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Crítica | Deep Sky Derelicts

por Giba Hoffmann
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Duas coisas que não precisam de muito para me chamar a atenção em um jogo: ambientação sci-fi inventiva e combate por turnos. Ainda que você seja como eu nesse ponto, é possível que Deep Sky Derelicts tenha passado despercebido pelo seu radar de indies promissores, desde seu lançamento original em 2018. Eu mesmo só fui descobrir a respeito do game na ocasião do lançamento de seu mais recente DLC, Station Life. Instantaneamente fisgado pela premissa do título, logo soube das comparações frequentes com Darkest Dungeon — jogo que também parece bem bacana, mas que permanece me aguardando no meu backlog quase infinito. Os demônios que me perdoem, mas a exploração de ruínas espaciais terão sempre a precedência por aqui!

Lançando mão de uma ambientação espacial pós-apocalíptica, a história do jogo nos coloca no controle de um trio de mercenários sucateiros. Nesse futuro distante e decadente, grandes naves espaciais abandonadas por milênios, apelidadas de derelicts, atraem todo tipo de caçadores de tesouro em busca de tecnologias perdidas, itens valiosos e outros espólios diversos. Com os planetas habitáveis atualmente praticando políticas de controle populacional agudo, resta aos chamados “sem estado” sucatearem por essas ruínas espaciais em busca da riqueza necessária para subir de vida.

Nossos heróis não são exceção: na verdade, um governador local já nos brindou com a oferta irrecusável de obtenção de cidadania em um dos planetas habitáveis, mediante a localização da mítica Mothership, a derelict mais procurada dentre todas. Ou seja, caso estejamos cansados dessa vida sem chão, só nos resta revirar essas ameaçadoras ruínas espaciais em busca de informações a respeito da tal Mothership.  No caminho, conhecemos mais desse universo através de excelentes diálogos com formas de vida, computadores e seres dos mais diversos. A progressão da história se dá principalmente sob o estilão de interação com NPCs em um RPG de mesa: texto, diálogo e algumas opções de escolha que podem depender das habilidades de seus personagens. A opção combina bastante com toda a gameplay do jogo, que por mais de um momento me fez lembrar de um bom jogo de tabuleiro.

A apresentação audiovisual do título complementa perfeitamente a ótima ambientação oferecida pelo roteiro. A parte gráfica aposta em um estilo quadrinhesco bastante atrativo, que por vezes lembra um pouco algo traçado por Mike Mignola. As paisagens surrealistas conseguem trazer variedade suficiente, em especial nos setores mais avançados da trama, enquanto os personagens são bem representados em designs com traços grossos e cheios de detalhes com um jeitão meio steampunk. No entanto, embora o artwork seja fenomenal, a experiência acaba optando por uma apresentação um tanto simplista: as animações de batalha contam com poucos frames (ainda que isso em si acabe calhando bem com o estilo HQ da arte), e as opções de customização dos personagens são bem estreitas.

Ao início do game, é possível criar e customizar nosso trio de aventureiros em termos de classe, personalidade e aparência. Dentre os três, o mais interessante acaba sendo a exploração das classes e sua interação entre si no excelente sistema de batalhas. No total, são oito classes disponíveis para se escolher (seis no jogo base, e mais uma adicional para cada DLC), representando elementos dos tradicionais arquétipos de RPG recombinados de diversas formas bem interessantes. Todas as classes contam com capacidades ofensivas, defensivas e de suporte, o que garante que as especializações atuem da melhor maneira possível: mais como elementos de complexidade do que repartindo as tarefas de forma monótona.

Com cada classe podendo ramificar entre duas especializações e diversas combinações possíveis de trios (Quer tentar uma run no hardcore apenas com três médicos? Manda ver!), a complexidade do sistema de batalhas compensa de certa forma as poucas opções de customização de visual e a linearidade da história. Inusitadamente, o jogo me lembrou um pouco a minha experiência com o primeiríssimo Final Fantasy, onde o principal atrativo e fator replay se encontravam não no desenvolvimento da trama e do mundo em si, mas na customização da equipe de batalha e na testagem de combinações diversas. Claro que o sistema aqui é muito mais robusto e polido do que o clássico do NES, e o resultado acaba sendo um prato cheio para os fãs de um bom combate por turnos. Evidentemente, para os entusiastas de um bom desafio, o jogo conta com uma opção de dificuldade com direito a permadeath, sem choro nem vela (e nem save)! Porém, esse flerte com as mecânicas roguelite acabou não sendo um grande ponto forte para mim, conforme explicarei logo mais.

Tirando um hub básico onde o jogador gerencia sua nave e tripulação, a maior parte do game se dá a bordo das derelicts, que funcionam como as dungeons do jogo. Sua exploração se dá através de um mapa em grade que é até funcional, porém sem muito apelo visual, que evoca novamente um certo aspecto de jogo de mesa na experiência. No entanto, eu rapidamente deixei de levar em conta a simplicidade visual dos mapas, uma vez que a jogabilidade viciante encarreira muito bem as batalhas (ponto alto indiscutível do jogo) e a progressão da narrativa principal, que se dá com a obtenção de dados especiais nos computadores centrais de certas naves.

Os dois recursos principais de gerenciamento de nosso time de sucateiros são o dinheiro e a energia. Com o primeiro, é possível comprar e melhorar armas e equipamentos diversos, além de upgrades para a nave e para os personagens. Além disso, é sempre bom deixar um pé de meia para a conta médica, que pesa bastante no bolso em especial nas primeiras sequências.

Já a energia (EP) é um recurso partilhado por toda a equipe, que determina a movimentação em campo mas também pode ser empregada de diversas formas em batalha. Ficar sem combustível no meio de uma dungeon extensa pode ser fatal — ou seja, nada da fazer isso, especialmente no modo hardcore! A mecânica de energia é até relativametnte simples, mas acaba sendo explorada sob ângulos bem interessantes que garantem mais densidade e um fator de imprevisibilidade às jornadas exploratórias. É simplesmente viciante percorrer as naves em busca de loot, voltar até a base com nossa equipe devidamente “upada” e liquidar toda a tralha para pagar o combustível da próxima jornada!

A verdadeira estrela do show, no entanto, não tinha como não ser o sistema de batalhas por turnos. Utilizando um esquema de comandos por cartas, o jogo implementa um aspecto muito interessante de deck building que dá o acabamento definitivo tanto ao seu lado de “jogo de tabuleiro” quanto ao sistema robusto de classes, resultando em batalhas estratégicas muito divertidas, especialmente para quem curte ficar planejando em torno de status, buffs e debuffs e coisas do gênero. Equipamentos e skills de classe geram cartas que vão sendo adicionadas ao deck de cada personagem, e “compradas” a cada um de seus turnos em batalha. Além das indispensáveis cartas de ataque, temos diversos cards de efeitos que vão da medicina espacial à conjuração de um exército de bots pronto a defender com unhas e dentes metálicos a sobrevivência dos nossos sucateiros.

A variedade de opções é realmente muito extensa, e o sistema encontra um bom balanço entre atributos “crus” e estratégia para determinar o destino das batalhas. É indipensável recorrer um pouco a o bom e velho grinding para juntar experiência, em especial se sua equipe favorecer a conversa e o planejamento à belicosidade e à exploração rapida e desordenada das naves. Felizmente, a variedade de táticas dos inimigos garante que a experiência se mantenha sempre interessante. Por exemplo, o uso de táticas focadas em defesa ou status pelos inimigos, algo que é mais raro no gênero do que poderia-se imaginar. Ou seja, embora a escadinha de poder e a aleatoriedade estejam lá presentes, a estratégia não deixa de ocupar o ponto central da mecânica, o que para mim é sempre um ponto a favor.

Como bom fã de batalhas estratégicas, o fato de que algumas das lutas acabem sendo um tanto longas conforme a complexidade aumenta não é um ponto contra para mim, embora marque ainda mais a recomendação do jogo como específica para os entusiastas do estilo. Os elementos roguelite não se sustentam com a mesma complexidade e variedade do que o sistema de batalhas em si, o que deve ser levado em conta por que procura uma experiência de jogabilidade voltada à exploração randômica. O mesmo vale em relação à narrativa interessante e carismática, que garante o outro apoio necessário para o lado RPG da coisa toda, que é a frente na qual o game brilha com mais facilidade.

Vários dos elementos centrais que acabam pesando na escolha do trio de personagens e de suas builds vão ficando claros apenas conforme exploramos o jogo pela primeira vez. O papel central dos escudos de energia e a distinção entre unidades biológicas e mecânicas são um exemplo disso. Embora sejam conceitos teoricamente simples e auto-explicáveis, a forma como são explorados nas mecânicas de batalha garantem que a coisa vá ficando mais interessante conforme se avança na história, o que nos deixa curiosos para explorar novas possibilidades em replays futuros. Experimentar combinações diferentes é um dos elementos mais legais de todo o jogo — o que torna a ausência de um esquema de “banco de reservas” um grave ponto contra. Apesar de podermos contratar novos mercenários na base, é necessário dispensar um dos elementos de nosso trio atual para fazê-lo — o que torna a opção um tanto inútil, já que criamos o personagem exatamente como queríamos no início da campanha, não?

Além da adição valiosa de duas classes novas (Inventor e Miner, duas das opções mais diferentes e divertidas de se jogar), as expansões New Prospects e Station Life adicionam uma boa variedade de conteúdo à experiência, trazendo elementos novos ao gerenciamento em campo, em batalha e até mesmo na base espacial entre missões. Tendo experienciado o jogo já contando com essas adições incluídas, posso dizer que são elementos que se mesclam muito bem e enriquecem o jogo base, trazendo mais diversidade e aumentando o fator replay ao engrossar a frente das sidequests.

No final das contas, Deep Sky Derelicts não deixou muito a desejar para um jogador vindo do meu ponto de vista, ou seja, buscando um bom RPG de combate por turnos. O pequeno conflito interno entre as diferentes inspirações do jogo não chega nunca a pesar contra a experiência total, sendo que as únicas mudanças que eu vejo como realmente necessárias são aquelas relativas à interface, como compatibilidade com joystick e a visualização das cartas dos inimigos em batalha. Embora os elementos básicos de roguelite sejam suficientemente bem explorados para ser uma experiência que valha a pena para os fãs do gênero, é no sistema de batalha por cartas que o título realmente brilha com toda sua variedade e complexidade. Uma excelente pedida para quem se interessa por sistemas de batalhas com cartas, subgênero que ficou sumido por tanto tempo, mas que atualmente passa por um bem-vindo ressurgimento e que tem aqui um de seus exemplares mais bacanas, em termos de um indie game.

Deep Sky Derelicts
Desenvolvedora: Snowhound Games
Publicadora: 1C Entertainment
Lançamento: 26 de setembro de 2018 (jogo base), 30 de maio de 2019 (DLC New Prospects), 12 de dezembro de 2019 (DLC Station Life)
Gênero: RPG, estratégia, roguelite
Disponível para: PC

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