Home QuadrinhosArco Crítica | Demolidor: Só Medo (2019)

Crítica | Demolidor: Só Medo (2019)

Voltando das férias em péssimo estado.

por Kevin Rick
2,7K views

Depois da inconsistente fase de Charles Soule no quinto volume do Demolidor, além de uma minissérie de Jed Mackay chamada Homem Sem Medo (2019), o roteirista Chip Zdarsky assume o novo volume do herói com diversos problemas que precisa contextualizar e reorganizar enquanto costura sua própria abordagem. Wilson Fisk é o prefeito de Nova York, o crime organizado está explodindo em Hell’s Kitchen e o protagonista está voltando depois de uma experiência quase fatal após ser atingido por um caminhão salvando alguém – uma clara referência para o acidente que deu origem aos seus poderes. De maneira geral, já começamos o sexto volume em tom de desgraça para um dos heróis mais torturados na história da Marvel, que basicamente precisa voltar ao cenário do heroísmo sem estar totalmente pronto.

Zdarsky não mede forças em piorar o quadro mental do protagonista. O início do arco é sucinto e eficiente em recontextualizar as consequências da run anterior, rapidamente jogando o personagem de volta às ruas, com muita vontade de ser visto novamente e desfrutando do combate ao crime, mas também com hesitação e problemas de confiança. Matt está enferrujado e emocionalmente quebrado, duvidando de cada passo, lento em suas ações e cometendo erros bobos, algo que é transpassado tanto pela excelente diagramação caótica em suas lutas que parecem mais brigas de bar, “feias” e desordenadas para alguém do nível do Demolidor, quanto pelo texto que escorre angústia e incerteza nas conversas mentais de Matt. A consequência da falta de preparação do personagem vem logo no início do arco, com a morte acidental de um bandido nas mãos do herói, o que acontece de maneira inesperada e dá espaço para um conflito interessantíssimo.

A partir disso, o personagem vai ficando mais errático e irracional à medida que a história progride, mas nunca descaracterizado. Zdarsky utiliza o acidente de trampolim para abordar temas conhecidos na mitologia do personagem, como moralidade, penitência e seu catolicismo, incluindo bons flashbacks que estabelecem a crença do protagonista, no que é um estudo de personagem cuidadoso por parte do autor, mais focado aqui em analisar, confrontar e descontruir traços definidores do herói e como o mesmo reage a esse tipo de situação, indo de negação, raiva até remorso. O próprio volume inicial, apesar de contar com participação de Fisk, não tem um antagonista propriamente dito, tampouco o desenho de uma trama para o próximo arco, já que o trabalho de Zdarsky se concentra em colocar o Demolidor como seu próprio inimigo, fazendo besteira atrás de besteira, numa sucessão de decisões trágicas que o coloca em posições complicadas e num estado mental assolador, mesmo considerando seu histórico de tragédias.

Algo interessante no arco reside na maneira que Zdarsky dá atenção para a reação de vários personagens sobre o alvoroço do Demolidor. Temos algumas participações rápidas, porém bacanas do Justiceiro (sempre um contraste moral definitivo com o “red”), Luke Cage, Jessica Jones e Punho de Ferro, que agregam à espiral do protagonista, indo de um problema a outro. Tenho algumas ressalvas com o escanteamento de Foggy aqui, bem como a postura um tanto agressiva do Homem-Aranha em uma cena importante, mas, de maneira geral, Zdarsky faz um trabalho dramático de qualidade, com diálogos afiados e conflitos profundos. O grande destaque fica com a reação da polícia (e, até certo ponto, da própria Nova York), que tem um carinho e respeito, mas também receio e dúvidas sobre o herói, incluindo a ótima participação de um detetive que veio de Chicago, que empresta um olhar de fora, menos parcial para a situação – e o melhor coadjuvante no arco até o momento.

É curioso como a arte de Marco Checchetto, extremamente vistosa e detalhista, principalmente no cuidado com interiores e backgrounds, em tese não deveria funcionar em algo mais sombrio e pé no chão como o combate nas ruas do Demolidor, mas ela funciona, talvez por conta do trabalho de cores de Sunny Gho, que empresta essas características sóbrias para os traços lindíssimos do artista. A forma como Zdarsky costura uma narrativa com o Demolidor mais humano e menos preparado também ajuda nessa impressão geral de um arco mais realista e com algumas camadas dramáticas notáveis em torno de temas simples, especialmente sobre aquela culpa católica que persegue o herói, posta aqui de maneira arrasadora com a morte nas mãos do protagonista. Me pergunto ainda como será o próximo arco em termos da trama principal e do antagonista de destaque – possivelmente Fisk, mas não sei se Zdarsky quer encaminhar sua história para algo político -, mas Só Medo é um ótimo pontapé, continuando as tramas do arco anterior, enquanto apresenta sua própria concepção em torno do herói, sem piedade nenhuma com o sujeito e com o que parece ser uma jornada inicial em torno da dúvida sobre deixar o manto de lado. Será que o Demolidor consegue?

Demolidor: Só Medo (Daredevil: Know Fear) — EUA, fevereiro a maio de 2019
Contendo: Daredevil – Vol.6 #01 a 05
No Brasil: Demolidor 3ª Série – n°1 (Panini, março de 2020)
Roteiro: Chip Zdarsky
Arte: Marco Checchetto, Chip Zdarsky
Cores: Sunny Gho
Letras: Clayton Cowles
Editoria: Lauren Amaro, Devin Lewis, Nick Lowe, C.B. Cebulski
Editora: Marvel Comics
124 páginas

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais