- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos episódios anteriores e das demais aparições do personagem na televisão.
Assim como Ilha da Alegria, Direto para o Inferno é um episódio de correção de rumo, que tenta emprestar sentido lógico a tudo o que veio antes, recorrendo, para isso, a explicações marretadas na narrativa no último minuto que são detalhadas para o espectador que é novamente tratado como uma criança de cinco anos que sofre de algum tipo de déficit de atenção. Sim, o resultado é superior a quase tudo o que veio antes, o que já não é um sarrafo muito elevado, mas muito menos pela eficiência dos roteiristas em efetivamente criarem convergência e muito mais pelo retorno de Karen Page que funciona como o instrumento que pareia Frank Castle a um combalido Demolidor que, temos que aceitar (mas só porque é uma série de super-heróis), é capaz de derrotar um exército de policiais corruptos com a ajuda de seu amigo caveiroso poucas horas depois de levar um tiro no ombro.
Aliás, como episódio de uma série do Demolidor, Direto para o Inferno é muito mais eficiente como um episódio de uma série do Justiceiro, o que me deu esperanças de que o anunciado especial sobre o personagem não economizará no tipo de violência explícita e mortal combinada com distúrbio mental que o personagem precisa ter para ser quem ele é. Mas, mesmo reacendendo essa esperança, as reentradas de Page e Castle em Demolidor: Renascido são como presentes em embalagens vistosas para que o espectador perdoe tudo o que veio antes, pois nada realmente funciona em termos narrativos, começando pelo flashback forçadíssimo que “explica” o interesse de Vanessa Fisk em ver Foggy Nelson morto e o porquê de Wilson Fisk não ter sido preso ao final da terceira temporada da série original, continuando com a Força Tarefa Anti-Vigilantes que, como disse em meus comentários anteriores, foi jogada sem qualquer desenvolvimento na trama e todo o restabelecimento de Wilson Fisk como o Rei do Crime, só que, agora, com o bônus da prefeitura para “lavar” tudo o que ele faz às escusas.
Até mesmo o blecaute em Nova York – aparentemente a única maneira de criar caos na cidade só porque isso aconteceu, com esse efeito, uma vez lá nos anos 70 – é algo jogado de qualquer jeito na história para justificar a decretação de lei marcial por Fisk e, por incrível que pareça, tornar mais fácil o assassinato de Matt Murdock que ele SABE que é cego e que tem os poderes que tem, ou seja, dando vantagens não aos seus assassinos, mas sim à pretendida vítima. Mas pelo menos a sequência do atentado à Murdock em seu apartamento foi uma ótima maneira de reintroduzir o Justiceiro e mostrar o que abordei acima, ou seja, que a Marvel Television, talvez, se tudo der certo, está disposta a tratar o personagem da maneira que ele precisa ser tratado, além de evitar que o Demolidor, ferido, lute sozinho, pois seria esgarçar demais a suspensão da descrença já tão combalida em razão de uma série que não crê em si mesma.
É interessante notar uma coisa, porém: os poucos minutos que vemos Karen Page em cena valeram mais do que a soma de tudo o que vimos sobre todos os coadjuvantes da série que gravitam ao redor de Matt Murdock. Sim, claro, ela tem a vantagem das três ótimas temporadas do Netflix dando-lhe relevância, mas é sintomático que mais ninguém em Demolidor: Renascido chegue próximo dela em termos de importância. De certa maneira, o tão desejado retorno da loira deixou ainda mais evidente o quão fraca foi a temporada como um todo, impressão essa que é redobrada pela presença do Justiceiro roubando todas as cenas em que aparece, seja no apartamento de Murdock, seja no momento em que ele encara de forma quase suicida a Força Tarefa em Red Hook. Entre o primeiro episódio e essa dupla final de capítulos, havia uma outra história para ser contada, uma que levasse do ponto A ao ponto B naturalmente, sem que os roteiros precisassem nos contar isso de maneira esbaforida ou fazer uso de elipses convenientes, como foi a hilária (por ser outro exemplo de informação marretada) revelação do que Foggy havia descoberto sobre a região portuária e que ele não só não havia contado para ninguém, como ninguém, em um mundo hiperconectado em que cada coisinha irrelevante é alvo de imenso escrutínio, revelou ao mundo quando Fisk agarrou-se a Red Hook.
Devo dizer que o final foi um pouco decepcionante para o Demolidor – ele ouve tudo, menos que Frank Castle foi capturado lá no porto… – que acaba nas ruínas do bar da Josie recrutando meia dúzia de gatos pingados que ninguém liga para uma linha narrativa na segunda temporada que, por outro lado, promete mundos e fundos se Dario Scardapane tiver um pouco de liberdade e de orçamento, além de coragem. Por outro lado, os Fisks ganharam um final bacaníssimo e cheio de simbologia para eles ao brindarem o império que estão prestes a reerguer e multiplicar diante do quadro branco manchado de sangue que não só representa o momento em que os dois se conheceram, como, também, a derrota do Rei do Crime pelos punhos do Demolidor e, claro, seu desejo de vingança. Direto para o Inferno é, sem dúvida alguma, um episódio que faz melhor o que seu antecessor tentou fazer e parece indicar um futuro próspero para a série. Mas, claro, diferente de Matt Murdock, que não tem escolha, só acreditarei vendo…
P.s.: Adam, amante de Vanessa Fisk, era burro pacas, mas a burrice dele não chega aos pés da de Anthony Petruccio naquela cena pós-créditos que prepara o especial do Justiceiro, não é mesmo?
P.s. 2: Fiquei com um receio: ali na montagem final alguém mais teve a impressão de ver um Poindexter cabisbaixo, tristonho, que parece indicar que o Mercenário terá um arco de redenção?
Demolidor: Renascido – 1X09: Direto para o Inferno (Daredevil: Born Again 1X09: Straight to Hell – EUA, 15 de abril de 2025)
Showrunner: Dario Scardapane
Direção: Justin Benson, Aaron Moorhead
Roteiro: Heather Bellson, Dario Scardapane
Elenco: Charlie Cox, Vincent D’Onofrio, Margarita Levieva, Zabryna Guevara, Nikki M. James, Genneya Walton, Arty Froushan, Michael Gandolfini, Clark Johnson, Ayelet Zurer, Michael Gaston, Hamish Allan-Headley, Lou Taylor Pucci, Tony Dalton, Deborah Ann Woll, Wilson Bethel
Duração: 59 min.