Home QuadrinhosArco Crítica | Demolidor: A Paz de Deus (2019)

Crítica | Demolidor: A Paz de Deus (2019)

Tentações.

por Kevin Rick
2,2K views

Depois dos eventos trágicos de Só Medo, Matt Murdock decide abandonar o manto de herói. O começo de A Paz de Deus deixa bem claro: o Demolidor está morto. A grande pergunta é: por quanto tempo? Chip Zdarsky não demora para responder isso em seu segundo arco à frente do Homem Sem Medo, rapidamente nos situando do tom do volume em torno do flerte do protagonista com o retorno ao heroísmo, que não demora a acontecer ainda neste arco. De início, porém, temos uma narrativa mais “tranquila” e dilatada, lidando diretamente com Matt, sua nova rotina como um Oficial de Condicional e as consequências do sumiço do Demolidor. A mudança de arte e da diagramação, com Lalit Kumar Sharma assumindo a obra junto de Java Tartaglia, deixa claro o novo tom da narrativa, que é menos dinâmico e menos sombrio.

Gosto da paciência do texto de Zdarsky aqui, que dá mais espaço para Matt e menos para o Demolidor, algo que algumas das melhores runs do personagem sempre fizeram. Inclusive, é perceptível um encaminhamento do autor que recicla histórias e temas passados da história do personagem, mas com muita qualidade. Particularmente, acho notável a maneira como o roteiro gradualmente molda uma trama de tentações com o protagonista, sendo atraído para o submundo, para o caos e para o demônio, na metáfora sobre como somos induzidos a pecar por nossa natureza humana ou pelo mundo a nossa volta. As diversas cenas de confissão e da culpa católica do herói enfatizam essa camada temática, também reforçada pela forma que Matt comete outros pecados, como a traição com Mindy Libris e seu interesse – talvez intencional ou não; racional ou não – com a família criminosa Libris, que o personagem confronta e se mistura cada vez mais à medida que o arco progride.

O drama de Matt funciona com destreza, ainda que o texto seja protocolar em alguns momentos e o segundo arco como um todo soe mais como uma boa transição e preparação para os próximos eventos do que uma história por si só com grandes destaques. Interessante, também, como o Rei do Crime ganha um tratamento similar, mas no outro espectro, carregando aquela dualidade entre os rivais. O antagonista está deixando o submundo e tentando mudar sua trajetória como prefeito, mas, como Matt, o vilão tem as mesmas tentações e estímulos por violência – alguns trechos ameaçadores com Wesley são excelentes. Nesse sentido, vale destacar como Zdarsky constrói tensão sem ação, como no ótimo bloco do jantar de Matt com a família Libris ou a reunião passivo-agressivo de Fisk com seus “tenentes”, que traz um encaminhamento interessante de uma narrativa de crime sobre disputa de territórios que pode ser o centro do próximo arco.

Eventualmente, o Demolidor aparece, mas naquela versão Frank Miller da imagem acima, mais cru, errático e hesitante em voltar ao clássico traje vermelho. A jornada – ou derrocada, dependendo do ponto de vista – de Matt fica bem delineada ao longo do arco, com o mesmo começando feliz e cheio de esperança, e terminando no mesmo lugar de antes, seja por seu destino de salvar vidas, seja por sua sina de amar o combate ao crime. A paz de Deus vai dando espaço para as mesmas torturas e dilemas morais de sempre, com um gancho que traz a maior tentação da história do herói: Elektra. Só me pergunto o que o Homem-Aranha vai achar disso tudo depois daquele encontro complicado do arco anterior.

No mais, A Paz de Deus segue com algumas tramas paralelas, envolvendo alguns vigilantes amadores copiando o Demolidor – um núcleo ainda desgarrado e que não mostrou completamente ao que veio, mas veremos o que Zdarsky tem a oferecer aqui – e outro continuando o arco de Cole North, que segue interessantíssimo na abordagem policial do texto, incluindo uma arte de Jorge Fornés com cores de Jordie Bellaire na última edição do arco que casam perfeitamente com a tônica procedural e detetivesca do coadjuvante. Mais um arco de transição, organização e estabelecimento do que vem por aí, o segundo bloco de edições de Zdarsky mantém uma consistência narrativa, apresenta elementos clássicos de uma roupagem dramática conhecida, mas ainda relevante do herói, e desenvolve Matt antes de jogar o Demolidor para os lobos, que, podem ter certeza, estão à espreita, muitos dos quais não questionam seus impulsos e tentações como nosso herói católico.

Demolidor: A Paz de Deus (Daredevil: No Devils, Only God) — EUA, junho a outubro de 2019
Contendo: Daredevil – Vol.6 #06 a 10
No Brasil: Demolidor 3ª Série – n°2 (Panini, agosto de 2020)
Roteiro: Chip Zdarsky
Arte: Lalit Kumar Sharma, Jay Leisten, Jorge Fornés
Cores: Java Tartaglia, Jordie Bellaire
Letras: Clayton Cowles
Editoria: Devin Lewis, Nick Lowe, C.B. Cebulski, Danny Khazem
Editora: Marvel Comics
124 páginas

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais