medo da lei de testemunho dos super-heróis, trazem nuances bem distintas para o arco, inicialmente enérgico e, conforme avança, mais verbal e intelectualmente desafiador. O autor cria um ritmo que, apesar de não ser perfeito, revela uma intenção de alternar ação com a necessidade de uma narrativa mais questionadora das estruturas jurídicas vigentes, o que por si só já torna o drama válido.

Para piorar, a problemática nem se resolve, de fato.

Já o segundo arco, intitulado Terra de Cego, temos uma reviravolta narrativa absolutamente irritante, retomando os passos perdidos do jovem herói (?) Ponto Cego e se mostrando, de maneira desconcertante, uma mescla de fantasia e sequências de luta desalinhadas, já que nem a arte mais esforçada consegue salvar a nossa percepção geral sobre esse draminha pseudo-épico. Além disso, a inserção de um flashback que explica o passado do Ponto Cego é inteiramente questionável aqui, e, em última análise, desvia a nossa atenção de uma trama que já carecia de coesão. Essa decisão do autor, de afastar o Demolidor de Nova York por um período indefinido até que Wilson Fisk assumisse a prefeitura da cidade, mostra uma ânsia de alterar o status quo político da cidade, o tal “Plano C” que o Rei do Crime tinha comentado em Supremo. Vista de longe, é uma realidade muito interessante, mas a forma como foi executada pecou pela falta de integração narrativa e perda de tempo com algo que ninguém queria saber, no momento.

A fusão desordenada de fantasia mal dosada e sequências de luta sem lógica em Terra de Cego chega ao seu fim com um aceno para uma trama política que reacende o interesse do leitor pelo título… Mas a que preço, hein! A diferença desse caminho textual para aquele adotado por Soule em Supremo é tão grande, que nos faz pensar se existem orientações externas (da editoria da Marvel, nesse caso) movendo as pretensões dramáticas do autor para caminhos medíocres ou muito absurdos a fim de fazer as histórias se encaixarem nos eventos marvetes, e não o contrário. No fim, quem sai perdendo, somos nós.  

Demolidor: Supremo e Terra de Cego (Supreme + Land of the Blind) — EUA, junho a outubro de 2017
Contendo: Daredevil – Vol.5 #21 a 28
No Brasil: Demolidor 2ª Série – n°16 (Panini, junho de 2018)
Roteiro: Charles Soule
Arte: Goran Sudzuka, Alec Morgan, Ron Garney
Arte-final: Goran Sudzuka, Alec Morgan, Ron Garney
Cores: Matt Milla
Letras: Clayton Cowles
Capas: Dan Panosian, Mike Deodato Jr., Frank Martin Jr., David López, Ron Garney, Matt Milla
Editoria: Mark Paniccia, Mark Basso, Christina Harrington, Jordan D. White
192 páginas

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais